Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

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A suburbana do extremo

Escrito por  yvette vieira ft Tb Thomanson

Sara Anjo, natural da Madeira, é uma artista perfomativa em constante evolução. A sua incessante busca pelo objecto artístico não implica um início, meio e fim, muito pelo contrário é a viagem que rege a sua estranha forma de vida e que a ajuda a novas realidades.

Tu começaste como bailarina clássica e depois decidiste que não era nesse contexto da dança que te sentias que era o teu percurso, porquê?
Sara Anjo: Foi necessário um percurso novo, porque tem a ver com a minha maneira de ser e de pensar a dança. Ao fim ao cabo foi a forma que escolhi para conhecer o mundo, é a minha área de saber e conhecimento. A dança clássica tem uma técnica mais rigorosa, mais puxada sobre um determinado vocabulário, acabava por não ser o suficiente, embora continuo a gostar imenso desse tipo de dança e mesmo da contemporânea que tem toda uma linguagem por detrás.

Então fostes a procura de novas linguagens?
SA: Sim e durou imenso tempo, porque comecei a dançar profissionalmente na companhia nacional de bailado e depois passei para o yoga. Essa fase foi muito importante para mim, porque me distanciei da dança e comecei a fazer um outro trabalho de corpo, de muita consciência, tinha muita meditação por detrás, era um trabalho mais ligado à respiração e esse distanciamento. Em paralelo, com o corpo, começei a abrir outros horizontes, outras portas e eu foi percebendo qual seria o meu caminho.

Nessa tua procura por novas linguagens foste para fora de Portugal. Estudastes dança em vários países na Europa, porquê? Essa resposta não estava no teu país?
SA: Sim, ela também esta cá, agora, para mim a formação é uma constante. Em termos do meu percurso profissional tem sido importante continuar a estudar, a conhecer outras coisas e aprofundar os meus conhecimentos. Actualmente, estou a fazer um mestrado em coreografia em Amsterdão. Estar lá fora é bom, abre-nos imenso os horizontes, contactámos com outras realidades, com pessoas diferentes, encontrámos os nossos pares e isso enriquece-nos imenso. A minha base é Lisboa, mas o facto de ter viajado, encarar esses outros olhares, tornou-me mais aberta, mais disponível para fazer o meu trabalho, porque se eu tivesse apenas vivido só em Portugal, eu não saberia.

E nessa viagem pelo conhecimento encontraste alguma referência?
SA: São muitas. Por exemplo, Berlim foi uma cidade muito importante para mim, ficaram lá muitos amigos, deu-me formação, trabalho e tem muitos artistas inspiradores, mais do que uma referência o que eu sentia é que havia muita vontade de experimentar qualquer ideia que tenhámos, por mais estranha que seja, ou difícil de encarar, ou entender ela ganhava a sua força e era explorada. Depois há espaços para residências artísticas que fizeram com que contactasse com muitas outras pessoas, olhares sobre a dança muito diferentes. Mais do que referências, foram os espaços que foram importantes, um desse é a “Ponderosa, movement and discovery”, tem workshops, passei lá muito tempo e foi fundamental. Também, houve o “Smash” que me fez encontrar muitos artistas e agora, em Amsterdão no mestrado de todas as formações que fiz até hoje é a melhor, sinto-me privilegiada e é um programa muito bom, com directores e colegas de elevado nível.

Fala-me sobre o teu projecto “ninguém sabia contar aquela história”.
SA: É um projecto que já faz algum tempo que comecei a desenvolve-lo, foi muito importante para mim pela bagagem de produção, erámos uma equipa muito grande, seis artistas de diversas áreas, era um imaginário feminino e foi um projecto difícil, porque muitas das mulheres engravidaram. Era extenso no tempo e devido a essa natureza feminina foi muito difícil de concretizar em termos de calendário, como estava eu a dirigir tive que fazer essa ginástica que ao fim ao cabo é igual ao que fazemos no dia-a-dia como mulheres.

Então era um projecto com mulheres de várias áreas que no fundo terminava com um espectáculo?
SA: Nós fizemos um espectáculo no Centro Cultural de Bélem, no contexto da “Vox Nova” que é um programa para artistas emergentes, mas fizemos várias residências, workshops com as comunidades nos vários sítios onde fomos passando. Era um projecto extendido no tempo precisamente por isso, passávamos por locais de Portugal e em cada uma dessas zonas promovíamos uma formação ou uma apresentação que depois culminava num espectáculo, depois foi editado um pequeno livro. Quando olho para atrás, o que me deixou foi uma grande bagagem de produção, de como montar uma equipa, levá-la em frente, ser flexível perante as necessidades de cada um e esta natureza que é trazer filhos ao mundo (risos).

