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A porta do riso

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A Porta 27 é um grupo de teatro dedicado exclusivamente à comédia. Os criadores deste projecto artístico, Cristovão Carvalho, Susana Rodrigues e Tiago Lourenço tentam chegar ao público, através da provocação dos costumes actuais em tom cómico, irónico e divertido, mas sempre com uma componente que promove o intercâmbio interdisciplinar.

Vocês afirmam na vossa página que criaram a "Porta 27" para promover um intercâmbio multidisciplinar de forma a dar corpo a um projecto em comum. O que querem dizer com isso?
Cristovão Carvalho: Nós colaborámos, não é uma companhia com uma forte estrutura, temos um núcleo que depois vamos chamando, vamos estando em contacto com outros profissionais de forma a que consigámos chegar a outros projectos em outras plataformas que não o teatro.

Suzana Rodrigues, tu que escreves as peças todas, porquê escolhem apenas uma plataforma humorística?
Suzana Rodrigues: Por várias razões, ao contrário do que muitas vezes se pensa eu acho que escrever humor e escrever comédia acaba por se tornar mais difícil, mesmo para os actores, do que fazer drama, ou qualquer outro tipo de suporte e de teatro. Não tem a ver apenas com o desafio, mas com a “atenção” das pessoas, é muito mais fácil captar à atenção das pessoas pelo humor do que em qualquer outro tipo de comunicação e não fomos nós que inventámos isto, “ridendo castigat mores” quer dizer rindo castiga os costumes, já há muito tempo que se fala das coisas de uma forma menos séria, sem perder a seriedade e sem deixarmos de falarmos das coisas de que queremos falar.

É nos temas da actualidade que vais buscar a inspiração?
SR: Sim, nós temos este trabalho “o pistolas, pilantras e problemas” que aborda a situação actual da falta de emprego e de termos de nós “safar” com o que temos. Temos um outro espectáculo que é o “senha 44” e que fala da dificuldade de trabalhar a recibos verdes, de uma forma ou outra acabámos por abordar os obstáculos que também sentimos, ou seja, pegámos naquilo que nos esta próximo e abrimos o leque para abrangir mais pessoas.

É um reflexo da geração Y, onde vocês se inserem? As peças tem a ver com os desafios que enfrentam os jovens actualmente em Portugal?
SR: Eu acho que sim, sim. Nós criámos a “Porta 27” por várias razões, uma delas é permitir que pessoas da área possam colaborar umas com as outras e possam criar algo em comum. Outro aspecto é abordarmos coisas que nos são próximas junto de um público que não é habitual consumidor de teatro. Claro, que as pessoas que vão habitualmente ao teatro acabam por ver os nossos espectáculos, mas tentámos comunicar com os que não estão habituados as prácticas teatrais e atrair novos públicos.

O grupo começou nas manobras em 2011 no Porto, já tem seis anos de existência, olhando para atrás que balanço fazem da vossa actividade?
Tiago Lourenço: Acho que é positivo porque ainda cá estámos. Quando criámos a companhia não sabíamos o que nos esperava, não foi fácil, mas sempre houve pessoas e momentos em que vimos que valia a pena, houve público que nos disse para continuar, casas cheias e temos continuado. É isso que tem prevalecido estes seis anos, criámos um objecto que pouco a pouco vai dizendo mais a mais pessoas, aí, sim, para mim valeu a pena.
SR: Apesar das dificuldades e da falta de suporte financeiro, tivemos sempre apoio por parte de estruturas e entidades que sempre nos abriram a porta. Ao fim de seis anos podemos falar com as pessoas que já sabem quem é a “Porta 27”, termos reconhecimento é muito bom.

O que tem vindo a melhorar? Concerteza que ao longo de seis anos se derem de conta que havia certas prácticas que não funcionavam e deixaram de parte, ou tiveram de adaptar, ou não?
CC: A visão e forma como vemos o que nos rodeia esta em constante mutação, o que víamos em 2011 e agora em 2016 há coisas que mudaram radicalmente. As opiniões que tinhámos na altura faziam sentido e actualmente deixaram de o fazer e é assim que tem de ser assim, é sinal que estámos a crescer, a ver para onde queremos ir e achámos que queremos estar e ainda qual é o caminho certo para nós, que é um pouco como toda a gente.
TL: Actualmente pensámos de uma forma mais cautelosa, já nos conhecemos e as nossas valências, o que a “Porta 27” necessita e quer, porque ao início quando estámos a começar é difícil estabelecer uma marca, porque as pessoas podem não gostar. Hoje em dia já sabemos o que é este projecto, o que quer e o que somos. Tentámos que em cada espectáculo isso prevaleça, é claro que há mutações e questões que nos fazem repensar o assunto, mas agora sim, estámos mais assentes no que somos e esperámos que as pessoas gostem.

