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O memorialista crioulo

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Dany Silva é um dos nomes incontornáveis da música cabo-verdiana em Portugal. O seu nome ficará para sempre associado à promoção de ritmos crioulos e da divulgação das mornas e coladeiras no nosso país, mas foi o tema “branco velho, tinto e jeropiga” que o tornou um artista imortal na memória dos portugueses.

Em 2012 gravou o álbum “amor em adjectivo”.
Dany Silva: Eu não gravei, participei nesse álbum, estou eu, o Vitorino e um cantor cubano. Neste trabalho participo com 3 ou 4 temas, a ideia era um criar um triângulo do Atlântico, Portugal, Cabo Verde e Cuba.

Dessa experiência que retirou? De certeza que houve uma troca de impressões sobre a música dos vossos respectivos países?
DS: O que acontece no caso do Vitorino é que ele faz música popular portuguesa, alentajana e não houve grande dificuldade, porque o conheço há vários anos e até conheço o irmão, o Janita Salomé. Em relação ao músico cubano, nos ouvimos muito este tipo de sonoridades em Cabo Verde, é uma música com ritmo e dançante e o cabo-verdiano, por natureza, gosta de festa. Neste disco deram-me 4 poemas para musicar e fizemos um espectáculo em Guimarães onde chegámos à conclusão, nos ensaios, que estávamos a seguir caminhos parecidos. Depois neste mundo global onde estámos a viver e ouvimos música de todo o lado, sobretudo, aquelas que gostámos, os poemas levaram-nos para esses lados, mas foi engraçado. Esse concerto foi gravado ao vivo e depois então editado em CD e foi um trabalho interessante, porque me deu muito prazer fazer.

O Danny Silva gosta muito de parcerias musicais. Porquê, buscar esse seu repertório detrás, que é extenso?
DS: Faço sobretudo quando são intérpretes que me agradam e as músicas também.
Na minha carreira tenho feito muitos duetos, não só em trabalhos meus, como eu prórprio apareci em discos dos outros. Normalmente, é uma forma de ganhar experiência e uma maneira diferente de mostrar um tema, eu componho uma canção e dá-me “gozo” ouvir outra pessoa a cantá-la. Eu escolho as pessoas, vejo como cantam e sentem a música, dá-me imenso prazer fazer esse tipo de experiências. Por norma, esses duetos tem saído com muita qualidade e não me lembro de nenhuma excepção.

Com mais de 40 anos de carreira, qual é ao se ver o seu trabalho discográfico que melhor o definia como músico?
DS: É difícil, porque todos os trabalhos, principalmente os que estão gravados, ou editados, tem a ver comigo. Há deles que marcaram a minha carreira, o primeiro disco que gravei em português, era um single, tive logo sorte, foi um sucesso enorme, que é “branco velho, tinto e jeropiga”. Foi um sucesso de vendas, mas não falo apenas disso, as pessoas vinham falar comigo, desde as mais novas, as mais velhas. Nestes quarenta anos, em todos os espectáculos que fiz, deixava esse tema para fim para ver se as pessoas o esqueciam, porque o toquei centenas de vezes, mas as pessoas pediam-mo sempre e não era só em Portugal, em Angola e Moçambique e fui convidado a tocar em França e outros países por conta desse tema. Nesse mesmo EP eu tinha uma tema muito ligado aos blues, era cantado em inglês, teve uma boa aceitação nesse meio, mas que não chega aos calcanhares de “branco velho, tinto e jeropiga” o que me proporcionou e me marcou imenso. Esse tema apareceu porque quando fiz o contacto com a editora, a Valetim de Carvalho que era mais poderosa da época em Portugal, foi na altura da explosão da música rock portuguesa, do Rui Veloso, dos GNR e dos Já fumega, eu estava preparado para fazer música cabo-verdiana, da minha terra, que na altura estava pouco divulgada e fazia parte do contrato cantar em português, porque era a onda. A partir daí nasceu a canção e só para acrescentar que mais tarde houve outro disco que me marcou, convenci a editora a gravar temas de raíz cabo-verdiana e cantadas em crioulo, foi o meu primeiro LP, chamado “Lua vagabunda” e onde esta incluída uma morna muito antiga, da ilha da Boavista, “a lua nhá testemunha” e esse tema deu-me um prazer enorme e quando as pessoas não cabo-verdianas começaram a ouvir, começaram a cantar e aceitá-la também. Como também a “crioula de São Bento” que é um tema mais africano, que tem um tom brejeiro, na altura essa zona de Lisboa chamavámos de zona libertada por causa dos restaurantes e tascas cabo-verdianas e é um tema que também faz parte deste meu percurso.

