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Oásis de golfinhos e baleias

Escrito por  yvette vieira fts Ana Dinis e Cláudia Ribeiro

 

O programa cetaceosmadeira II (CMII), que decorreu entre junho de 2009 e junho de 2013 e foi financiado pelo programa Life+ da União Europeia, teve como área de estudo à zona económica exclusiva (ZEE) do arquipélago da Madeira e assinalou três objectivos muitos importantes para a conservação das espécies que residem na ilha.

Ao longo de 12 anos o Museu da Baleia da Madeira (MBM) realizou vários projectos para dar a conhecer as várias espécies de cetáceos que frequentam as águas do arquipélago, o CMII foi o último desses estudos, que envolveu uma grande equipa, entre biólogos, tripulações, gestores, técnicos e uma professora. Devido à extensão da ZEE foram utilizados meios aéreos, naúticos e terrestres. Segundo o director do MBM, Luís Freitas, "Os cetáceos madeira II tinha três objectivos principais, o primeiro, compreender até que ponto as águas das Madeira eram importantes para uma espécie em particular, o golfinho-roaz, que faz parte do anexo 2 da directiva habitat. E o resultado do projecto faz sentido, porque estas águas são muito importantes no contexto europeu e Atlântico para essa espécie. Inclusive existe um número de animais que se podem dizer que são residentes, ou associados às ilhas, porque passam aqui a maior parte do tempo.

Ao longo de quatro anos foram obtidas 60 mil fotos dorsais que foram processadas e foram efectuadas 160 biópsias em quatro espécies. Ao todo 500 roazes utilizam as águas costeiras da ilha, mas apenas 25% são residentes, num total de 125 indivíduos que foram assinalados, através de foto-indicação, "tíramos fotografias das barbatanas dorsais e cada barbatana é diferente de animal para animal. E comparando-as conseguimos perceber e identificá-los e perceber quantos é que existem. Colocou-se também a hipótese de estabelecer relações entre os grupos e saber se são reavistados com regularidade numa mesma área ou não. E, no caso dos roazes temos um grupo de animais que passa cá e é avistado uma vez, que classificámos de transeuntes, uma ou duas vezes quanto muito e estão cá curtos períodos de tempo e vêm migrando de outras paragens, como sejam, os Açores e outras zonas do cordão Atlântico. Depois existe esse grupo de animais residentes que são avistados com regularidade, usando a nossa metodologia, o que é demonstra que tem uma presença constante, ou pelo menos frequente nas nossas águas".

Outro dos objectivos do estudo foi estabelecer as áreas de importância para os golfinhos-roazes e restantes espécies de cetáceos, através dos censos naúticos sistemáticos e aleatórios, nesse âmbito o biólogo refere que, "Chegámos a conclusão, através não da foto-identificação, mas sim dos censos que fizemos ao longo destes últimos 10 anos que a área mais usada é a ponta de São Lourenço, no Caniçal. A baía de Sudeste e Nordeste, isto é, em torno da ponta de São lourenço e as Desertas e em Machico, entre a baía e as Desertas. E por essa razão, propomos à criação de um sítio de interesse comunitário (SIC) que irá permitir um acompanhamento e monitorização dessas populações e caso seja necessário tomar medidas para diminuição dos impactos das actividades humanas, viabilizar e continuar a manté-las saudáveis. A proposta do SIC é mais alargada, porque a realidade é que estes animais são muito móveis e embora, foram avistados nestes pontos, isso não quer dizer que daqui a 10 anos não se desloquem e não se movimentem sobretudo noutras áreas, por exemplo, se o peixe se movimentar. Por isso, a nossa proposta é mais alargada, no sentido de abranger todas as águas costeiras da Madeira precisamente para que não se tenham incogruências, ou seja, daqui a 10 anos, ter um SIC com uma área muito restricta e os animais estarem fora dessa zona. Por isso, abrange a conta até a batimétrica dos 2,500 metros, com uma área total de 5,560km2. Esta é proposta que foi apresentada ao Governo Regional e vamos ver do que daí saíra".

Ao longo de 16 anos de trabalho foram catalogados em 1996 14 espécies de cetáceos e em 2012 passaram a ser 28. Os dados, refere o responsável pelo MBM, "em 1996 saíram numa publicação científica onde identificavam para à Madeira registadas 14 espécies é verdade que o esforço do mar e investigação na altura era muito pouca, ou escassa, e por isso muitos indivíduos não foram registados, entretanto, isso mudou. O Museu da Baleia, encetou um projecto de pesquisa ao longo destes vinte anos e foi possível ir acrescentando a lista de espécies bastante mais, passámos para 28, algumas que eventualmente nos últimos anos poderão ter começado a usar as nossas águas, como espécies mais trópicais e outras que não tinham sido observadas até então, porque são raras e tem comportamentos muito esquivos, como é o caso do cachalote pigmeu e de alguma baleia-de-bico, que pode já ter utilizado as nossas águas, mas que é difícil de detectar".

