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Totem/extra-virgens

Escrito por  yvette vieira fts josé zyberchema

  

Foi o título da exposição do artista plástico, Diogo Goes, onde novamente colocou em ênfase a sua visão da realidade, através de textos da psicologia da arte e da antropologia cultural.

Na tua obra tens um discurso a dois, o que te atraí nesse tipo de temáticas?
Diogo Goes: O discurso a dois pode ser do pintor com o espectador, mas também pode ser a política com a religião, ou da moral com a sexualidade. Concordo em absoluto consigo em relação a esse discurso a dois, que é-me querido e exploro constantemente nos meus trabalhos que é a alegoria ao jumento, ao burro. Costumo dizer antes burro que artista, ou antes burro que espectador, o que quero dizer com isto? Desde a modernidade fomos ensinados desde crianças, através da leitura de contos infantis, da representação do burro como o cábula, ou o ignorante, mas se recuarmos no tempo, na etnografia mediaval, ou judaíco-cristã, ou até mesmo na antiguidade, o jumento, não o burro, é visto como o humilde, o abnegado, o perseverante no trabalho, portanto interessa-me ver esta postura do artista como aquele que labora e pretende que o seu trabalho vá mais longe. O que acontece com jumento é que às vezes carrega tão pesada carga que o dono não pode levantá-lo. E aqui eu deixo ao espectador à consideração sobre se o artista é o louco, ou o jumento. Algumas destas figuras levantam algum juízo de valor, quer seja moral, quer seja de âmbito artístico, acho que o colocar em dúvida, o censurar o objecto artístico todos nós estamos a faze-lo com as imagens que vemos, com as pessoas que encontrámos. O primeiro juízo de valor imediato é a condição necessária para o validar como objecto de arte. Basta que digam, não gosto, ou até sim, essa questão do gosto na estética contemporânea não se coloca, o que interessa é veicular uma mensagem.

Então fala-me sobre esta exposição, em particular, mediante essa perspectiva.
DG: Sobre esta exposição, "totem/extra-virgens", quanto à primeira palavra parto de dois textos da psicologia da arte e da antropologia cultural em Portugal, do Freud e do Proust em que se fala dos mecanismos da transferência de valor entre a ordem natural e social e o que medeia esta experiência são os objectos do foro cultural. Isto é muito simples de explicar aplicado ao contemporâneo, se pensarmos em clubes de futebol e cada equipa se identifica com um animal, portanto da ordem natural, é um sinal de pertença que se identifica através de uma cor, portanto associámos esses clubes à sua cor e o seu símbolo animal e quer os que estão no grupo, quer os adeptos, quer os que estão por fora identificam-os como tal. E se pensarmos em outros planos, na política, nas monarquias europeias, na heráldica, por exemplo, a flor de lis, o azul e a águia são associados à França, estamos a associar uma imagem do campo natural e transportámos como objectos de valor para sentimento de pertença numa equipa. Neste caso, da exposição, são as meninas da minha família fotografadas aquando da primeira comunhão. O que há de comum em termos de pertença é o facto de fazerem parte do mesmo clã, da família, dos católicos.

Mas, há uma iconografia?
DG: Sim, todas elas são saturadas com orelhas de burro, no fundo é aquela brincadeira, enquanto que nas tribos africanas, os clãs identificavam-se dizendo, a minha tribo urso, era a equiparação não como um urso, mas eles assumiam-se com todas as forças e virtudes do animal, aqui eu estou a dizer na minha tribo é burro, porque são todas da minha família. Quase todas elas estiveram presentes na inauguração, brinquei com a situação, os títulos são como eu as chamavas na infância. Na outra série, que também presentam um grupo, são soldados da primeira guerra mundial, de portugueses que serviram em Paris e na Flandres e foi feito um levantamento do arquivo de fotografia, são imagens apropriadas e depois faço recortes de jornal com títulos e tento colocar um sentido irónico em função das fotografias, que só é perceptível ao expectador ao olhar para a colagem.

Mas, também colocas etiquetas nas tuas obras.
DG: Sim, porque é uma questão de arquivo. O facto de ser uma série eu transporto para estas obras a história da arte contemporânea. Se pensarmos na era da reproductibilidade técnica, do Walter Benjamin, a condição necessária a práctica da arte contemporânea é o repetir as imagens, ou sequências de imagens de modo que se estabeleça uma narrativa quer visual, quer temática, quer conceptual. Ao colocar todas as imagens juntas quase que é uma película fotográfica, o meio é a fotografia que ainda não foi exposta, ou de filme que ainda não foi revelado. Esta condição interessa-me, depois outras questões que o Benjamin e outros autores abordam, como o Paul Fosset, salvo erro, sobre o arquivo, o facto de numerar e identificar cada uma das peças com etiquetas colocando o local, a data, o número e a identidade onde é arquivada. Num outro trabalho que realizei tinha a ver com caixas, esteve no Brasil, exposto em Salvador da Baía, esses trabalhos que eram de arquivos de pintura, colocados em caixas, numerados pela data de feitura, do arquivo do envelope, com a data do fecho da caixa e se pensarmos que cada caixa embalada em embalagens de cartão dos correios e enviados para o local uma a uma de destino, ainda temos outras datas, o tempo de envio, de chegada e os imprevistos que acontecem trabalhos que se perdem e que os CTT tem um ano para devolver. Houve peças que não chegaram e a exposição tinha de ser inaugurada e depois há a data da mostra e o que resta dessas peças, que é o mais interessante, são os arquivos, os comprovativos, as facturas, eu tenho dezenas de folhas de registos dos correios, todas datadas e que me permite constituir o percurso de uma peça, as pessoas, os coleccionadores, os sítios por onde as caixas foram enviadas.

