Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

h facebook h twitter h pinterest

Para onde voam as tartarugas

Escrito por 

Joaquim Arena não é o típico escritor cabo-verdiano, não tem um perfil diásporico, mas tem um olhar apurado para com o país, Cabo-Verde. É um livro que mostra as cores de uma jovem nação, a crioulização de uma sociedade, onde há um choque cultural profundo, uma história romanceada e um foco ambiental.

Porquê escolheste esta época da primeira república para o teu livro?
Joaquim Arena: É uma época de abertura da sociedade, as primeiras eleições multipartidárias e também transferiu para as pessoas uma mensagem de esperança e isso acontece em todos os países. Há este percurso histórico de um partido único ou de uma ditadura, como foi em Portugal e depois existe uma explosão de alegria, de ideias e de projectos. Houve também a preocupação de colar todo um processo histórico, fruto de uma investigação, o de um grupo de nacionalistas da ETA, ex-combatentes, que se exilaram em Cabo-Verde. Há uma escolha deste período, porque existe a coincidência de vários factores, a abertura do país, a época em que os etarras procuravam locais de exílio e o turismo que de certa forma colocou em risco o meio ambiente das tartarugas, projectos megalómanos que punham em perigo as zonas de desova desta espécie, portanto existem também aqui vários aspectos que concorrem para esta história ter ocorrido nesse período.

Há também a questão dos vários tipos de linguagem que usas no “Por onde voam as tartarugas”, um múltiplo de espelhos, foi uma ideia inicial?
JA: Isso acontece com naturalidade. As personagens tem histórias muito diferentes, falam numa linguagem completamente diferente e nesse contexto também reflecte as suas preocupações. Existem partes onde falo dos pescadores tem a ver com uma forma de vida em que o conceito de equilíbrio ambiental é algo que não entendem, porque desde sempre os seus avós e pais sempre caçaram as tartarugas para alimentar-se da sua carne. Claro que é uma linguagem diferente no sentido de informação e actualização daquilo que é pensamento mais internacional, mais ecológico e que choca ao mesmo tempo, porque isto tudo não faz sentido na ilha piscatória da Boavista, onde as pessoas esperam pela época da desova para caçarem as tartarugas, normalmente estes animais são uma alternativa alimentar em relação à pesca, porque, por norma, o clima não o permite. Sempre foi assim.

Essas múltiplas linguagens também tem a ver com o facto de não subscreveres este livro como romance? Querias fugir também a esse estereótipo ou essa ideia de livro?
JA: A ideia de romance não é unívoca, há várias formas de apresentar um romance. Há uma história linear, com duas pessoas e depois existem enredos mais complexos, com espelhos e que confluem para um ponto que é Cabo-verde. São vidas diferentes, são pessoas que chegam e que de certa forma acabam por estar ligadas, se alguém estivesse lá em cima, uma espécie de Deus a olhar para nós, acabaria por ver olhando para mim e para ti as nossas ligações com os outros. Eu nasci em Cabo-Verde, mas vivo há vários anos em Portugal, sou filho de pai português, que veio do Minho e há este tipo de histórias. A mim nunca me satisfazem as histórias lineares e curtas, eu vejo sempre essa ramificação. No fundo neste livro há personagem que tens histórias comuns e que acabam por se encontrar num determinado local geográfico, porque tem de acontecer num determinado ponto, até porque as pessoas são livres, elas viajam, circulam e trazem componentes da sua cultura de origem e depois tem que lidar com os outros e com essa diversidade das pessoas que encontram no local e fazem concessões e aprendem, muitas vezes não conseguem e existem conflitos. Portanto, a história da humanidade é feita desses atritos, mas que se quiserem tentam encontrar uma linguagem em comum, umas vezes conseguem outras não. A história da humanidade evolui, tem havido sucesso, é como uma maré que vai tocando e se vai espalhando em várias culturas e depois vão aparecendo culturas síntese que resultam destas populações.

Outra questão que colocou e que se fala é que abordas a crioulização da sociedade, como é que isso se traduz na tua escrita? De que forma?
JA: De forma natural e isto não tem que ver só com o crioulo, nunca gostei de ver pessoas de uma condição humilde terem uma diálogo em que o autor não teve em conta a verdadeira estructura quer mental, quer cultural daquela personagem. Nós em Cabo-Verde falámos no dia-a-dia crioulo, mas nas instituições solenes, parlamento, tribunal, na conservatória fala-se português, mas toda a literatura e estou em falar na prosa, poesia e ficção é toda na língua de Camões desde a primeira a última linha e não faz sentido e o que é que eu fiz? Tenho personagens em crioulo e escrevi em crioulo misturado com português, foi a única forma de conseguir reflectir algum realismo e quem era essas personagens? Eram pescadores, que são naturais na sua forma de expressão, eles não falam português, falam crioulo, houve essa necessidade de aproximar a linguagem natural da personagem para ela ter corpo e vida e não abastardá-la, no sentido de dar-lhe um nível cultural superior do que é a realidade, tu não encontras um pescador em Cabo-Verde com o português que nós falámos, mas na literatura encontras esses exemplos, quer tenham outras profissões e eu coloquei-os a falar crioulo, com o risco de um português não o entender, só que este dialecto lido por um luso-falante percebe e se enquadra e sempre defendi isso.

