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A simbiose dos "is"

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A artista plástica Teresa Gonçalves Lobo em parceria com a fundação Ricardo Espírito Santo, através do museu de artes decorativas, criou duas cadeiras para o seu espólio a “ichair” e a “ichair long”, um longo processo criativo conjunto que culminou com uma exposição, um catálogo e ainda um álbum de gravuras com os “is”.

Como é que surgiu este convite do “i em pessoa”?
Teresa Goçalves Lobo: O convite surgiu do museu de artes decorativas portuguesas, da Fundação Ricardo Espírito Santo, em 2012 para fazer uma exposição no mesmo local no ano seguinte. O ponto de partida foi o próprio museu poderia inspirar-me em algumas das peças que constavam do espólio, o que eu quisesse, ou na fundação. Estive a analisar a colecção muito atentamente, claro que houve imensas peças que me fascinaram, mas o que me encantou mesmo foi a forma como os mestres da própria fundação trabalham. Foi como se regredíssemos mais de 100 anos no tempo, quando entrei ali, estava noutra epóca, as pessoas tem tempo para fazer as coisas, colocam todo seu empenho e dedicação, nota-se que tudo o que é feito com cuidado, há um amor enorme à arte. É um tempo diferente e isso fascinou-me, como as pessoas trabalham as peças, o amor que dedicam ao que fazem e estive a pensar que o que eu queria era valoriza-los. Mais do que um museu, a fundação tem vindo a preservar as artes decorativas, para o efeito foi necessário formar mestres nas artes portuguesas, achei que isso era excepcional e que não deveríamos deixar que o nosso património desaparecesse e o seu fundador teve esse cuidado. Depois há todos os mestres que por ali passaram, é uma instituição que fez 60 anos, no fundo quis homenagear todos os que lá estão e os que passaram por aquela casa para a manterem de pé.

Como é que surge o “i em pessoa”?
TGL: O “i” já existia, tinha os “is” que apenas necessitavam de uma oportunidade para aparecer, já tinha mostrado um em 2007 e em 2009 cheguei a expôr mais dois, sempre inseridos numa colectiva, mas como já possuia um grupo de “is” bastante significativo, até alguns que nunca expus, achei que precisavam de aparecer em conjunto, um quadro sozinho perde-se e pensei que fazia sentido mostrá-los todos juntos. Acabei por expôr 42 desenhos alguns de 2008 e outros de 2013, uns a tinta da china, outros a preto e vermelho que são cores que aparecem muito no meu trabalho, outros ainda em carvão e depois fiquei com vontade de fazer uma cadeira a partir do “i”. A paixão pelas cadeiras era algo que tinham em mim e nunca tinha pensado muito nisso, depois reparei que tenho vindo a fotografar cadeiras ao longo dos anos, pelos diferentes países por onde vou passando, ao meu ver este tipo de peça mostra imenso o que é uma cultura, da forma como as pessoas se sentem, se sentam e das tradições. Em 2005 estive na China e achei fantástico que as pessoas neste país sentam-se num círculo para conversarem, não é necessário uma mesa, ou um café, as cadeiras estão no passeio para que as pessoas se sentem e conversem ou não. São pequenos pormenores que tenho vindo a notar e fotografar ao longo do tempo. O facto de ter sido guia na Madeira fez-me olhar para estas peças, nomeadamente o espólio do Museu da Quinta das Cruzes, é uma paixão que possuo.

