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A super coruja

Escrito por  yvette vieira ft propriedade rui costa

Pedro Sepúlveda é biólogo na divisão da conservação da natureza, do parque natural da Madeira e um dos responsáveis pelos últimos censos da coruja das torres. Falámos sobre a sustentabilidade desta espécie e do novo atlas das aves nidificantes da ilha da Madeira que pode ser consultado na internet.

A minha primeira dúvida é se a coruja das torres da Madeira é uma espécie endémica?
Pedro Sepúlveda: É uma subespécie endémica da ilha da Madeira. Portanto, é muito próxima da ave que ocorre no continente e ilhas canárias, mas como é uma espécie que não se desloca habitualmente, é sedentária, já possui esse estatuto, ou seja, tem algumas diferenças que não são morfológicas, físicas, ou estructurais, que no fundo não se conseguem visualizar. As características divergentes que possui não são suficientes para considera-la endémica, mas esta acumular diferenças que irão permitir cataloga-la como uma espécie distinta das restantes num futuro evolutivo, que não serão em anos, mas sim milhões de anos.


Como chegaram até essas diferenças, se não são visíveis, são-no em termos genéticos?
PS: Não, digamos que são diferenças teóricas, não existem estudos genéticos. Entende-se que a coruja das torres está isolada numa ilha, neste momento pode não apresentar diferenças, mas se não se cruza com a espécie do continente vai acabar por acumula-las. Como é uma espécie que não migra, encontra-se neste processo teórico de acumular características divergentes. O que já se nota são diferenças comportamentais, a coruja das torres do continente é menos "visível" do que a da Madeira. Na ilha esta espécie vocaliza mais, é mais vista, porque não tem predadores, portanto já se nota que caminha para uma diferenciação, por isso tem o estatuto de subespécie.


Onde podemos encontrar as corujas das torres na ilha?
PS: É uma espécie que ocorre por toda a ilha da Madeira, Porto Santo, Desertas e Selvagens. Na ilha da Madeira distribui-se por todas as altitudes, mas com menos incidência nas zonas mais altas. É difícil ser observada no Paul da Serra ou no maciço central, se bem que há áreas, onde pode ser avistada, na zona circundante ao Curral das Freiras é possível ouvi-la nos picos mais elevados. Tem uma preferência por zonas mais baixas, com particular enfase por áreas agrícolas com zonas florestais como pinhais e eucaliptais. No entanto, também é vista em meios urbanos. Praticamente é visível em quase todos os habitats.


Quais são as principais fontes de alimentação da coruja das torres?
PS: A coruja das torres alimenta-se de pequenos ratos, essencialmente. Mas, também se pode alimentar de rãs, insectos e recentemente, ainda são dados não publicados, foi observada a caçar morcegos. É uma espécie que tem uma diversidade alimentar bastante grande, também pode caçar lagartixas, mas como estes répteis só aparecem mais durante o dia e as corujas actuam no crepúsculo e durante a noite será ocasionalmente que consegue captura-los.


Neste momento estão a decorrer os censos, mas houve contagens anteriores na ilha. Quais foram os objectivos e resultados desse trabalho de campo?
PS: Em termos de metodologia apresentam-se algumas dificuldades para calcular o número de indivíduos, os censos são feitos para monitorizar a população, mas não com dados de números absolutos. O objectivo dos censos é por comparação com os anteriores dizer: a espécie está a crescer ou decrescer. Por ser uma ave nocturna é difícil a sua observação e as metodologias para a estimativa absoluta, para saber o número de indivíduos presente exige um número elevado de dados, de contactos e uma precisão muito grande em termos de como esses contactos ocorrem. Como é uma espécie noctívaga a estimativa de contactos é baixa e os dados obtidos tem uma grande margem de erro. Assim sendo não usámos esse tipo de análise, utilizámos o método por comparação. Fazemos 100 pontos de observação, Depois temos que analisar caso a caso, entre os vários pontos, já que vários factores, como sejam, as condições meteorológicas, que a primeira vista poderá indicar que a população esta a decrescer, mas quando são analisados em profundidade, poderemos apurar diferenças de temperatura de um censo para outro, a época de reprodução poderá ter-se deslocado devido a essas oscilações e as condições dos actuais censos não serem as mesmas a dos anteriores. As conclusões têm que ter em conta uma série de indicadores que não são lineares. A base de comparação faz-se de um censo para o outro, mas as conclusões tem em conta estes factores. Podemos ter um menor número de indivíduos, que pode indicar um decréscimo da população, mas depois chegámos a conclusão que há indicadores que condicionaram essa descida de contactos.