Existe algum projecto musical em mente, ou que não terminou e gostaria de gravar?
DS: Há muita coisa por fazer ainda, eu tenho 68 anos, mas ainda posso fazer muito mais, desde que tenha saúde. Eu tenho um projecto que comecei em 2007, são temas que não compus, que não gravei, mas são músicas que eu adoro, são de outras pessoas, são duetos, comecei a gravá-los e como não tinha uma editora a apoiar-me, realizei uma produção própria, com custos económicos que suportei eu próprio e com o apoio dos músicos que participaram. O material musical uns a gravaram por amor e carinho, ou paguei um terço do que deveria pagar de direitos de autor e este disco acabei de completá-lo há dois anos, depois disso, como não consigo ter por detrás uma máquina de marketing esta na gaveta. Já contactei várias editoras, mas não chegámos a acordo, não por questões económicas, eu quero que o álbum seja bem tratado ao nível da produção e quanto mais não seja, por respeito as pessoas que participaram nesse trabalho, a maior parte tem uma carreira feita em Portugal com muito sacrifício e não queria que esse disco aparecesse maltratado, desde uma capa condigna, a uma produção a condizer e uma distribuição aceitável, no país todo e a lusofónia, mas ainda não consegui uma editora que aceitasse estes termos e por isso tenho-o na gaveta, vou ouvindo-o de vez em quando, à espera que surja uma oportunidade, ou um patrocinador.

Tem um título esse trabalho discográfico?
DS: Não tem, mas podia chamá-lo de canções da minha vida em torno disso, porque eu quero que as pessoas percebam que são os temas de que mais gosto e que tenho “raiva” de não ter sido eu a compo-los, porque são lindos.

Actualmente as pessoas valorizam mais a música cabo-verdiana precisamente pelo trabalho desenvolvido pelo Dany, pelo Tito Paris, a Cesária Évora e outros nomes.
DS: Antes de mim, o Tito Paris começou a gravar porque tinha uma editora própria e passou pelo Senegal antes de chegar a Paris, mas houve outras pessoas antes dele que passaram despercebidas, porque havia um gueto dígamos assim. Àquela zona de São Bento era frequentada por quem esteve em Cabo-Verde, ou quem tivesse vindo de Angola também para ouvir música, mas as editoras não se interessavam muito. Por isso, é que o Bana abriu um bar, no largo do Rato, frequentado por africanos em geral e com o dinheiro que ia ganhando ia fazendo os seus discos, com uma editora dele que fazia a distribuição caseira, por intermédio de amigos, através de caixotes que eram levados até França para vender na colónia de emigrantes cabo-verdianos, depois ia fazendo segundas edições, mas ele gravou muito mais trabalhos em crioulo e lá esta ele não teve a divulgação que merecia.

Mas, quando se fala de música cabo-verdiana em Portugal o seu nome é sempre lembrado.
DS: Sim, é verdade. Quando eu gravei o single com dois temas, eu não podia fazer um concerto com duas canções, então o que fazia? Cantava música cabo-verdiana primeiro e depois pelo meio cantava um dos temas, mais coladeiras e mornas e depois a face b. Aproveitando o êxito de “branco velho, tinto e Jeropiga” eu ia divulgando a música de Cabo-Verde. Foi isso que marcou muito as pessoas ao fazerem críticas aos meus concertos, isso acabou por associar o meu nome a dos divulgadores da música cabo-verdiana. A música de Angola ouvia-se pouco, só se ouvia falar do duo “ouro negro”, era basicamente isso, depois mais tarde, após o 25 de Abril aparece um grande poeta e compositor angolano o Rui Midas, que gravou, mas como estava ligado ao MPLA foi encaminhado para o governo e muito raramente cantava. Nos últimos 10 anos a música angolana aparece com mais força graças ao Kuduro e o Kizomba, eu penso que isto aparece por detrás da grande divulgação que a música cabo-verdiana teve, em particular com a Cesária Évora. Depois há um outro fenónemo muito importante para a música de Angola e Cabo-Verde que foi o aparecimento do Zouk, a música das Antilhas que cantavam em crioulo.

As novas gerações ainda reconhecem esse legado.
DS: Em Cabo-verde a juventude é muito virada para as raízes. Gostam dos ritmos estrangeiros como o reggae e hip-hop, mas compõem em crioulo, não dispensam a sua morna genuína, ou a sua coladeira.

Então a música cabo-verdiana esta de boa saúde e recomenda-se.
DS: Esta de boa saúde e recomenda-se cada vez mais e com muito boa gente a cantar.

E os músicos portugueses são sensíveis a este tipo de sonoridade africana?
DS: O Vitorino, há uns anos, fez um novo álbum e gravou com a Joana Rosa. Até fizemos uma tradução em crioulo, eu fiz um dueto com o Tito Paris e a geração que aprecia música tradicional portuguesa, como o fado, começaram também a interessar-se pela sonoridade cabo-verdiana.

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