No final dos anos oitenta, o imóvel estava sendo alvo de uma intervenção arquitectónica profunda e havia um andaime que vinha do topo do muro até o que é actualmente a piscina maior da praia e naquilo que decidi chamar de um surto de inconsciência juvenil, comecei a subir, no sentido inverso, pelo tubo de onde deslizava o cimento, perante o olhar perplexo do meu mano e os gestos de súplica para que descesse da minha nova amiga. Pouco a pouco lá foi trepando a medo e quando cheguei ao cimo, quase incrédula com a minha própria audácia, devo acrescentar, declarei em plenos pulmões que não sairia e que tinham de vir buscar-me e assim foi, um a um, mais ou menos contrariados os meus companheiros lá seguiram o meu perigoso exemplo. Risos eufóricos de alegria e de um certo alívio ecoaram pela noite dentro para comemorar o princípio auspícioso desta nossa aventura. Depois de recuperar o fôlego, de caras para a fachada principal do edifício apenas bastou um pequeno empurrão para que a porta cedesse e pudessemos entrar para um espaço quase irreconhecível, de certa forma decepcionante, repleto de materiais de construção e muito lixo. Sem muitas delongas subimos até o primeiro andar onde a rapariga da Quinta fez o seu papel de guia, mostrou-nos o seu antigo quarto, o dos pais e o da irmã que eu não conhecia e que já não vivia com ela, a sala e a antiga cozinha. Foi uma viagem no tempo em que relembrou os dias de ócio em que brincavam nos jardins da quinta embaladas pelo chilrear constante dos pássaros e da brisa carregada de sal a bater entre as folhagens das frondosas árvores. Nas noites de tempestade, ao contrário dos outros meninos, em vez de contarem carneiros para adormecerem, contavam o bater das ondas contra a parede para combater a insónia. Recordou um jovem solitário que aparecia sempre para tocar a sua guitarra apenas na lua cheia e ainda os bem audíveis suspiros de amor de alguns namorados e outros casais afins que procuravam o negrume das rochas e que não poucas vezes eram enxotados pelo pai, por motivos óbvios. Já a madrugada ameaçava romper quando decidimos dar por terminado este nosso períplo e saímos subindo o outro muro que dava para a estrada principal, não sem antes lançar um último esgar para aquele que já não era mais um local repleto de mistérios, mas sim, do que passou a ser uma das página do memorial de uma amizade. Feliz aniversário Quinta do Revoredo!