Factores naturais e não induzidos pelo homem?
PS: Sim, exactamente os naturais, ou também induzidos pelo homem. Por exemplo, os contactos são pontos distribuídos pela ilha e que se repetem de 3 em 3 anos. O que se faz é repetir os pontos dos anos anteriores, mas como sabemos, a construção, os incêndios, os factores climatéricos podem alterar o ambiente que rodeia o próprio ponto de contágio, vou dar um exemplo, existe um ponto onde agora é o Fórum Madeira, há 12 anos não exista o centro comercial, antes era uma área agrícola, haviam bananeiras, e nessa altura era uma zona óptima para a nidificação e ocorrência de corujas. Nesta fase é uma área mais difícil de observar, não quer dizer que a população destas aves tenha desaparecido, pode ter-se deslocado, mas actualmente é mais difícil de observa-los. Pode até acontecer numa noite que as condições de vento influenciem os resultados, uma noite excelente nuns censos, mas no triénio seguinte a temperatura esta mais baixa e há algum vento já se torna mais difícil para o observador detectar uma ave que esteja a cantar ao longe. Há também que ter em conta outro indicador que é o observador, imagine que um dos voluntários se encontra adoentado, pode estar menos atento naquele dia. Não conseguimos eliminar a maior parte destes factores, obviamente que tentámos efectuar os censos a mesma hora, na mesma época do ano, com os mesmos factores climáticos e até com os mesmos observadores se possível. Mas, há aspectos que podem variar e não dependem da espécie. Os dados que obtemos têm de ser filtrados para chegarmos a conclusões mais seguras. Podemos afirmar que visualizámos menos indivíduos e a população desceu, mas dizer isto de esta forma crua se calhar estamos a alterar a verdade dos factos.


Depois destes censos 2013 podemos afirmar que as corujas das torres é uma espécie sustentável na ilha?
PS: Sim, claramente. É uma espécie que esta bem ambientada em todos os habitats, é uma espécie viável, ou seja, que não esta em perigo. Numa estimativa que foi feita, não baseado nestes trabalhos, mas é um artigo publicado indica que a população estará entre os 2,500 até os 10,000 mil indivíduos. É um número bastante sustentável para ilha da Madeira. É uma ave que tem distintas fontes de alimentação, que usa indiferenciadamente vários tipos de habitats, não é uma espécie que exija grande cuidado. Sofre com as alterações dos habitats já que se trata de uma ilha, ou com factores pontuais, como por exemplo, uma desratização nos terrenos agrícolas, é óbvio que isso vai afectar indiferenciadamente as aves de rapina. E a coruja também é uma ave de rapina. Não é por conta dessa alteração que a ave se irá extinguir. É uma espécie que se estende por vários habitats, nomeadamente os florestais onde não existem esses tais químicos e a coruja das torres consegue sobreviver a estes impactos que são localizados. Não se compara com as aves marinhas, a freira da Madeira, existe em pequeno número num pequeno espaço, se essa área ruir a espécie está em causa. No caso das corujas não é assim, é uma espécie que tem de ser monitorizada para saber o estado dos ecossistemas, trata-se de um predador, porque tudo o que acontece por debaixo da cadeia alimentar já se reflecte no topo. Controlando a ave, controla-se o que esta abaixo.


Então quais foram os outros objectivos dos censos de 2013?
PS: Pela primeira vez alargámos o trabalho ao restante arquipélago, as ilha do Porto Santo, Desertas e Selvagens usando a mesma metodologia, pontos de contágio ao longo desses territórios, tentando contabilizar todos os habitats presentes e efectuando uma metodologia de escuta passiva, para saber se a espécie esta presente e só depois escuta activa que é provocar a ave com a emissão de som para verificar se existe resposta e de quantos indivíduos. E relacionar isto com os habitats para tentar perceber se existe alguma mudança comportamental.


Nas desertas e nas Selvagens, as corujas tem condições de habitabilidade, tendo em conta que não são áreas com vegetação, que não tem árvores?
PS: Essa é outra das adaptações que esta ave consegue fazer. De facto, a espécie no continente nidifica essencialmente em edifícios velhos, daí o nome de coruja das torres porque construía ninhos na torre das igrejas. Aqui na Madeira ela consegue fazer ninhos nas rochas, mas não seria de esperar que estivesse presente nestas ilhas, onde não existe vegetação arbórea, mas ela está presente. Nas Desertas houve um período de desratização e da retirada dos coelhos e isso levou que a espécie desaparecesse temporariamente, nos últimos anos já foram avistados vários indivíduos regularmente e ainda foram visualizados ninhos. A espécie esta de volta e isto apesar de que no Bugio não existem nem coelhos, nem ratos. É uma espécie que se adaptou aquele ambiente e as condições existentes, o que leva a que o nível de perigo seja menor.


Mas e no caso das Selvagens?
SP: O caso das Selvagens é diferente, enquanto nas Desertas esta comprovada a nidificação e vive ali todo o ano, nestas ilhas é uma presença esporádica, podem ser indivíduos que provém das ilhas mais próximas, das Canárias que venham para caçar, mais do que nidificar, os ninhos nestas ilhas não estão confirmados, apesar dos registos. Não é uma espécie regularmente presente.


