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Confissões de uma mulher madura

Escrito por 

É mais um livro publicado pela jornalista Maria Elisa Domingues, onde aborda a sua carreira profissional, a sua vida pessoal, a geração sanduíche e outros capítulos mais práticos

O livro tem o subtítulo, como enfrentar a idade sem medo porquê?
Maria Elisa Domingues: Porque nunca emprego a expressão anti-envelhecimento, que hoje em dia é usada pelos charlatões de todos os campos. Não é possível contrariar o envelhecimento, nem desejável, é uma sorte estarmos cá e irmos envelhecendo, o contrário disso é terrível, é morrermos. O que é possível é envelhecer o melhor possível do ponto de vista físico e intelectual para continuar a ser o mais produtivos para a nossa sociedade e para as nossas famílias, Doris Lessing, que morreu com mais de noventa anos disse: a melhor coisa do envelhecimento é o despojamento. Eu acho que ainda não lá cheguei, ainda sou uma acumuladora de muita tralha, mas espero conseguir com a idade despojar-me do acessório e concentrar-me realmente no que é fundamental.

É também uma reflexão sobre a idade madura.
MED: Não é bom para a economia de uma nação menosprezar pessoas que estão no seu melhor em termos de capacidades, muitos até investem em formação especializada ao longo das suas carreiras e depois dos cinquenta o país enxota-os alegremente, porque já não servem, venham os mais novos. Eu situo-me na geração designada internacionalmente por sanduíche, somos os que temos de dispensar alguns cuidados aos nossos pais, sogros e tios, pessoas que trataram de nós quando éramos mais pequenos e ao mesmo tempo temos de preocupar-nos, sobretudo do ponto de vista financeiro com os nossos filhos, vítimas da crise, desempregados e nós lá ficámos no meio, com salários também comprometidos, cujas reformas foram cortadas e temos de fazer face a todos esses problemas, por os quais não esperavámos. O que almejávamos era chegar a uma certa idade e ter tempo para viajar, para outras actividades para as quais não tínhamos tempo durante a nossa vida activa e vemó-nos confrontados com esta nova realidade em que nos deparámos com a perspectiva completamente angustiante do ponto de vista financeiro, mas não só, do futuro do nosso país, como dos nossos filhos e dos netos por vezes. Contudo, não é um livro pessimista, olha para o futuro, para esta terceira etapa da vida de forma positiva. Tem uma boa dose de optimismo e resiliência, de sermos capazes de reinventarmos e encontrar novos desafios, de novas actividades de prazer, despertar para vida com outra alegria, com outro elán, chamei a esse capítulo “10 anos mais nova”, porque muitas vezes essas novas actividades são aquelas que nos vão rejuvenescer de alguma maneira, são ferramentas para a manutenção da nossa forma física e depois há as actividades do ponto de vista intelectual. O livro completa ainda vários capítulos que chamaria de práticos, a falta de melhor designação, que se debruçam sobre a nutrição, a beleza, desde cuidados a ter com a pele até o vestuário. Deram-me muito trabalho a escrever e a pesquisar, todas estes temas foram aprofundados da melhor forma que pude para que não fossem apenas um repositório de banalidades, eu tento fundamentar os temas de uma forma mais científica. Curiosamente, houve um grande desinteresse por estes capítulos, por serem mais aliados à condição feminina e as mulheres por esse motivo são rótulados de fúteis, o que é do domínio masculino é muito importante economicamente é esse motivo que se evoca e em que não estou nada de acordo.

É um livro no feminino, mas é feminista? Porque se auto-intitula de feminista.
MED: Não me auto-intitulo, sou feminista e acho que o feminismo é mais actual do nunca, quando estámos muito longe de termos atingido a paridade que é o minímo que podemos aspirar, porque somos mais e mais bem preparadas. Mas, não é um livro feminista, não é panfleto, não é preciso ser feminista para aderir as coisas de que falo, não foi escrito nessa perspectiva, só no último capítulo é que defendo que as pessoas se mantém mais jovens quanto mais abraçarem uma causa, um movimento, algo que as apaixone muito, mas pode ser qualquer outra coisa, outra actividade, conheço pessoas que dançam o tango e é isso que as mantém jovens, outras fazem meditação, ou ioga e é mesmo no fim do livro que falo da minha, que é o feminismo.