Nas espécies residentes temos a boca-de-panela e o golfinho roaz. Depois temos muitas espécies sazonais, o golfinho comum, malhado, as baleias-de-bride e outras que passam por cá em época de migração, como as baleias de barbas. Os cachalotes que são uma presença regular ao longo do ano, embora não sendo residentes passam cá com frequência e depois há outras, que apesar de não serem residentes, porque não temos a certeza, mas suspeitámos que sejam, que são as baleias-de-bico. É uma espécie observada ao longo do ano, apesar de serem mais avistadas no verão, porque nessa altura o mar esta mais calmo e conseguimos vê-las melhor, mas tem um comportamento muito esquivo, muito pouco notório, não tem grandes sopros, nem saltos, são muito discretos e quando o mar esta mais alterado é impossível. Mas, não é confirmado, depois há outras espécies que aparecem cá durante o verão, ou esporadicamente e podemos considerar que são menos abundante e podemos classificar que são ocasionais, raros.

O SIC não se trata tanto de uma área de protecção, é uma zona em que essas espécies são monitorizadas e depois são tomadas medidas, caso seja necessário. O objectivo é fazer um acompanhamento científico desses áreas e podemos afirmar que não existe um grande impacto sobre estas populações e caso comece a haver ou não, tomámos medidas. No caso da Madeira, a situação foi inversa. Antes da criação do SIC, foram criadas situações que foram geridas atempadamente, como foi o caso do whale-watching, a observação de cetáceos e já saiu legislação que permite o devido enquadramento da actividade.

 

 

 

O terceiro ponto do CMII foi precisamente estudar a problemática entre a actividade de observação de cetáceos e a respectiva capacidade de carga, que contempla a definição de áreas de operação, nesse ponto refere, "a legislação tem várias componentes que é um código de conduta, que já existia, era seguido pela maioria das empresas. Era uma espécie de guia voluntário do Museu da Baleia que foi lançado em 2004, que cria um conjunto de regras para minimizar o impacto destas embarcações junto das populações de cetáceos, mas a verdade é que como é que tem um peso menor do que a legislação, que acarreta um conjunto de penalizações. Eu diria que é muito cedo para avaliar o impacto da conversão do código de conduta para legislação, porque saiu a menos de 1 ano e não houve acompanhamento e monitorização no campo, isto tem de ser feito, isso gostaríamos de fazer, mas neste momento não há fundos, aguardámos para esse efeito. Em relação ao código de conduta, ele já era bem cumprido no geral pelas empresas, havia sempre umas excepções, mas elas portaram-se bem. A grande novidade que se estabelece é um limite para o número de embarcações a operar, que estavam a aumentar substancialmente e o resultado seria que se houvesse um maior número de empresas a operar para o mesmo número de animais, a pressão seria maior. E mesmo seguindo o código de conduta só veríamos barcos em todo o lado e então, através de uma portaria pretende-se limitar a actividade em termos de embarcações. Não define áreas claras, mas um conjunto de portos, como seja, Câmara de Lobos, Funchal, Santa Cruz e Machico, como sendo um lote e há um número máximo de barcos que podem sair deste portos e como tem de ficar na mesma área acaba-se por definir sem limitar demasiado as áreas de operação. Depois existe outra que é para a zona Sudoeste, Nordeste da Madeira e Porto Santo.

Outro aspecto importantíssimo é ter sido criada uma zona de exclusão à Norte da Madeira e que inclui a baía à sul da ponta de São Lourenço, a leste da Quinta do Lorde que vai até perto da Desertas e é muito importante, porque é que aqui que algumas espécies tem as suas crias e áreas de descanso e sociabilização importantes, que foram identificados pelos estudos que fomos fazendo ao longo dos anos. E estamos a falar em duas espécies em particular, a baleia piloto tropical e o golfinho roaz. São as duas espécies principais que suportam a actividade de Whale-watching, se estes grupos não tiverem estas áreas onde não sofrem a pressão das embarcações, para desenvolverem áreas críticas, como sejam alimentação, descanso e tudo mais, aí a pressão aumentaria muito mais e ao criar estas zonas de exclusão estamos a reduzir esse impacto. Garantindo, acreditámos nós, uma sustentabilidade da actividade a médio e longo prazo, por isso, a definição de áreas de operação, número de embarcações e uma zona de exclusão foram medidas de realçar e se converteram em portaria em pouco tempo".

