Um pequeno períplo pelo centro da Holanda.
As "desvantagens” dígamos assim de viver numa ilha com uma orográfia acentuada, com vales profundos e montanhas de elevada altitude é que a noção de infinito desaparece, temos sempre o campo de visão ocupado com uma paisagem acidentada e densa de uma grande beleza paisagística e embora haja o oceano onde se pode perder o olhar, quando voltámos ao continente, notámos, bem pelo menos no meu caso, quanto sentimos falta de uma paisagem que se prolonga até perder de vista, é a perspectiva de uma viagem sem limites, do caminhar sempre em frente sem obstáculos, sem as curvas e contra-curvas. Trata-se de um sentimento de infinita liberdade que se descobre em particular quando se visita o que é porventura o país mais plano da Europa, a Holanda. Já falei aqui deste país europeu, mas recentemente visitei uma zona que ainda desconhecia, Ultrecht e as suas cidades limitrófes e devo dizer que foi uma verdadeira aventura e redescoberta de algumas idiossincracias dos holandeses. Uma das características que mais sobressai neste povo é a sua necessidade de simétria, é verdade, deve advir do facto de terem construído literalmente um país de raíz, ao conquistar terra ao mar, é algo mais forte do que eles, os holandeses são obcecados por adaptar, ordenar e adequar a natureza consoante as suas necessidades espaciais.
Ao visitar a cidade de Zeist, uma área onde a família real holandesa tem por hábito passar as suas férias verão, o que mais sobressai nesta paisagem são os palacetes e grandes vivendas de luxo e aqui a harmonia da paisagem é essencial, os terrenos estão devidamente limitados por árvores de igual número e da mesma espécie, existem plantas que são “encorajadas”, através de podas e arames desde a sua fase mais juvenil, para que os ramos cresçam para os lados de forma a não ocuparem muito espaço nos jardins e não terem ramagem demasiado frondosa e isto sem falar das manipulações botânicas que dão fama a este povo amante de flores. Cheguei mesmo a estar no Lage Vuurscher, onde fica localizado um dos palácio reais que é utilizado com frequência pela família real para as suas férias estivais. Não podemos visitar a propriedade propriamente dita, mas pode-se passear pelos inúmeros trilhos em seu redor, o extenso terreno esta rodeado por uma rede electrificada e possui câmaras de segurança em todos os cantos que fazem o reconhecimento facial dos caminhantes, ou ciclistas e não pense que é treta de filme de espionagem, um criminoso foragido da lei decidiu passear por estas redondezas convencido que estava em segurança e que ninguém o ia reconhecer, pois bem, foi rapidamente preso graças às imagens captadas pelas câmaras. Por isso se é um bandido, um conselho, não arrisque!
Esta localidade é também famosa por um outro motivo, pelas suas panquecas gigantes com todo o tipo de recheios quer doces, ou salgados, é um must a não perder. Porta sim, porta sim é uma casa de panquecas basta entrar numa, não precisa de escolher muito, o menu é idêntico em todos, assim como o sabor e qualidade. Aliás, esta especialidade culinária é uma outra obsessão nacional e prova disso é que todos os estabelecimentos comerciais presentes na única pequena rua principal desta vila estavam cheios. Eu, lamentavelmente não cheguei a deliciar-me até o fim, era demasiada comida, o equivalente a uma refeição bem recheada e só para terem uma ideia o recorde nacional pertence a um homem que conseguiu comer quatro destas panquecas.
Um outro local a visitar e um dos pontos “mais altos” de Utrecht, na vila holandesa de Woudenberg, é onde se encontra a única pirâmide da Europa. Trata-se de um monte de terra com 36 metros de altura que foi construído em 1804, em apenas 27 dias, pelos soldados do general Marmont como homenagem à Napoleão Bonaparte e para ocupar o tempo dos seus soldados entediados, tendo como inspiração as pirâmides de Gizé que o militar tinha visitado durante as campanhas napoleónicas no Egipto.
O general francês chegou a apelida-las de “Mont Marmont”, mas em 1806, apesar dos seus protestos, Luís Napoleão, o novo rei da Holanda, renomeou-a para pirâmide de Austerlitz, em memória da batalha com o mesmo nome em que os franceses derrotaram decisivamente os russos e os austríacos. Apenas no século XX esta edificação foi recuperada, porque esteve ao abandono durante muitos anos, tornando-se de imediato uma atracção turística. Uma pessoa pode subir até o topo, onde esta localizado o obelisco e deparamó-nos com uma paisagem de 360 graus que é simplesmente soberba, vê-se tudo com uma nitidez impressionante e isso foi um bálsamo para olhos ansiosos por espaços florestais sem obstáculos e mais uma vez aqui, somos confrontados com a necessidade de ordem na paisagem holandesa, tudo devidamente definido, limpo e organizado, no fundo o único que me deixou intrigada foi o porquê de manter uma espécie de monumento erigido por um povo invasor e depois reflecti que embora se trate de algo erigido por um povo invasor, é geométrico, único e possui altitude algo que escasseia no país das planícies sem fim.