O facto curioso é que não associámos a coruja das torres essa capacidade de percorrer grandes distancias, ainda mais no mar. É um feito que associámos as aves atlânticas, que na sua grande maioria são migratórias. Ainda mais tendo em conta a pequena dimensão desta ave.
SP: De facto não é uma espécie que habitualmente percorra estas distâncias oceânicas para vir caçar. Não tem migrações muito grandes, é sedentária e não se afasta muito da sua áreas, mas chegou cá, assim como, alguns passeriformes muito pequenos e que não se espera que façam grandes migrações. O que pode acontecer? Numa altura em que os juvenis abandonam os ninhos o território já é ocupado pelos pais, então as jovens aves tem de procurar outros territórios, tem alguns indivíduos mais afoitos que vão mais longe e adaptam-se, consegue viver, reproduzir-se nessas áreas e colonizar novas zonas. É isto que acontece com estas espécies. Algumas águias também percorrem longas distâncias para caçar e depois voltam para a sua origem. Esta não é uma espécie deste género, mas por vezes, alguns indivíduos afastaram-se de determinadas zonas e colonizaram essas novas áreas. A chegada das corujas as Desertas pode ser um desses casos.


Recentemente ficou provada, através do estudo de um conjunto de fosseis que existiu uma espécie de coruja que se extinguiu julga-se no início da colonização das ilhas, há alguma semelhança entre ambas as espécies, ou são diferentes?
PS: São diferentes, apesar de serem da mesma ordem. A espécie que desapareceu é um mocho, é próximo, que tinha hábitos diferentes e o que se julga dessa espécie que foi identificada é que de facto desapareceu na época da colonização, porque tinha hábitos de nidificação e utilização do solo. Julga-se que essa espécie sofreu com os grandes incêndios e com a introdução de predadores que não existiam na altura, gatos e ratos. É a história de muitas espécies que desapareceram em ambientes insulares, a chegada de homem e a entrada destes predadores bastante agressivos levou á extinção destas aves. É o que se julga que aconteceu não só com esse mocho da ilha da Madeira, mas com outras espécies encontradas nos mesmas zonas, nas dunas da piedade da São Lourenço e no Porto Santo, que se adaptaram a viver, alimentar e nidificar no solo. A coruja das torres apesar de viver numa ilha, e que deve sofrer impactos com estes predadores, será uma espécie sustentável, porque nidifica longe do solo. Não se conhece a sua data de chegada desta ave as ilhas, não se sabe a história evolutiva desta espécie nos arquipélagos da Macaronésia, por isso não se consegue determinar se já cá estava na era da colonização e conseguiu-se adaptar, ou se apareceu mais tarde com a chegada destes pequenos roedores que são a sua base de alimentação. Ainda há muito por onde estudar.


Este trabalho não é um acto isolado, surge no âmbito do Atlas das aves nidificantes da ilha da Madeira?
PS: Sim, este atlas esta a ser desenvolvido desde 2009 pelo serviço do Parque Natural da Madeira em colaboração com a SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves) e com um grupo de investigadores associados que constituem a equipa de gestão deste projecto. O objectivo é fazer o estudo das aves que nidificam na ilha é um trabalho contínuo, que pretende fazer um trabalho específico para um novo atlas das aves, onde a escala é menor e dimensionar o trabalho de campo ao arquipélago da Madeira. Como a coruja das torres é diferente tem uma metodologia específica, foi um trabalho a parte. Os estudos de base incluídos no atlas foram concluídos em 2012 e agora estamos numa fase de tratamento dos dados e podemos apontar para outras espécies. A SPEA realizou em 2011 o censo das galinholas e poderemos ter até final deste ano um outro para os ralídeos, que são as galinhas de água e os galeirões que nidificam nas ribeiras da ilha. Isto é, se houver espaço de manobra para levar esses trabalhos para o terreno.


O objectivo do atlas é colocar a informação à disposição dos investigadores nacionais, ou de outros cientistas que pretendam visitar a ilha e da população em geral?
PS: Sim, a ideia do atlas das aves nidificantes da Madeira é disponibilizar informação que pode ser usada quer por investigadores, quer pelo cidadão comum, quer em termos do turismo. É um espaço onde podem consultar que tipo de aves existem, em que zonas e densidades e nidificam nas respectivas áreas ou não. Por norma, a escala do atlas abrange os 10x10 quilómetros quadrados, uma quadrícula de 100 quilómetros quadrados. A ideia foi fazer 2x2 Km quadrados, é uma escala pequena, onde as pessoas poderão saber o que é que existe não no concelho do Funchal, mas sim no Parque de Santa Catarina, por exemplo, quer para a coruja das torres como para outras espécies que ocorrem. Esta essa a ideia. É uma escala que nunca foi tentada. Os dados estão online, excepto os do ano de 2012, porque estão a ser tratados.

www.atlasdasaves.netmadeira.com

 

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