 

  

O passar do tempo é também importante na tua obra?
DG: Sim, o arquivo incide sobre o tempo que é passado e do presente, que é cliché, mas a obra contínua para além do momento da exposição. E se pensarmos nas novas tecnologias um show que pode ser apresentado à comunicação social, tudo decorre daí, no fundo é o diz que disse, que nunca é aquilo que foi feito, nunca é o que o artista sentiu, mas não sei se os artistas sentem. Isso é uma nostalgia romântica, eu não estou inspirado, há trabalho e portanto, haverá sempre esse juízo de valor, o tempo faz esquecer, estamos aqui de passagem.

A vida e a morte que é outra das tuas temáticas. Mas, andas aonde? Na linha ténue que as separa? Ou mais uma vez andas por essa diálectica?
DG: Talvez eu não seja a melhor pessoa para falar de mim. Mas, posso abordar o contexto, eu sou um católico, não tenho essa designação do practicante, ou não practicante, porque sou-o por inteiro, se quisserem sou um católico militante. Todos os dados que aparecem provém da cultura visual etnográficos, talvez se não fosse católico, não presentasse esse tema. Não são conceitos, o apropriar-se holisticamente de imagens e ainda há pouco falava com um amigo que me conhece e dizia Diogo mudaste? Se pensarmos que utilizo sempre imagens que não são anjos, são representações que associámos a esses seres celestiais e ao entrarmos num loja há milhares de reproduções possíveis, seja o santo católico, ou o buda e no Brasil é levado ao extremo, porque há os árixas, os totens africanos e tudo numa mesma prateleira, tudo idêntico, interessa-me pensar naquilo como objecto, como imagem só. Quando faço um juízo de valor sobre uma imagem sagrada que esta dentro de uma igreja num altar e eu venero, na exposição a única sagração é a arte e falo apenas no campo das imagens. É-me indiferente o título virgem as meninas, as crianças nesta caso da minha família, tem esse respeito. Outra questão é que o virgem nunca se coloca ao homem e faço a diferença, por ventura todos os santos terão a virtude da virgindade,alguns não, será mais a castidade, mas nunca se falo do virgem. É sempre a alusão à figura da mulher, é um dado da antropologia desconstruída por Freud e quando são feitos estudo aos clãs africanos, é isso que acontece nos rituais de iniciação. Na exposição esse momento, é a primeira comunhão, é a primeira vez, não voltar a usar o vestido branco, a não ser quando for o casamento, falo do caso do mulher. O vestido é como o objecto, o traje cerimonial.

Mas, quando viram as peças de arte o que é que elas te disseram?
DG: Quem percebe o meu trabalho, sabe que tento investigar antes de partir para um novo trabalho, para perceber um conceito. Só que as coisas não tem que se justificar por si só. Eu comecei a pintar burros por uma coincidência, eu pintei um que foi exposto numa galeria, pediram-me mais um e apercebi-me que estava a aceder a um mercado e sem perceber muito bem o porquê. No fundo parei e foi investigar e agora dá azo a uma tese e comecei a ver a quantidade de informação que existe, os autores portugueses que fazem menção ao jumento, desde logo Fernando Pessoa, " ai quem me dera ser como o burro do moleiro, que ele me bate-se e estima-se" desde José Saramago quer "no memorial do convento", "quer no levantar do chão" ele é mais sarcástico. É curioso como independentemente da ideologia, tem a ver com o barroquismo da narrativa de muitas adjectivações que qualificam o animal, ele fala da mula lazarenta.

Então como se viram passando a ser o conjunto de uma obra?
DG: Penso que elas reagiram bem, quase todas riram-se. Outras dei conhecimento prévio, para não haver problemas escrevi com carinho e amizade.

Abordando os juízos de valor quando alguém olha para o teu trabalho e o censura, ainda consideras que seja arte?
DG: Não sou eu que tenho de ver. Eu não gosto da expressão arte. A palavra tem a ver com a minha formação, se quiser religiosa, a arte significa artifício e se decompormos a palavra amor, aparece amortis, ou seja, afasta da morte, eu falo do ponto de vista da tecnologia, o artifício não me afasta da morte, no fundo a arte não é morte, é uma falsificação, provavelmente tudo isto não valha nada. O artista, eu não gosto deste termo, prefiro autor, porque significa aquele que acrescenta à criação. Eu estou a falar em Deus é mais fácil não acreditar, mas dar o benefício da dúvida penso que é mais difícil e então colocarmos um denominismos a nós mesmos, em que existe uma criação e um criador não podemos ter esse mesmo nome, se quisermos somos autores e o problema da obra de arte é que se não acrescentámos mais nada, nada valemos. Os juízos haverão sempre, eu noto é que há sucessivas exposições, é isso que quero, bem ou mal, é este o meu caminho. O espaço da arte é o museu, a galeria, quem dá o benefício da dúvida espera ver algo a que chame de arte.

Mesmo quando há confronto?
DG: Sim, porque vão sempre ajuizar. Numa primeira exposição que fiz, o galerista disse-me: Não expomos nem comunas, nem ateus. A primeira vista parecia outra coisa, porque vou à missa e sou católico. Depois passámos essa fase da pessoa e já se deconstroí sobre a pessoa e já podemos avançar sobre a obra. Quando olha para ela, afirma que há que ter um certo cuidado, estamos a jogar o mesmo jogo, ele percebe o meu trabalho, como funciona e no fundo fazemos cedências um ao outro. Ele afinal não vai passar uma mensagem que é contrária a nossa. O galerista é visto como o capital e a autoridade, a mim interessa-me o confronto. É característica necessária. Talvez não seja de propósito, mas é assumido.

 

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