Então de todos os personagens que descreves no teu livro, qual é o teu preferido?
JA: Para teres uma ideia, tenho um etarra que vai para a ilha, é um exilado, há um velho faroleiro, o etarra vai viver com o faroleiro, tenho um miúdo em fuga de um bando de traficantes, tenho uma biológa portuguesa que vai para Cabo-Verde estudar as tartarugas marinhas e apaixona-se por um homem mais velho e consegue que o etarra a ajude a salvar as tartarugas e este por sua vez aplica na defesa ambiental, o seu ideal de luta pela independência do país basco. Eu creio que é o faroleiro, porque ele faz a ponte entre estas personagens, porque vê a aproximação do etarra e da biológa, todos acabam por confluir até o farol. Ele que vive naquele local há mais de 60 anos e nota a mudança e o desenvolvimento da ilha, os hóteis que chegam em grande quantidade, os aviões que despejam turistas e ele é esse contador da história e ao mesmo tempo esta ligado também ao passado, a criança representa o futuro.

Estas neste momento a escrever um novo livro sobre como o cabo-verdiano é visto ao longo do vários séculos e no mundo, em particular, abordas a raça. O que te levou a escrever esta nova história? Porque é completamente diferente.
JA: O que me leva a escrever desta maneira é porque o romance não chega, porque há muitos episódios que estão registados jornais, que não lhes foi dado o valor que mereciam e o que eu quero é fazer uma espécie de puzzle.

Mas, estas a fazer uma grande pesquisa, porque falas em Melville, foste buscar notícias.
JA: Tenho quatro anos a investigar e posso dizer que isto se cola com a minha vida. Eu chego aos cinquenta anos, dos quais quarenta em Portugal  a ouvir histórias e tudo o que conto é a realidade com muita pouca ficção o que leva algum tempo a sintetizar, no contexto da minha voz e a linha que vai cosendo todas estas peças. Eu já tinha ouvido falar dessa história de Melville e que um personagem não era português, mas um cabo-verdiano já que a ilha do Fogo não é portuguesa. Na altura como Cabo-Verde pertencia ao império português foram confundidos com os portugueses, na primeira metade do século XIX e depois começo a comparar todas estas ligações. Mais, os meus tios Simão e Salomão de facto foram barrados num clube na Florida, nos anos 60, na altura das lutas de direitos civis americanos. Então esse problema da raça não começa no século XX, mas essa história já começa anteriormente e ainda a história de um caníbal que li e é verdadeira.

Estas a fazer então uma recolha de todas as referências sobre cabo-verde no mundo e do racismo. Existem vários pólos, notícias, literatura e histórias verídicas.
JA: É um patchwork em que o importante não é dizer se é invenção minha ou verdade, eu vou colocar, apresentar ao leitor uma escrita de forma escorreita, directa e que não esteja preocupada em saber onde esta a ficção do Joaquim Arena e a investigação factíca, não. Haverá muitos pontos de ligação com a minha família, tenho primos nos EUA, no Brasil, na Holanda, serve para mostrar a nossa realidade cabo-verdiana, a nossa diáspora espalhada em vários países, continentes e épocas. Como é que se escreve sobre isso? Um romance aqui não chega, quero algo mais abrangente, não em termos de páginas, não vai ser algo enorme, mas sim, em termos de assunto que vai saltando, falei do cabo-verdianos relatados pelo Melville no Mobi Dick, que salta para os anos 80 em Portugal sobre um caníbal que aterrorizou uma cidade.

Mas, curiosamente tudo isto soa-me mais a um ensaio.
JA: Exactamente. É uma mistura, é auto-biográfico, ensaio, história e viagem também. É um modelo que já alguns escritores adoptaram, porque muitas vezes é muito difícil escrever sobre um tema de forma tradicional, então ao casar todos estes géneros, conseguimos que a nossa prosa atravesse e siga caminhos e que traga ao leitor uma visão global e esse o meu propósito. Fui buscar o enigma da mestiçagem que é como nós os cabo-verdianos sempre tivemos um comportamento dúbio em relação a raça e a cor da pele e como é que se luta com isso?

Podes adiantar o título?
JA: Isso não te vou dizer.

Mas, pretendes publicá-lo quando?
JA: Eu pretendo acaba-lo até final do ano, posso dizer que esta escrito e palavra fim já chegou, mas lendo há paragráfos que podem crescer um pouco mais, ou cortar o que esta em excesso em outros, até chegar a um ponto em que temos uma leitura global que se mantém por si só, que os capítulos estão equilibrados, estão encorpados e em que não temos secções demasiados fortes e outros mais fracos. É uma questão de leitura e intuição do próprio autor, por isso não tenho pressa, nem limite, não tenho um deadline, ninguém ao ver consegue escrever bem assim, porque houve aspectos que só consegui arranjar uma ligação muito mais tarde e tenho de chegar ao ponto que tenho de parar, se não acontece como a um artista plástico que pinta um quadro e nunca o dá por terminado, esta sempre a dar mais uma pincelada. Eu vou chegar ao ponto em que faço uma leitura e digo, ok, esta tudo bem e não vou ler mais, senão estou sempre com a ideia de fazer mais qualquer coisa e nunca mais acabo.

2 Comentários

  • Ligação de comentário teamseoblasteo 2 terça, 15 setembro 2015 02:12 postado por teamseoblasteo 2

    This is a topic that's near to my heart... Take care!
    Exactly where are your contact details though?

  • Ligação de comentário google plus account login domingo, 26 julho 2015 03:41 postado por google plus account login

    Please let me know if you're looking for a
    article writer for your site. You have some really good posts and I feel
    I would be a good asset. If you ever want to take some of the load off, I'd love to write some content for your blog in exchange for a link back to mine.
    Please shoot me an email if interested. Thanks!

Deixe um comentário

Certifique-se que coloca as informações (*) requerido onde indicado. Código HTML não é permitido.

FaLang translation system by Faboba

Eventos