Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

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O iluminista

Escrito por 

 

Rui Vieira Nery é um dos nomes incontornáveis da música em Portugal. Doutorado em musicologia, é investigador do Instituto de Etnomusicologia(Centro de Estudos de Música e Dança e do Centro de Estudos de Teatro), para além de exercer funções como professor associado da Universidade Nova de Lisboa, acima de tudo é um homem ligada à cultura no nosso país.

Segundo dados da UE os portugueses são dos povos da Europa que menos vão a eventos culturais. A que acha que se deve isso?
Rui Vieira Nery: Isso deve-se a vários factores, um deles é a deficiência do sistema educativo. As crianças, como parte da sua escolaridade, não são habituadas a ideia de ir aos concertos, ou ao teatro, vão ao cinema se for alguma coisa que tenha efeitos técnicos específicos e onde morra muita gente, mas não há uma iniciação do cinema de cultura e portanto naturalmente quando crescem se não tiveram o gosto de consumos culturais quando eram crianças é difícil que o adquiram mais tarde. Em segundo lugar, muitas desses eventos são caros, contudo, não podemos exagerar a questão do preço, temos o exemplo dos concertos de rock cujos bilhetes tem preços elevados e que estão a rebentar com milhares de jovens que arranjam dinheiro para isso, e que não lhes passaria pela cabeça gastar isso numa actividade cultural de outro tipo. Também em muito casos tem a ver com a oferta, como é o caso das grandes cidades, Lisboa e Porto em particular, e no resto do país não há estructuras de produção artística regulares, as coisas acontecem num festival que tem boa recepção, mas ao longo do ano não há artistas residentes, não há companhias e se há não tem apoios e portanto seria importante criar uma rede mais eficaz de produção artística cultural de proximidade com as pessoas.

Contudo, já houve antigos ministros da cultura e edilidades, que promoveram programas até ambiciosos em termos culturais com eventos de elevada qualidade gratuita e mesma assim, as pessoas não aderem.
RVN: Não é verdade, não se pode generalizar isso de que a população não adira. Em muitos casos, nos festivais de música há uma frequência muito forte, como sabe no caso do 5º festival de orgãos da Madeira, as igrejas estão cheias e até houve uma pequena conferência com uma sala repleta. Portanto, não é tão grave como isso, tão sistemático como isso, há muitos casos de sucesso. Agora, também tem a ver com a inadequação da proposta artística que se faz, se for para uma população que não tem hábitos nenhuns de frequência cultural e se lhe for apresentar um espectáculo de vanguarda, muito complexo, que exigia uma iniciação de formação prévia é evidente que é muito difícil fazer um concerto com música contemporânea que não esta habituado a essa linguagem. Há também um trabalho pedagógico que é necessário fazer, mas isso tem a ver sobretudo com uma política de proximidade e com a garantia que a população tem uma oferta regular e que as coisas não acontecem uma vez de quando em quando e que tem continuidade e é de pequenino que se cria esta habituação.

É por isso que existe este fosso como referiu entre os festivais de rock e a música erudita?
RVN: Esse é um problema geral, repare não tenhámos ilusões, há tipos de produtos culturais que por definição não são muito acessíveis a um público muito vasto, trabalhos experimentais, de vanguarda, de uma complexidade que é difícil de aceder para um público não habituado, mesmo para os do resto do mundo. Nos antigos países do bloco de Leste em que havia uma práctica muito sistemática da ida crianças das escolas, mesmo assim um concerto de música popular enche um estádio de futebol e um concerto de música sinfónica não encheria.

Mas, não acha que essa distância dos portugueses em relação à música erudita se deve ao facto de não se sentirem muito próximos desse estilo musical e porque não conhecem os compositores.
RVN: Claro, o que eu digo é que não é um fenônemo português é internacional.