Então qual é a marca, ou identidade da “Porta 27”?
CC: Eu acho que pode ser a desconstrução, porque ao longo destes seis anos, um dos aspectos que se manteve nos nossos espectáculos e uma das ligações que temos entre nós é a desconstrução, no sentido em que, embora, as peças estejam assentes na comédia são diferentes entre si e experimentámos diversos tipos de comédia. Isso permite-nos conseguir perceber que em todas elas nos desconstruímos o que achavámos à partida que não podia ser destruído, ou seja, houve uma destruição do que achavámos, ou queremos mostrar que pode ser de outra forma, pode não ser exactamente daquela maneira.
SR: O exemplo disto é o “pistolas, pilantras e problemas” onde há um actor que interpreta um personagem que esta a interpretar um actor, este por sua vez esta também a interpretar uma personagem, acho que não há maior desconstrução do que esta e o público ao ver o espectáculo acaba por confundir quem é o actor, quem é a personagem que é o actor e quem é a personagem que o actor esta a interpretar. É um exercício, é uma forma de estar atento e tentar perceber de que forma estas personagens se complementam.

Falam de construção, então como é génese do vossos espectáculos? Suzana, tu escreves de forma independente ou todos participam e dão o seu contributo?
SR: Até agora as ideias dos espectáculos foram todas minhas, que proponho ao grupo, falámos os três e discutimos sobre isso. Cada um dá o seu contributo, surgem outras ideias e há uma primeira proposta de texto que lemos em conjunto e alterámos, ou adaptámos aquilo sentimos necessidade de alterar, ou seja, no fundo apesar da ideia original ser minha e o primeiro e último texto serem meus, o trabalho é colectivo. Existem sempre ideias na “Porta 27” e quando eu digo de todos, não falo apenas dos actores, mas dos técnicos e de todas as pessoas que colaboram conosco e que tem uma palavra a dizer, ou algo a acrescentar.

Isso também acaba por acontecer no palco, quando assumem as personagens, há espaço para a improvisão, ou seguem o texto na íntegra?
CC: Como trabalhámos diferentes tipos de comédia, este espectáculo do “pistolas, pilantras e problemas” tem espaço para esse improviso. O “senha 44” não tem tanto espaço, a apresentação deste espectáculo não é tão aberta, ao contrário da outra peça onde há espaço para haver uma interacção do público. Tudo vai depender dos projecto e de como nos inicialmente idelizámos o espectáculo e o que é que na fase final vai ficar.
TL: Mas na concepção existe uma grande liberdade, até fazemos jogos.
SR: Os ensaios são períodos de experiências, testámos muita coisa, há sempre aspectos que não funcionam e em muitas das partes desse improviso criam-se momentos que não apareciam incialmente e acabam por ficar fixos na peça, porque surgiram nos ensaios e correram tão bem.
TL: Também assumimos que todos os espectáculos que apresentámos não estão fechados, não deixam de estar em processo, que podem ser melhoradas mesmo para nós, ou após um público o ter visto, ouvimos opiniões, ou seja, todas as peças estão em constante mutação e evolução.

Fazem comédia difícil, então o que acontece quando estão em palco e o público não se ri ou não reage? É aí que entra o improviso?
CC: Isso já nos aconteceu, num espectáculo em que toda a linguagem é assente na línguagem do palhaço, se o público falha a gargalhada, não há muito a fazer, porque todos os jogos estão orientados e criados para isso, podem ocorrer actos falhados, mas por norma, tentámos nos proteger ao máximo nos ensaios, para que acabe por resultar de uma forma ou de outra. Aliás, por causa disso necessitámos dos ensaios e nos apoiámos uns aos outros, porque as visões diferentes do que estámos a criar vão-se complementando ao longo do processo e que acaba sempre por resultar. Claro, que não é uma fórmula 100% infalível, mas tentámos reduzir ao máximo essa margem de erro.