Depois aparece o projecto artístico “paisagens líquidas” , em que se distanciou do teu trabalho anterior? E o que acrescentou em termos da tua carreira profissonal?
SA: O “Paisagens líquidas” foi um acolhimento num espaço de que gosto muito que é o lavadouro público em Carnide, onde as pessoas ainda vão lavar roupa, trata-se de uma área comunitária que foi cedida ao “teatro do silêncio”, uma companhia dirigida pela Maria Gil e nós colaborámos muito em conjunto. Ela acolheu este conceito e em relação ao anterior não teve um enorme peso em termos de produção, pude fazê-lo de uma forma mais livre, porque não tinha nenhum encargo de administração e organização, foi muito de “mergulhar” na minha pesquisa em termos de movimento, de olhar para aquele espaço. No entanto, há um ponto em comum nos dois projectos, o meu trabalho tem uma ligação muito grande com a paisagem, que vêm do lugar onde nasci na Madeira, da floresta, da montanha, da relação com o mar e do horizonte amplo. Em “ninguém decidiu contar aquela história” fizemos muitas residências fora do meio urbano, mais em espaços rurais, pouco habitados e no meio natural. O meu trabalho tem sempre essa linha constante do trabalhar sempre fora do estúdio, de dentro de portas, mais na natureza. O lavadouro é dentro de uma cidade, não é propriamente um espaço natural, mas ele integrava elementos como a água, os tanques e o espaço exterior que é o estendal, porque é bastante amplo e tem árvores, havia toda a essa relação, daí o nome.

E que retiraste desse trabalho?
SA: “Paisagens líquidas” foi muito bom em termos de tempo para a minha pesquisa e desde então nos projectos é isso que me tem levado para a frente, não é muito claro o que estou a dizer, mas o que pretendo é criar projectos que não se fechem sobre certos temas, sobre si próprios para chegar a um produto, procuro evitar isso hoje em dia. Para mim é muito importante que cada um deles abra um espaço de pesquisa, ver para onde vai naturalmente e só depois perceber o que poderá resultar daí. Foi isso que este projecto artístico me deixou, havia um ponto de partida, mas naquele espaço as coisas foram-se desenvolvendo naturalmente até fluírem para um objecto a ser apresentado, é isso que agora procuro fazer sempre.

Então não gostas de trabalhar a solo? Preferes projectos que envolvam mais artistas?
SA:Eu também gosto de trabalhar sozinha, o meu próximo trabalho é um solo. A verdade é que as colaboração, às vezes, são difícieis, mas são muito enriquecedoras, trazem-nos sempre desafios que não é o nosso próprio mundo, são outros olhares e isso é importante. Eu diria que gosto dos dois lados, saber trabalhar sozinha e em parceria, tanto num como outro, há um momento de recolhimento, de reflexão, de perceber o que é importante e o que interessa explorar, isso é bom fazê-lo sozinha, mas também é essencial criar pontes com outras pessoas. Foi o aconteceu com o espaço 116 foi uma residência com a minha colega Tia, no nosso mestrado apresentámos a nossa própria pesquisa e à partida ela apresentava a solo, mas temos coisas similares, pensamentos comuns e então ela veio cá para explorarmos um bocadinho como essas ideias se cruzavam ou não, como dialogavam.

Em relação as artes performativas como é que achas que o público as encara? Há uma certa desconfiança, porque não é apenas dança vai para além disso, achas que existe um público em Portugal para este tipo de projectos?
SA: Há, tem crescido bastante. Em Portugal, sobretudo nas cidades principais e não só, felizmente há programação cultural muito boa. Muitas vezes as artes performativas que cruzam a dança e o teatro estão numa fronteira de um género que não se sabe bem o nome, essa estranheza faz com que o público não se sinta confortável, ou não perceba e talvez seja isso que os deixa mais “perdidos”. Acho que a dificuldade é essa, porque a partir do momento em que o público tem a chave para o que esta por detrás, para abrir esse mundo, eles “mergulham” e conseguem “viajar”. Quando não o conseguem é como se não pudessem ir lá para dentro, não há acesso, daí essa estranheza e essa distância. Isso tem a ver com o que as questões com que a arte contemporânea lida, com o abstracto, por vezes olhámos, queremos entender logo e que esse sentimento venha de imediato, enquanto que a arte contemporânea nos pede um processo de desvendar, de desbravar o que esta por detrás daquele mundo, pelas questões que levantam, a ideia para depois podermos desfrutar. Por outro lado, essa relação com a arte também se restringe ao que gosto, ou não gosto. O campo tem de se abrir, o esprecto tem de se expandir, porque há sempre algo de que não gostámos, mas desafiou-nos para ter outras ideias, fez-nos conhecer algo que desconhecíamos e isso também é importante. Talvés o que o público necessite é de não criar tanta expectativa do sempre gostar de tudo, ou ter uma experiência estética prazerosa, porque a arte também pode ser outra coisa para além de...

Depois deste mestrado, qual é o teu próximo passo?
SA: A uma coisa que digo que descobri muito no mestrado, que se calhar esta na história do povo português, é que gosto de navegar numa direcção, mas depois é muito mais importante o que acontece ao longo do percurso, possivelmente andar à deriva, porque há coisas que acontecem e é necessário estar atento a isso. Muitas vezes não consigo dizer o que vou fazer a seguir, quando vim para cá estes 15 dias só pensei em abordar as coreográfias audio, mas depois a Tia veio e foi muito mais importante estar a trabalhar. A parte disso quero explorar o “caminhar” que é uma prática que tenho constante no meu trabalho, gostava de fazer residências e viagens ligadas a esta temática. Neste conceito há muito de “guiar”, de andar à deriva e continuar a ser livre na minha pesquisa.

Há ainda muito de ilha em ti?
SA: Sim imenso, por mais que eu queira não dá para apagar. O estar lá fora ajudou-me a perceber o quão importante foi a minha infância, onde construi uma base para aquilo que estou a fazer. A própria vivência da paisagem é uma coisa que é permanente, a minha próxima pesquisa tem a ver com o “corpo árvore”, tem a ver com as raízes da planta e as minhas.

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