Quanto ao impacto das artes de pesca nestas espécies, no caso do arquipélago não será necessário requisitar a restrição da pesca em determinadas epócas, "felizmente a pesca na região é bastante selectivas, isso também, é um dos resultados do nosso projecto científico, em que chegámos a conclusão em relação os nossos atuneiros, que as capturas acidentais do cetáceos é mínima ou inexistente, em dois anos de embarques não obtivemos dados de captura acidental. E apenas em 3% dos eventos de pesca é que houve interacção com os cetáceos que tenham causado problemas aos pescadores. Por isso, a relação entre estes animais e os pecadores é benigna e em parte graças ao facto das artes de pesca serem restrictivas e selectivas e também por causa do comportamento dos pescadores que tem vindo a melhorar substancialmente nos últimos anos, hoje em dia, eles tem outra sensibilidade".

 

Outra das conclusões deste estudo foi uma grande quantidade de lixo localizado ao longo de toda a ZEE da Madeira, foram 31 agregações que foram registados à superfície no alto mar, sendo que 65% do lixo encontrado é plástico. O impacto nas várias espécies de cetáceos, é de acordo com o responsável, "complicado de quantificar, porquê? Porque os animais podem morrer e nunca virem ter as nossas mãos. Agora, temos tidos sistematicamente e com bastante regularidade exemplos de animais observados no mar, ou que vão dar à terra mortos, que pereceram, devido aos lixos, sobretudo plásticos. Tivemos exemplos, em 1996 de um golfinho, no Porto Moniz, que morreu de fome porque tinha o estomago cheio de plásticos, não podia comer alimentos. Tinha a boca e o esofâgo cheio de peixe, mas não os conseguia digerir por causa do plástico. Houve interacções com uma cria de cachalote com sacos de plástico, observado na Desertas, encontrámos tartarugas com cabos amarrados, tivemos uma baleia anã que deu à costa com estômago, também cheio de plástico. Foram avistados animais vivos com anzóis e linhas de pesca presas ao corpo e a equipa com sucesso chegou a salvar um desses animais. Ao longo dos anos há um conjunto de exemplos de animais com barbatanas feridas, ou cortadas, que ingeriram sacos de plástico pequenos, por isso, é a ponta do iceberg, mas a verdade é que quando andámos pelo nosso mar, consegue-se contabilizar o número de lixo na água, é verdade que é muito menor que outras zonas costeiras europeias, mesmo assim para uma área do Atlântico é muito lixo. Uma parte é de cá e o restante é de outras proveniências, porque não podemos esquecer que se trata de um problema global. As correntes pegam nestes lixos, muitos deles são flutuantes e são transportados pelos oceanos, aliás, existe uma ilha gigantesca de lixo no Pacífico. Tudo isto tem impactos, que sabemos que são potencialmente sérios, mas não conseguimos saber em termos dos animais mortos, porque não sabemos disso".

Indirectamente o impacto do lixo no mar poderá atingir os peixes de que estes animais se alimentam. Contudo, "não temos essa relação, porque não os estudámos, mas já vimos peixes com plásticos presos ao corpo. Sabemos que o plástico tende a se degradar e torna-se em partículas mais pequenas que podem ser digeridas por peixes, cetáceos e tartarugas. Os químicos que fazem parte desses lixos podem matar os peixes. O que fizemos foi um mapameanto de lixos à superíficie para termos uma ideia, para podermos monitorizar e acompanhar o movimento desses mesmos detritos. Neste momento, temos uma primeira referência e daqui à 5,6 anos temos de ter uma segunda referência, temos de comparar perímetros, porque se não soubermos o que num determinado momento existia para depois ir comparando, não se consegue definir essas tendências. Isto é um trabalho de médio e longo prazo".

A diminuição da poluição do mar "é uma responsabilidade partilhada por toda a gente. É difícil dizer quem contribui mais ou menos, a legislação obriga as embarcações a trazerem o seu lixo para terra colocado em contentores próprios, evitando ser jogado ao mar, quer sejam, barcos de pesca, os navios de cruzeiro, de carga e tudo mais. É verdade que é isso não é respeitado a 100% em particular nas embarcações mais pequenas. Mas, o lixo também é lançado para as ribeiras, nas ribanceiras. É verdade que tem vindo a diminuir, o plástico que é deixado na rua e vem o vento e pega é também lançado para o mar, porque vivemos numa ilha. A nossa contribuição tendencialmente vai terminar no oceano. A verdade é que temos prácticas de dezenas anos que se acumularam e para isso temos de enquadrar no contexto Atlântico, temos lixo nosso, mas também de outras partes. A verdade é que em termos globais existe uma consciência maior em termos desta temática dos lixos. A questão do plástico é de um século, porque é recente, mas é um processo acumulativo, porque leva centenas de anos a degradar-se, vai levar centenas de anos a desaparecer se continuarmos a deitar lixo para o mar. Nós, os cientistas, ainda não sabemos o seu impacto ao nível dos ecossistemas e cadeias alimentares, eu diria que não conseguimos quantificá-los verdadeiramente".

www.museudabaleia.org

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