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O terceirense acidental

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Luís Filipe Borges é uma das caras mais conhecidas da televisão portuguesa, é um dos apresentadores do programa "cinco para a meia-noite", mas não só, é também argumentista, escritor e comediante. São as várias facetas deste açoriano de gema que fazem dele um dos nomes a reter no cenário artístico nacional.

O riso ainda é o melhor remédio?
Luís Filipe Borges: Eu não gosto muito de frases feitas. Tenho a certeza que o riso é um dos melhores paliativos e não só. É a melhor forma de encarar os tempos mais difíceis e uma das melhores armas para reflectir sobre eles, dizer a verdade a brincar como se costuma dizer.

Sabemos que a comédia é uma das áreas que não sofre muito com a crise, é pelo facto de que os portugueses necessitam de rir-se mais.
LFB: Não concordo nada com isso, a comédia sofre com a crise como outra área qualquer, por exemplo, eu e o António Raminhos temos feito mais espectáculos do que nunca, mas é porque corremos riscos. Para vir à Madeira pagámos os bilhetes de avião, para ir a qualquer lado não temos cachet, dependemos das bilheteiras dos teatros e sofremos como qualquer outra área sofre. Quando não há dinheiro para pagar um cachet à partida combinado, como seria o ideal, temos duas opções, ou deixámos de fazer as coisas, ou arriscámos e portanto optámos pela última e nesse sentido um comediante sofre como qualquer outra pessoa. Ao nível mais filosófico com a crise tem-se sempre mais material de inspiração, mas há um grau de responsabilidade que aumenta exponencialmente, porque as pessoas divertem-se mais facilmente quando os problemas da sua vida não são tão dramáticos. Ao apresentar o "cinco para a meia-noite" há temas mais ligeiros que deixei de tocar, porque sinto que seria irresponsabilidade da minha parte estar a fazer humor com férias, por exemplo, comparar a cultura portuguesa com a de outros países e ao mesmo tempo subtilmente passo a mensagem (aos espectadores) que eles não podem viajar e eu posso, seria algo delicado nos tempos que correm. Acho que temos uma responsabilidade social nobre que é entreter as pessoas sem dúvida, distraí-las das suas agruras durante algum tempo, mas eu não acredito na comédia feita de non sense, devemos distrair as pessoas, mas ao mesmo tempo tocar na ferida. É por isso que digo que a nossa responsabilidade, enquanto comediantes, até aumenta com a crise.

Mas, a exposição mediática da televisão ajuda na carreira, embora tenhas focado as dificuldades inerentes.
LFB: Claro que sim que ajuda. A televisão é um meio de massas muitíssimo forte, fazer um programa como o "cinco para meia-noite" que é bastante apreciado, claro que traz mais trabalho.

Focaste o tema das férias, mas fora do contexto da crise, como comediante tens temas tabus?
LFB: Há temas tabus. Eu acho que não tenho um tema, mas acho que existem limites, eu vou dar um exemplo, se aquilo que aconteceu há quatro anos na Madeira onde morreram imensas pessoas se tivesse acontecido ontem eu queria ver qual era o comediante que faria uma piada em público sobre isso, porque a maioria dos profissionais gosta muito de dizer, que não há limites para a comédia, o único limite é o bom gosto, ou a inteligência. Claro, que há limites até de ordem ética, eu sempre vi as coisas assim, existem questões de timing e de temas. Em Portugal, começou uma subcultura do humor negro, ou pelo menos consideram-se assim, eu acho que o humor negro português é miserável, o Rui Sinel de Cortes que é o seu expoente máximo, eu nunca me ri das suas piadas, porque acho que um comediante que não pratica a auto-depreciação e que procura apenas o choque gratuito não é alguém interessante, o chocar por chocar é fácil, para isso eu chegava ao teatro cheio baixava as calças que as pessoas com certeza se riam.

Como é que um açoriano escolhe a profissão de comediante?
LFB: Não escolhi, o meu sonho era viver da escrita, colaborei muito com jornais, quando acabei o meu curso tive a sorte de conseguir emprego numa pequena produtora de televisão, fiz vários programas para a RTP2 e depois tive um convite para trabalhar para as "produções fictícias". Aos 25 anos tive que formatar-me a esse registo, porque o "core business" da empresa era a comédia e comecei a escreve-la durante vários anos. Depois foi através da escrita que surgiu a oportunidade de dar a cara num programa chamado "a revolta dos pastéis de nata", mas foram todos acidentes felizes. Acabei por me tornar comediante, porque foi o humor que em termos de escrita abriu-me uma porta e me ajudou a ganhar a coragem para lançar-me para frente do público, mas não era um plano meu, o meu objectivo era viver da escrita.

