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As avós e os seus netos

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O poeta, escritor e contista angolano Ondjaki aborda uma das suas obras de prosa a “Avódezanove e o segredo do do soviético”.

A sua literatura abarca vários estilos desde a poesia, a prosa e a literatura infantil. Como é que surge um projecto?
Ondjaki: Eu não tenho um plano, não posso dizer o que vai acontecer daqui a dois ou três anos, espero continuar a escrever contos, escrever para crianças, mas é um desejo não é uma certeza.

Então como tudo acontece?
O: Espero um bocadinho, se a ideia aparece e é má desaparece, se é consistente permanece, às vezes é preciso convencer as ideias a serem alguma coisa. É mesmo esperar, representa muito trabalho, mas também há golpes de sorte para que se chegue a uma boa ideia, visitações como dizia a minha avó é preciso ser-se bem visitado, depois aproveitámos. A literutura não faz milagres, a Igreja promete, mas agora não sei se já o faz, a escrita é sobre comportamentos humanos, ela vai tocando mais ou menos as pessoas, era bom que toca-se os políticos seria bom, se fosse boa literatura, a má não vale a pena.

Quando comecei a ler este livro surgiu-me a ideia que esta história podia ser real.
Ondjacki: A história é real, toda. Há uma parte que é ficção, as crianças não explodiram o mausóleo, ele esta lá, é um monumento e é uma coisa enorme. Eu nunca entrei lá, porque quando inaugurou eu não estava em Angola. Os personagens são reais, a praia do Bispo existiu, nós tínhamos essa relação com as obras dessas locais e a avó é a minha de verdade, é a mãe da minha mãe e a avó Catarina é a irmã que também existiu, não sei onde ela esta.

Adaptaste as personalidades delas a tua história?
O: Não, são elas. Eu não sou a criança que narra a história, podia ter sido, dígamos que sou um dos netos da avó Dezanove, mas eu não me considero o narrador seja eu, agora, todos os outros existem, a Charlita, os vizinhos, tudo isso é real.

Então, o que te atraiu nessa história?
O: É pensar que podia ser literária e não apenas uma história de vida. Aqui esta contado e montado para ser um livro e não apenas do que eu me lembro que a minha avó dizia, não teria sentido. Às vezes é preciso isso juntar de maneira a criar um fio condutor e virou um livrinho, que gostou em formato de livro, porque se eu contasse aquelas histórias separadamente era uma conversa de café.

Seria possível se traduzirem em contos?
O: Podia ser, eu podia pegar naquele universo da praia do Bispo e pegar em cada uma daquelas histórias. Aquilo era para ser um conto, mas não consegui parar e virou um livro, depois entrou a avó Agneta, a avó Catarina e comecei a pensar no cubano, no soviético e foi crescendo.

Este livro também é reflexo de uma cultura africana que dá muita importância a figura mulher.
O: Sim, mas eu não sei se é africana, porque África é muito grande, por exemplo, como é em Marrocos, ou Madagascasr, mas em Angola, Moçambique e mesmo na África do Sul a figura da mulher não só socialmente como familiarmente é uma figura extremamente importante, já para não dizer o avó, é de uma dimensão surreal, acho que sem ter sido intencionalmente isso se reflecte um bocadinho no livro. Veja os países que tiveram em guerra e não é só em África, mesmo na primeira guerra e na segunda as mulheres cumpriram um papel muito importante, ficam na retaguarda a cuidar de tudo, não no sentido doméstico, é muito superior a isso, é cuidar da continuidade, às vezes, o marido, o tio, o irmão já não voltava e é óbvio que do ponto de vista da humanidade se não fosse a mulher havia estes palermas que são os homens e estava tudo lixado.

Outro aspecto de que gostei do livro é que o narrador é uma criança, a história é narrada do seu ponto de vista e depois há este aspecto da uma certa ingenuidade e do sonho, tem todo esse lado da infância. Tivestes que retroceder a tua infância para abordar este jovem narrador?
O: Sim e não. Ali há um exercício que é muito difícil para mim e outras pessoas que é fazer este narrar, não é só voz, é necessário narrar uma perspectiva, como se falava ou se viu, é narrar toda uma construção do pensamento infantil, não digo que é conseguido, mas é uma tentativa de homenagear essa visão em que de facto até uma certa idade o mundo é diferente para nós. Quando vamos crescendo, vamos estragando a parte da fantasia, não a estragámos por completo, há poetas que conseguem ficar com muita infância dentro de si. Foi essa minha tentativa, existe também aquela questão de posse do bairro, elas reagem a uma ameaça que não é pessoal, é colectiva, aquela obra vai fazer desaparecer o nosso bairro, em última instância para uma criança a rua é a sua casa. O seu bairro é o seu mundo, não o país e eles não querem que desapareça.

Também tem esse aspecto de abordares uma certa franja social do teu país.
O: Sim, não teria como evitar. É uma época muito específica da presença dos cubanos, dos russos, a convivência com outros povos, a guerra, tudo isso aconteceu ali, na cidade não havia consequências da guerra, não havia combantes em Luanda, isso gera nas crianças, também nos adultos, mas em especial nas crianças um carnaval de ideias e sentidos obviamente. É completamente diferente para uma pessoa que não conviveu com professores cubanos, que não se habitou a ver russos no seu país a fazerem obras, é outra realidade.

O teu personagem preferido é avó dezanove?
O: Não, a avó dezanove é a minha personagem preferida na minda vida, ela vai fazer cento e um anos agora em 12 de Agosto, esta viva. Neste livro não tenho um preferido, mas a personagem que mais me surpreendeu é avó Catarina, quando comecei a escrever o livro não me lembrava dela, nem tinha o objectivo de a incluir, ela foi vindo e foi-se impondo na história com um ritmo específico e as pessoas pergunta-me se aquilo era verdade, basta perguntar aos meus primos, temos muitas discussões, uns diziam que ela já tinha morrido, outros diziam que lancharam com a avó Catarina.
A avó dezanove leu o teu livro?
O: De uma ponta a outra já não tinha paciência. Eu quando escrevi esse livro ela já tinha 94 anos, ela esta bem, até foi ao lançamento do livro em Luanda e foi muito bonito.

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