 

 

Contudo, o festival de orgão como referiu enche igrejas.
RVN: Sim, mas não é um fenómeno nacional acontece em todas as sociedades ocidentais e portanto não é que isto sirva de consolação, porque com os problemas dos outros podemos nós, não é um defeito dos portugueses, é estrutural. No nosso país não se tem feito o suficiente para contrariar, ou corrigir essa situação, acho que um grande investimento que é necessário fazer, mas volto a dizer deve-se apostar sobretudo, ao nível da escolaridade. As pessoas vão para escola e aprendem a ler, escrever, história, matemática e ciências, ou seja, aprendem um pouco de cada campo, mas nem todos vão ser cientistas, historiadores e matemáticos, mas ficam com algum conhecimento e quase não tem formação artística ao longo da sua formação académica, existe um universo ao qual nunca tiveram acesso. Se a família não compensa isso em casa, nem a escola não dá, não tem esse hábito nem num lado, nem noutro. É necessário reforçar as disciplinas artísticas nos currículos escolares.

Falando do 5º Festival de Orgãos da Madeira, qual é a sua importância em termos do contexto português?
RVN: É de uma importância muito grande, porque ao longo da história portuguesa, o orgão desde o século XVI tem uma papel de relevo até o século XIX, muita da música que se fazia de igreja, tinha a participação deste instrumento quer a solo, quer acompanhando cantores, quer integrado numa orquestra. E portanto, há muito repertório escrito por compositores portugueses, ou internacional que se tocava em Portugal que exige muito do orgão, há muito património musical nacional que exige muito da participação deste instrumento.

E a própria construção dos orgãos que é única.
RVN: Exactamente. E ainda hoje temos centenas de orgãos históricos em Portugal, felizmente. E que tem vindo pouco a pouco a ser restaurados, não sei se serão todos, mas tem havido um número crescente que estão a voltar a ser postos em actividade. Começa a haver mais jovens organistas, antes só havia uma meia dúzia e portanto, não havia capacidade para manter uma actividade organista importante. Agora começa as escolas um pouco por todo o país, quer conservatórios, quer escolas superiores que já ensinam orgão a um nível avançado. Estamos a criar massa crítica de organista que permite pouco a pouco a dar vida a este tipo de música. Ela só existe quando se toca, não existe nos arquivos.

Isso também se estende ao repertório que antes não se tocava.
RVN: Sim, claro. É um trabalho que esta em curso. Acho que há vinte anos era impossível haver um festival de orgão como este. Os primeiros concertos fizeram-se em Lisboa, no final dos anos 90 e eram eventos muito raros, havia poucos organistas e repertório, agora, existem muitos jovem organistas e que tocam bem, ou seja, aquela meia dúzia de músicos ensinou esta geração e estamos a assistir a uma expansão importante. Também é importante que a igreja se interesse por este tipo de música, com teor litúrgico. Como sabe a qualidade da música das igrejas é muito pobre e na realidade faria sentido recuperar esta musicalidade que foi feita especialmente para a igreja. Portanto, não faz sentido que a igreja não aproveite esta herança que também é sua, não é só do Estado é também de nós todos, a medida que vamos reconhecendo este repertório vemos que faz falta, é útil e nós faz felizes.

O dinheiro continua a ser uma lacuna.
RVN: Sim, porque sem omoletes não se faz ovos. Quando não há dinheiro é muito difícil fazer coisas, o investimento cultural é muito pequeno, sobretudo nos orçamentos públicos portugueses.

E em particular na música?
RVN: Em particular na música porque é mais cara, um grupo de teatro pode funcionar numa garagem, com meia dúzia de objectos a fazer de cenários, a musica exige, se for uma orquestra, um coro e solista que demora muitos anos a formar, há um investimento permanente, que é necessário ter. É um luxo caro, como o cinema. É necessário haver investimento, antigamente havia a aristocracia, a corte. Quando estas classes deixaram de ter dinheiro para estes luxos para si próprios, o Estado em geral substitui-se.

Mas, existe uma lei do mecenato.
RVN: Mas, para haver uma lei do mecenato é preciso que alguém queira dar e não é obrigatório. É uma possibilidade e se os portugueses não estão sensíveis para isso, de facto os empresários nacionais não tem muito essa tradição de mecenato ainda, em Inglaterra, EUA, ou na Alemanha é naturalíssimo. Mas tem de se apostar no puxar da carroça, não podemos dizer há numa lei do mecenato e façam vocês cultura agora paguem-na, o Estado nesse aspecto tem um papel fundamental.

 

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