Curiosamente aborda as questões relacionadas com a moda, que são vistas como fúteis, porque as mulheres embora contribuam para produzir milhões não só no vestuário, como nos cosméticos e perfumes, somos também reponsáveis pelas decisões domésticas desde a compra dos electrodomésticos até do carro. Contudo, tudo isto é visto como fútil foi por isso que decidiu escrever sobre estes temas?
MED: Não, não foi por isso que eu decidi escrever. Achei mesmo que eram capítulos interessantes e que as pessoas iam gostar de ler, o que me surpreendeu foi a reacção dos jornalistas que tiveram um enorme interesse pelo livro de facto, muito grande até, tive uma enorme adesão por parte de televisões, rádios, revistas e jornais, mas ninguém abordou esse capítulo e eu fiquei a pensar porquê? Cheguei a conclusão que na cabeça da maior parte das pessoas, mesmo dos jornalistas, essas indústrias continuam a ser consideradas fúteis, não lhes dão a verdadeira importância que tem.

 

Disse jornalistas, mas incluí mesmo as do sexo feminino.
MED: Fui entrevista por muitas mulheres jornalistas, mas que abordaram este capítulo muito pouco, incomparávelmente com os outros capítulos, nomeadamente a vida profissional, eu percebo que isso desperte um enorme interesse, a reforma, a geração sanduíche, por causa das dificuldades materiais que as famílias enfrentam e levam tanta gente aos psiquiatras. Eu conversei com vários médicos, vem até algumas referências no livro dessas conversas, cujos os consultórios actualmente estão cheios de pessoas da minha idade completamente esmagadas entre o peso de cuidar dos mais velhos e terem de tomar conta dos mais novos, numa grande angústia, numa grande aflição, porque as pessoas com estas idades pensavam que iam ter uma reforma, com uma velhice calma se lhe pudermos chamar assim e não sabem o que há-de fazer porque tem de sustentar os pais, quer o filhos que até por vezes trazem já a sua própria família.

Os vários capítulos são completamente díspares, foi difícil chegar a essa selecção?
MED: Para mim são os vários temas que compõem a vida de uma mulher, foi facílimo, foi pensar na minha vida. O meu primeiro capítulo é uma das minhas principais preocupações, a geração sanduíche. O meu livro anterior foi sobre a morte da minha mãe e do cancro, em relatava o meu papel de cuidadora.

Que é um papel ainda predominantemente femenino?
MED: O cuidar ainda é femenino, seja do pai, da mãe, seja da tia.

O que vai ao encontro do discurso do Paulo Portas sobre as mulheres portuguesas cuidadoras de toda a família, há ainda toda essa imagem machista, o que mágoa é que é ainda muito actual.
MED: O que acho é que é uma imagem que reduz o âmbito das mulheres, porque elas são isso, mas fazem todo o resto fora de casa, foi isso que chocou as pessoas, porque é uma visão antiga de que as mulheres tinham de ficar em casa a cuidar da família. O Paulo Portas é um homem muito inteligente, creio que não terá sido isso que quis dizer, mas disse e em política nada passa em branco.

