Mas, os diários por norma são escritos pelas mulheres, contudo é um homem que o escreve.
GA: Isso também é um exercício que fiz neste livro. As personagens quase todas das minhas histórias são mulheres, para mim é mais fácil. Este quase romance acaba por ser um exercício nesse sentido, tentar pôr-me na pele, na cabeça e no sentimento de um homem, que é poeta, que tem uma sensibilidade diferente. Isso foi também um exercício da minha parte. E porque os homens não podem escrever diários? E sofrer de amor sozinhos? Fazia-me essa questão também.
Há críticos que afirmam que os grandes personagens femininos com frequência são escritos por homens e vice-versa.
GA: Acontece muitas vezes. Normalmente é-me mais fácil para mim escrever sobre mulheres. Um personagem masculino exige um esforço maior, um trabalho redobrado, outro tipo de pensar, de ler outras coisas. Muitas vezes no que escrevo uso como narrador uma mulher que fala na primeira pessoa, isso facilita-me mais, parece que corre mais depressa a caneta. Neste caso foi um exercício.
Já escreveu contos. Esses textos foram um ensaio para o romance, ou gosta mais de desenvolver os contos?
GA: Eu luto com aquilo que muitos autores também têm que é falta de tempo. Temos de trabalhar, ganhar a vida, porque eu não vivo da escrita. É uma questão de tempo, um romance exige muita disponibilidade, ler, muito pensar sobre as personagens e o próprio texto. Os contos são narrativas mais curtas, mais concisas que se escrevem com maior rapidez e se vêm mais depressa. Este livro é um quase romance e eu roubo essa expressão do Miguel Sousa Tavares. Quando vou as escolas falar e me chamam de escritora, eu acho que ainda sou pequenina. Este talvez não seja o meu romance. Eu acho que cada obra é um ensaio para outra que se quer melhor, porque assim vale pena.
Está já a preparar outra obra?
GA: Todos os dias eu escrevo e não necessariamente para a obra. Tenho um texto, mais um quase romance quase pronto, que tem sido feito consoante o tempo disponível, porque a vida exige-me outras solicitações e portanto, é algo quase pronto. Não digo que esteja concluído, porque nada fica pronto se não o entregar ao editor e só aí não toco mais, porque enquanto estiver na minha gaveta continuo a pensar sobre isso.
Abordemos outra obra, porque escreveu o “contra-corrente”? Foi uma necessidade?
GA: Foi. Foi uma necessidade. Contrariamente ao que se possa pensar, eu não tive problemas, não sofri na pele, não perdi nada, ninguém das minhas relações mais próximas sofreu nada em face do que aconteceu. Estive uma semana em casa, porque a escola fechou, sou professora. Fiquei sem televisão, sem telefone e só tínhamos um rádio a pilhas, até sem luz ficamos por umas horas, porque eu vivo perto da ribeira de João Gomes. Fiquei sem saber mais ou menos o que estava a acontecer e durante esse tempo tive uma necessidade de libertar essa angústia, por um lado, queria ajudar, por outro tinha a noção que iria desajudar e tinha pessoas ao meu cargo. Naquela semana escrevi, porque precisava de me libertar. Eu decidi que não iria faze-lo meu próprio benefício e daí ter doado os direitos de autor aos bombeiros voluntários madeirenses. Decidi que seriam eles, porque eram os que estavam mais próximos de mim.
As histórias são de relatos que ouviu?
GA: Não saí, não fiz trabalho de campo, mesmo. As personagens não existem. A história da santa aconteceu e achei bonito contar esse milagre, esse mito, porque o acho belo e que as pessoas usem o que entenderem para obter esperança. O facto é que a capela ruiu. Há factos reais nesses relatos, as histórias em si, não. Se aconteceu é mera coincidência.