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A sereia sortuda

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Capicua é o nome artístico Ana Matos Fernandes, uma rapper portuguesa, que procura através das palavras expressar as emoções de dentro para fora, através de palavras bem ritmadas, que expressam o seu universo feminino e real, de sombra e de luz, mas sobretudo, é um grito de emancipação de uma “sereia louca”.

"Sereia louca" é um trocadilho? Porque se trata de uma sereia maluca por sapatos, mas pode ler-se serei-a-louca.
Capicua: Sim, acaba por ser um jogo de palavras, porque a mim interessa-me muito essa questão do significado também tem a ver com o achar que o acto da criativo é uma loucura, porque usámos algo que é tão pessoal e dámos isso às pessoas, mostrámos à crítica, é necessário coragem e um certo tipo de loucura, porque é pegar na nossa intimidade e expô-la, ou pegar em algo que gostámos e dá-lo as pessoas de peito aberto e acho que tem muito a ver com isso, uma certa dose de loucura que nos faz mais corajosos.

Este trabalho discográfico é extremamente feminino, falas do teu universo, de tudo o que te rodeia, sempre com esse olhar muito próprio, foi de propósito quando começaste a escrever as letras deste disco?
C: Sim, a partir do momento em que comecei a escrever o sentimento, a emoção, o feeling em volta do “sereia louca” percebi que ia ser um disco muito feminino, emocional, um pouco mais misterioso e melancólico que o anterior, um pouco lilás. Ao sentir que era o meu ponto de partida, quis também fazê-lo de uma forma sedutora, que não retrata-se as mulheres de uma forma redutora mesmo, nem simplista, quis falar da mulher na sua diversidade, na sua realidade. Achei que a sereia tem tudo a ver com essa ideia, mitologicamente é um ser sedutor, o seu canto faz perder a cabeça dos marinheiros, há algo de diabólico ao mesmo tempo e esse lado de sombra e encanto era algo que me interessava transpôr para o universo feminino, é essa dupla faceta das mulheres que acho que falta falar, porque a música pop mitifica-nos de certa forma, no sentido em que as apresenta como seres agradáveis ou hiperssexualizados e as mulheres são muito mais que isso, são diversas, reais e nem sem sempre são perfeitas, estão tristes e isso é que vale a pena afirmar, esse lado de luz e de sombra cumpre impôr-se, o disco foi por aí, por isso foi consciente.

Subjacente nesse álbum esta o facto de seres a única rapper feminina, num universo quase todo ele masculino.
C: Eu não sou a única. O que acontece é que tenho mais visibilidade, mas há outras mulheres a fazer rap em Portugal, dentro do esprecto dos rappers as mulheres estão em minoria, não só no rap, mas também em outros países. O que eu acho importante, não é destacar-me como excepção, porque não acho que seja justo, no sentido em que não quero ser apresentada como tal, eu integro-me no conjunto de rappers, femininas e masculinos e não acho que o genéro seja determinante para definir o estilo musical, influência a nossa forma de estar no mundo e a nossa perspectiva, mas a música é muito mais que isso. Essa questão no hip-hop é também muito falada, mas nos outros estilos de música acontece o mesmo, no rock, no punk e no reggae, nem no desporto de competição, nem na política, não por coincidência, mas por uma questão cultural. Vivemos numa sociedade patriarcal que não estimula as mulheres a conquistarem o espaço público, para serem competitivas, para ascender a cargos de liderança, subir a um palco e dar a sua opinião e dizer da sua justiça. Todas essas características não estimuladas vão fazer com que continue a haver poucas mulheres em todas estas áreas.

É curioso que digas isso, porque a reacção do público feminino aos teus concertos é esfuziante. O teu público é maioritariamente feminino?
C: Não acredito nisso.

Este álbum fala das mulheres e isso gera alguma identificação por parte delas.
C: Sim, é verdade, mas não acho que o meu público seja maioritariamente femenino, até porque no meu facebook, vale o que vale, a maioria são homens. Os que consomem rap a maioria é do sexo masculino, ou que estão mais informados são eles, mas acho que no meu caso é 50-50, as mulheres é que demonstram mais, por essa identificação, sentem mais e expressam-se mais esse entusiasmo.

E o que eles te dizem sobre o teu trabalho?
C: Não é muito diferente do que as mulheres dizem. Na maoria dos casos ficam surpreendidos, dizem-me que gostam mais do concerto do que do disco, ou que nunca tinham ido a um concerto de rap e gostaram muito, ou que não estavam à espera e gostam do letra. É o mesmo tipo de comentários e o que acho que difere entre homens e mulheres é uma questão de entusiasmo, elas vem mais, pedem autógrafos, beijinhos.

Eles são mais inibidos?
C: São mais durões, não querem se mostrar fãs, mas isso é uma questão cultural.

Consideraste uma poetisa? Quando oiço as tuas músicas, pensando nas letras, parecem poemas.
C: Sim, acho que faço poesia. Eu definiria de duas formas, poeta é o que procura a música nas palavras e eu sou obcecada por isso e ainda, os poetas dizem o que os outros sentem e observam de uma forma mais bonita, eu gosto muito de escrever e se não o fizesse bem deixa-me trancada em casa. Claro, que tenho muito para aprender e não estou dizer que estou pronta e que sou a melhor da minha rua, mas aquilo que faço vou fazendo bem e vou evoluíndo todos os dias, mas espero que as pessoas achem que o que faço é poesia e música, mas uma não esta acima da outra.

Eu sei que o teu primeiro disco foi um parto difícil porque ainda não tinhas interiorizado a forma de fazer a tua própria música, “sereia louca” teve este salto, mas o que notaste para além disso?
C: Essa questão de ter um método de trabalho, que já o testei, fiz uma mix tape entre o primeiro e segundo álbum que também ajudou a olear a engrenagem e actualmente tenho um processo criativo muito definido e já chego mais depressa onde quero, é maturidade técnica. Depois sou uma mulher mais madura, no sentido em que já vivi mais coisas, há quem diga que as cantoras e actrizes ficam melhores com a idade e interpretam melhor porque tem uma palete de emoções, mais vasta e isso se calhar ainda me falta, como diz a música, “para ser mulher madura ainda me faltam aventuras” e saber dizer que não, acho que não estou pronta, mas o tempo ajuda e torna a música mais rica.

http://www.capicua.pt/capicua

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