Referiu que cuidou da sua mãe tendo um percurso profissional muito intenso, contudo, esse perfil é muito idêntico a de muitas mulheres portuguesas, é uma realidade.
MED: Sim, no meu caso tive um pouco mais de sorte, porque o meu pai morreu rapidamente, em três dias, mas a minha mãe manteve-se extraordináriamente saudável até os 85 anos e como eu já estava numa fase bastante adiantada do meu percurso profissional, não foi algo que me afecta-se a meio, pelo contrário, nessa fase mais intensa, dos 40 e dos 50, eu pude contar com o grande apoio dela em relação ao meu filho. Portanto, para mim era absolutamente evidente que quando chegou a vez da minha mãe precisar de mim, por estar gravemente doente, não se punha em causa outra função que não fosse cuidar dela e de ela pelo menos morrer se não na sua casa, pelo menos na minha, com a família, sem nunca ir para o hospital, a não ser num período muito breve de urgência. O que acabou por acontecer foi que ela morreu tranquilamente na sua casa, rodeada pela sua família, que eu acho que é o sonho de qualquer pessoa e felizmente pude satisfaze-lo. Agora, sei que é muito difícil para mulheres que enfrentam situações desse género mais cedo nas suas carreiras e numa idade em que não podem deixar o emprego sem uma grande penalização. Eu estava já nessa fase em que isso era possível, tinha 61 anos e 40 anos de descontos para a segurança social, mas para outras pessoas isso acontece mais cedo e são dilemas terríveis, eu não julgo ninguém, não critico aqueles que não podem fazer isso, censuro, sim, aquelas que podem e não o fazem, e há muitas, por egoísmo, pela maçada, que não estão para ter esse trabalho e não é que não possam financeiramente.

As confissões de uma mulher madura é uma leitura para as mulheres maduras, mas poderá também ser lido por jovens que ainda nem se encontram nessa fase?
MED: Vou dar-lhe um exemplo, vou provocar uma surpresa, eu tenho ido a muitas feiras do livro e há umas semanas foi a Sesimbra. No período de autográfos, ficaram para o fim, uma mãe e o que parecia uma adolescente, que afinal tinha 17 anos e quando chegou a vez dela virei-me para mãe convencida que era ela que tinha comprado o livro e ela disse que não, o autográfo era para a filha que o comprou, leu o livro de fio a pavio e agora trocámos imensos emails, sabe do que ela gostou mais? Do capítulo da moda, é estudante de design de moda e disse-me que foi uma das coisas mais bem feitas em Portugal sobre moda. A vida é surpreendente. E tenho encontrado muitas mulheres de 30 e 40 anos a ler o livro e também nessa feira do livro aparecerem muitos homens.

E o que foi que eles disseram?
MED: Que o compraram porque queriam saber mais sobre as mulheres.

Continuam sem perceber as mulheres?
MED: Pelos vistos e nós também a não percebe-los muito bem, enfim! (risos)

Porquê este livro agora neste momento?
MED: Porque enquanto trabalhava mais regularmente na televisão, pura e simplesmente não tinha tempo para escrever livros, só conseguia escrever artigos foi colaboradora em vários jornais e publicações, era o máximo que conseguia fazer a parte do meu trabalho na televisão. Os livros demoram mais tempo, tem um tratamento em mais profundidade, senti pela primeira essa grande necessidade durante a doença da minha mãe, fui muito influênciada e desafiada por um médico, por isso, foi escrito em co-autoria sobre a fibromialgia, embora fosse um problema muito meu, digamos que a iniciativa não foi minha. A obra sobre os cuidadores surge, porque confrontei-me com uma grande falta de literatura a esse respeito, da sua enorme solidão, de todas as dificuldades que se colocam a um cuidador de toda a espécie, quer ao nível prático, financeiro até do final da existência das pessoas que nos deram vida, para mim foi muito angustiante. E depois de ter deixado de trabalhar a tempo inteiro, ao ter de confrontar-me com a idade da reforma, que só vai verdadeiramente acontecer agora, porque só agora atingi a idade veio essa consciência da minha geração que estava espartilhada entre os cuidados dos mais velhos e ter de acudir aos mais novos, porque perderam o trabalho, ou a casa e que por vezes regressam com outro agregado familiar e temos debaixo do mesmo teto três gerações ou mais, essas foram as minhas primeiras reflexões e achei interessante falar sobre isso. Depois achei que poderia complementar esses capítulos com outros que interessam as mulheres, desde a vida sentimental, mas como outros de índole mais prática que não deixam de ser tratados com tanta seriedade como são os restantes.

Disse que abordou sempre estes temas do ponto de vista jornalístico e não de autor.
MED: Por enquanto considero-me apenas uma jornalista que ambém escreve livros, se virei a ser outra coisa ou não, não sei. Sempre serei jornalista porque foi para isso que estudei e completei a minha formação e assim é como me sinto.

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