Contudo, o festival de orgão como referiu enche igrejas.
RVN: Sim, mas não é um fenómeno nacional acontece em todas as sociedades ocidentais e portanto não é que isto sirva de consolação, porque com os problemas dos outros podemos nós, não é um defeito dos portugueses, é estrutural. No nosso país não se tem feito o suficiente para contrariar, ou corrigir essa situação, acho que um grande investimento que é necessário fazer, mas volto a dizer deve-se apostar sobretudo, ao nível da escolaridade. As pessoas vão para escola e aprendem a ler, escrever, história, matemática e ciências, ou seja, aprendem um pouco de cada campo, mas nem todos vão ser cientistas, historiadores e matemáticos, mas ficam com algum conhecimento e quase não tem formação artística ao longo da sua formação académica, existe um universo ao qual nunca tiveram acesso. Se a família não compensa isso em casa, nem a escola não dá, não tem esse hábito nem num lado, nem noutro. É necessário reforçar as disciplinas artísticas nos currículos escolares.
Falando do 5º Festival de Orgãos da Madeira, qual é a sua importância em termos do contexto português?
RVN: É de uma importância muito grande, porque ao longo da história portuguesa, o orgão desde o século XVI tem uma papel de relevo até o século XIX, muita da música que se fazia de igreja, tinha a participação deste instrumento quer a solo, quer acompanhando cantores, quer integrado numa orquestra. E portanto, há muito repertório escrito por compositores portugueses, ou internacional que se tocava em Portugal que exige muito do orgão, há muito património musical nacional que exige muito da participação deste instrumento.
E a própria construção dos orgãos que é única.
RVN: Exactamente. E ainda hoje temos centenas de orgãos históricos em Portugal, felizmente. E que tem vindo pouco a pouco a ser restaurados, não sei se serão todos, mas tem havido um número crescente que estão a voltar a ser postos em actividade. Começa a haver mais jovens organistas, antes só havia uma meia dúzia e portanto, não havia capacidade para manter uma actividade organista importante. Agora começa as escolas um pouco por todo o país, quer conservatórios, quer escolas superiores que já ensinam orgão a um nível avançado. Estamos a criar massa crítica de organista que permite pouco a pouco a dar vida a este tipo de música. Ela só existe quando se toca, não existe nos arquivos.
Isso também se estende ao repertório que antes não se tocava.
RVN: Sim, claro. É um trabalho que esta em curso. Acho que há vinte anos era impossível haver um festival de orgão como este. Os primeiros concertos fizeram-se em Lisboa, no final dos anos 90 e eram eventos muito raros, havia poucos organistas e repertório, agora, existem muitos jovem organistas e que tocam bem, ou seja, aquela meia dúzia de músicos ensinou esta geração e estamos a assistir a uma expansão importante. Também é importante que a igreja se interesse por este tipo de música, com teor litúrgico. Como sabe a qualidade da música das igrejas é muito pobre e na realidade faria sentido recuperar esta musicalidade que foi feita especialmente para a igreja. Portanto, não faz sentido que a igreja não aproveite esta herança que também é sua, não é só do Estado é também de nós todos, a medida que vamos reconhecendo este repertório vemos que faz falta, é útil e nós faz felizes.
O dinheiro continua a ser uma lacuna.
RVN: Sim, porque sem omoletes não se faz ovos. Quando não há dinheiro é muito difícil fazer coisas, o investimento cultural é muito pequeno, sobretudo nos orçamentos públicos portugueses.
E em particular na música?
RVN: Em particular na música porque é mais cara, um grupo de teatro pode funcionar numa garagem, com meia dúzia de objectos a fazer de cenários, a musica exige, se for uma orquestra, um coro e solista que demora muitos anos a formar, há um investimento permanente, que é necessário ter. É um luxo caro, como o cinema. É necessário haver investimento, antigamente havia a aristocracia, a corte. Quando estas classes deixaram de ter dinheiro para estes luxos para si próprios, o Estado em geral substitui-se.
Mas, existe uma lei do mecenato.
RVN: Mas, para haver uma lei do mecenato é preciso que alguém queira dar e não é obrigatório. É uma possibilidade e se os portugueses não estão sensíveis para isso, de facto os empresários nacionais não tem muito essa tradição de mecenato ainda, em Inglaterra, EUA, ou na Alemanha é naturalíssimo. Mas tem de se apostar no puxar da carroça, não podemos dizer há numa lei do mecenato e façam vocês cultura agora paguem-na, o Estado nesse aspecto tem um papel fundamental.