Foi algo contra natura? Porque associasse aos ilhéus uma natureza introspectiva, fechada. Então, como foi a primeira vez que enfrentaste o palco e o público?
LFB: É uma adrenalina tremenda e é uma sensação que se repete sempre quando temos uma plateia à frente. Eu considero-me uma pessoa tímida e os ilhéus ao contrário do que muitos continentais pensam são pessoas extraordinariamente festivas, mas não é o meu caso. Acho é que o palco é uma espécie de droga boa, ou seja, a adrenalina que recebes por estar em frente a um público torna-nos de certa forma poderosos, durante aquele bocadinho que estamos ali, estamos na corda bamba, o nosso desafio é não cair e se não cairmos as pessoas vão-nos admirar por isso. Aliás, há uma piada bem antiga do Woody Allen que é a seguinte: a parte verdadeira diz respeito a um estudo sobre os nossos maiores medos e curiosamente a morte ficou em segundo lugar, batida pelo medo de falar em público, a parte da piada é que num funeral preferimos ser a pessoa que esta no caixão do que aquele que faz o elogio fúnebre. Isto para dizer que o ser humano tem medo ao nível do subconsciente de estar em frente a uma plateia, porque sentes-te um bocado nu, tens toda a gente a olhar para ti, tens medo de fazer asneira e ainda mais redobrado ou triplicado de fazeres m.... Isto significa que os públicos estão predispostos a gostar de alguém que esta num palco sozinho, porque elas sabem que essa pessoa esta a fazer algo muito difícil para a maioria esmagadora. Portanto, a plateia estabelece o fio por onde andámos e esta lá para admirar-nos, pois, se conseguirmos acabar a caminhada há aplausos de pé no fim.

Por saberem que és açoriano ao tentarem imitar o sotaque de São Miguel não acabam por parecer que imitam os madeirense?
LFB: Eu acho que é o contrário, por cada vez que um continental, ainda ontem brincámos com isso aqui, tenta imitar um madeirense sai sempre o sotaque de São Miguel, que eles acham que é açoriano, mas não é verdade, porque só existe naquela ilha, é a maior das nove e onde vive 60% da população.

É por isso que criaste um vídeo no "youtube" para desmistificar esses preconceitos associados aos açorianos?
LFB: Isso já tem tantos anos, exactamente, foi mesmo por isso. Também há uma outra coisa engraçada e que deve acontecer aos madeirenses, quando estamos lá fora que é: és dos Açores então conheces o José? Conheço pelos menos 37Zés.

Tiveste alguma vez uma branca de que te lembres em palco?
LFB: Não, nunca. Já me aconteceu perder-me a certa altura, mas o que eu gosto mais de fazer é improvisar, portanto quando me perco improviso qualquer coisa com o público para buscar uma reacção e poder interagir com eles sobre esse assunto. Nunca tive uma branca daquelas que se nota, tipo f...e agora?

Existem públicos diferentes, mesmo numa tournée nacional?
LFB: Nota-se, em particular no Norte do país, é um público extremamente generoso. Sabemos que podemos estar completamente à vontade ao nível da linguagem, até dos temas sexuais, mesmo quando estão na plateia famílias inteiras, dos avós aos netos presentes. Há outros locais mais conservadores onde apreciam menos os palavrões, até não se importam tanto com o tipo de linguagem, mas não apreciam os temas sexuais, mas isso é algo engraçado que vem com a experiência. O Raminhos para mim é o melhor comediante de stand up português, hoje em dia eu diria que tem à vontade umas seis horas de material e é muito raro um comediante conseguir actuar sozinho durante uma hora. Isto significa com a experiência acumulada que podemos decidir em palco, dentro do material que possuímos, nos primeiros momentos ir medindo o pulso ao público, que caminhos escolher e o que vai ser mais agradável para eles ou não.

Para além da comédia já pensaste o que queres fazer quando fores grande?
LFB: Eu já faço muitas coisas para além da comédia. Portanto, comecei a viver da escrita e nunca parei. Além de escrever muitas coisas, fui argumentista há muito anos do "Conta-me como foi", escrevi para teatro, tenho cinco livros publicados em nome próprio. Vou continuar a viver da escrita com certeza e quando for grande quero ser romancista que é o único género que me falta a coragem suficiente para tentar.

E já começaste a escrever o teu primeiro romance?
LFB: Já fiz uma tentativa que parou no oitavo capítulo. Fiquei sem fôlego, percebi que aquela história era curta demais, mas os meus dois objectivos profissionais até fazer os 40 anos, actualmente ainda tenho 4 anos pela frente, é escrever e realizar a minha primeira curta-metragem e publicar o meu primeiro romance.

Para ser-se escritor é preciso viver-se primeiro?
LFB: Sem dúvida nenhuma. Mas, sem exageros.

Referiste que já publicaste livros extremamente jovem.
LFB: Sim, o primeiro livro que publiquei tinha eu 26 anos. Tenho um de poesia, dois de crónicas e um de contos.

E olhando para atrás, achas que te faltou maturidade nessa escrita?
LFB: Não, no livro de poesia que publiquei aos 26 anos muitos desses poemas foram escritos com 18,19 anos e eu hoje olho para eles e existem coisas profundamente ingénuas, só que acho que fez todo o sentido, não é o tipo de erro que me arrependa é um erro em itálico. Há tempos na vida para tudo, e portanto quando olho para esse livro, e me recordo da idade que tinha naquela altura, eu penso, ok, isto faz sentido, por isso, não me envergonho minimamente. Para escrever um romance acho que é necessário ter outra maturidade, outra vivência. É como o fado, quando era miúdo não ligava pevide, quanto mais velho fico, mais gosto, mais aprecio. É também como o vinho, quando bebemos pela primeira vez achámos horrível e depois vamos aprendendo a gostar e a certa altura ao longo dos anos até conseguimos distinguir bastante bem as castas. Agora, quando digo que concordo que é preciso viver para poder escrever, acho que se deve viver sem ser obsessivo, um exemplo que se pode aplicar aos actores, que é uma profissão que muito admiro, eu tenho a certeza que o Al Pacino para fazer o "Scarface" não enfiou 6 kilos de cocaína pelo nariz acima, temos de viver sem ser obsessivos em relação a isso. Eu consigo escrever sobre um protagonista que vai as prostitutas sem lá ter ido.

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