Então desenhaste a cadeira e há uma certa símbiose com os mestres da fundação?
TGL: Claro, o museu de artes decorativas ao me convidar também quer essa ligação, não foi algo que me fosse sugerido explicitamente, mas também não poderia ser encarado como uma sala de exposições, teria de ser olhado como um sítio onde vamos partilhar ambas as partes, é uma junção do trabalho, o saber das mãos dos mestres e os meus desenhos. Desta união surge um projecto conjunto, se bem que nunca tal me foi dito, foi um processo natural e achei que era bonito juntar estas duas paixões que tinha, os “is” e as cadeiras. É verdade que nunca tinha desenhado uma peça deste género, não sabia nada sobre cadeiras e acho que continuo a não saber, mas tive o cuidado de medir o meu corpo, o de uma mulher e do meu marido, um homem, daí pensar que tinha de ser confortável para ambos os sexos, com alturas diferentes, depois passei o desenho ao meu sobrinho, o Miguel Gonçalves que o materializou em 3D. Eu achei que era importante chegar à fundação não mostrando apenas dois traços, mas um desenho final, por duas razões, a primeira porque pretendia que os responsáveis dissessem que sim, o segundo motivo prende-se com a minha necessidade de me sentir bem, ou seja, eu mostrava apenas uns traços, os mestres materializavam o desenho e eu assinava a cadeira, isso não era o meu trabalho, portanto tinha que chegar à fundação com todo o material possível, com tudo o que me era exígido, em termos até de medidas e aí já pedia a opinião dos mestres para saber se era exequível, lógico ou não e tinha de ter esse feedback. Esse foi o projecto da “iChair”, foi a minha primeira cadeira, também a primeira na minha cabeça, depois estava a desenhar um “i” e sem pensar em nada vi uma outra peça, que é o chair long, com um pé no chão e outro esvoaçante e que ao mesmo tempo podem ser dois “is” que se fundem num só, agrada-me essa ideia, por isso, as peças não estão coladas, encaixam-se uma na outra, fundem-se, de um dos lados podemos sentar-nos, do outro podemos deitar-nos. Foi uma peça sonhada por mim e pelos mestres da fundação, onde foi-me posta a possibilidade também de escolher a madeira que pretendia para estas peças e fiquei incrédula quando ouvi e a minha resposta imediata que foi vinhático e til é a minha ligação à ilha da Madeira e as suas peças de mobiliário. É, claro, que são duas árvores protegidas, mas existia vinhático na fundação, vindo do Brasil que estava lá armazenado há 15 anos e eu disse até, na altura, que parecia mentira, mas aquela madeira parecia que tinha estado à minha espera, então as cadeiras são nessa madeira e o ponto do “i” é em pau santo. Curioso que nos dois pontos dos “is” tanto da “ichair” como da “ichair long” há uns pontos brancos que raramente aparece e os mestres disseram-me que é a alma desta madeira.

Como é que surge esta colectânea para um livro?A exposição, todo este processo para uma compilação?
TGL: Acho que no final após a exposição fica o catálogo e é sempre um pouco redutor quando vemos as fotografias dos quadros, mas é o que fica, para quem a viu e para quem não pode apreciar é uma forma de ver o trabalho e todo esse processo, mas achei que neste caso era importante não só mostrar todos os “is” que desenhei, mas ter a fotografia dos mestres que comigo trabalharam. Na altura quando abordei esta ideia na fundação os responsáveis alertaram-me para o facto que se iria reproduzir a imagem de uns e não de outros, mas eu estive um ano a acompanhar todo o processo e fotografei-os a todos, só a “ichair long” foram cerca de 5 meses e as pessoas que trabalharam na gravura e na passamanaria eu tive o cuidado de os fotografar, por norma aparecem sempre as mãos dos mestres, mas eu achei que a cara também tem de estar e foi emocionante até ver a felicidade destas pessoas por estarem reproduzidas, por terem uma imagem no catálogo.

Fala-me do álbum.
TGL: As peças, as “iCadeiras” estiveram exposta no museu, tive o privilégio de ver exposta a “iChair long” com outras peças bastante importantes do museu e imaginei que este “i” como se fosse habitante daquela casa, como se estivesse a sua estádia garantia nesse espaço. Queria também premiar as memórias e ao folhear um álbum de fotografias, fez-se um click, decidi fazer também um álbum de gravura com uma outra secção do museu de artes decorativas, com as pessoas ligadas à encadernação, a passamanaria, é um álbum do 10 gravuras que criei no meu atelier, mas que encadernei na fundação. É o álbum da família “i”.

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