Existem públicos diferentes em Portugal? No Norte, no Porto o público é muito interactivo, mesmo quando as peças de teatro não o são, mas não é caso de todo o país.
SR: Existem imensos e mesmo no Porto há diferenças. De uma forma ou outra estámos ligados as artes e temos colegas e encenadores que vão ver os nossos espectáculos. Fazer uma peça para actores é completamente diferente do que fazê-lo para não actores, porque eles são muito mais críticos, eles vêem e observam o teatro de uma outra forma que o público em geral não vê. Eles estão atentos a luz, por exemplo, enquanto que as pessos notam que o foco é importante numa cena, mas não esta preocupada com isso. O actor, por outro lado, esta preocupado com o ângulo, o tipo de projectores e o seu número e acaba por perder a acção e analisa o texto de uma forma muito mais escrupulosa do que o público em geral, que vê o espectáculo como um todo. Na peça sobre os recibos verdes, os advogados, ou outras profissões liberais são mais sensíveis ao texto, há partes em que o público que não depende dos recibos verdes ri a gargalhada e os que trabalham com recibos verdes como sentem isso na pele não se ri. Neste espectáculo dos “pistolas, pilantras e problemas” houve uma senhora que esteve a rir as gargalhadas desde o princípio ao fim nas falas sobre o banco e percebemos que aquela espectadora trabalhava nesse tipo de instituição. As pessoas que se sentem retratadas nas personagens agem de forma diferente, a experiência é diferente e por isso revêm-se de formas diferentes no espectáculo. Quando o Tiago Lourenço entra com a peruca loira e olha para o público nós sabemos logo por esse momento qual vai ser o comportamento do público no espectáculo, se não se rirem vai ser uma peça difícil.
CC: Já nos aconteceu uma vez.
TL:É complicado, um espectáculo para vinte pessoas é diferente do que para cem, há o medo de rirem entre si, existe aquela vergonha, mas depois quando duas ou três pessoas se começam a rir, todos riem.
SR: Isso acontece porque o riso é contagioso e sabemos disto.
TL: Nós não trabalhámos com o tempo do riso, embora já nos habituámos a ter esse suporte do público a divertir-se. Por vezes é mais difícil, mas depois as pessoas chegam no fim e dizem que gostaram muito.
SR: A pouco quando o Cristovão falava da ausência de riso, existe outra questão que também é difícil, foi o caso de um espectáculo que fizemos em Mondim de Basto em que o público se ria de tudo e se para nós é um gozo enorme ver esta reação, quando temos os tempos pré-preparados para dar 2 a 3 segundos para as pessoas se rirem e segue a cena, se eles não pararem para as pessoas se rirem, depois o público não os ouvem e os tempos ficam todos descoordenados e temos de adaptar-nos, nesse caso tivemos mais calma para depois continuar com a peça. É muito complicado ter um público participativo, ou outro que não o é de todo, mas preferimos o que ri mais.
TL: Também faz parte, estámos sempre a lidar com essa questão, não sabemos o que vamos encontrar. Com a experiência vamos aprendendo a nos proteger, vamos avançando nos trabalhos e verificámos como isso pode funcionar quase sempre, tornar a fórmula mais perfeita possível para todos os públicos.

Qual das peças que fizeram a que teve a reacção mais inesperada do público?
CC: De certa forma todos acabam por ser marcantes. Há espectáculos que conseguimos perceber que as pessoas vão agarrar, existem outros que inesperadamente as pessoas gostam de determinadas cenas que não esperavámos, vai sempre depender como a Suzana dizia do público, ou de como sente o que estámos a apresentar em palco.
SR: Eu tento ir ao máximo de espectáculos possível e houve um no Porto em que entraram pessoas mais velhas do que é habitual nas nossas peças e eu fiquei preocupada porque não se riram e sairam com má cara e eu fiquei com a sensação que eram funcionários públicos e que deviam ser reformados da segurança social porque estavam super ofendidos, no final perguntei se gostaram e disseram que sim com um sorriso amarelo. Acontece.
TL: E já tivemos pessoas a insultar-nos a meio de uma peça que aborda a troika, porque se sentiram ofendidos.
CC: Mas esse era o objectivo, sabiámos que íamos causar algum furor, algum mal- estar, precisamente porque queríamos ter uma reação negativa, queriamos que as pessoas se revoltassem com tudo aquilo.
SR: Havia uma pequena manifestação e notou-se que havia pessoas que se queriam levantar e manifestar-se com eles, as pessoas estavam mesmo a sentir tudo aquilo, a troika, a crise e tudo esta mal. O público estava indignado e isso para nós é bom, porque sabíamos que estavámos a fazer o nosso trabalho bem feito, quando as pessoas sentem o que estámos a sentir.

Vão continuar nesta linha humorística ou pretendem fazer outro tipo de peças?
CC: Nós continuámos a adorar a comédia, acho que deveríamos apostar num outro tipo, não esta de fora dos nossos planos fazer comédia de enganos, ou seja, o que é entrar neste processo e experimentar fazer uma revista.

www.porta27.pt

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