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O fabricante de memórias sensoriais

Escrito por  yvette vieira ft miguel nóbrega

Francisco Albuquerque tem uma paixão, o vinho. É uma vocação que corre-lhe nas veias desde tenra infância quando se dedicava à vindima com o seu avô na Quinta do Arco de São Jorge, na Calheta. É o enólogo nacional mais premiado e prestigiado ao nível internacional na área dos vinhos generosos, troféus que só confirmam o seu profissionalismo e a qualidade do vinho que se produz na empresa Madeira Wine.

Como surge a enologia na sua vida?

Francisco Albuquerque: A minha família está associada ao negócio vinícola, no Arco de São Jorge. Já produzia vinho com o meu avô e desde criança que tenho esse hábito, esse conhecimento adquirido. Na altura não havia cursos de enologia em Portugal, então fui para Santarém, porque um dos meus objectivos era produzir vinhos na Quinta do Arco, era a exploração ideal. Por motivos financeiros não foi possível e estive a trabalhar um ano no governo regional em 1989, em 1990 foi convidado para o Madeira Wine e aceitei. A formação específica foi fazendo no Instituto da Vinha e do Vinho, no Instituto de Biotecnologia do Porto e cursos avançados de prova. O background da Symingtons foi fundamental também nesse processo, são os maiores exportadores de vinho do Porto e os nossos sócios.

O que significa ganhar por três vezes o Internacional Wine Challenge em 2006,2007 e 2008, para melhor enólogo do ano de vinhos generosos?

FA: Penso que devo estar no Guinness book of records por causa desses prémios. Mas, o mais marcante que ganhei até agora é o Len Evans Trophy, ou seja, eu enviei 71 amostras para esse concurso e ganhei 69 prémios, durante cinco anos. É um troféu de consistência e isso para mim é que é importante. A relevância do certame é o reconhecimento individual, mas numa terra que não tem expressão em termos vinícolas, somos uma gota num oceano gigantesco e muito competitivo, os nossos vinhos serem reconhecidos pela qualidade isso torna-se relevante. Funciona como um instrumento de marketing importantíssimo, podemos conseguir à custa de um prémio uma mais-valia extremamente importante que é potenciar a procura por esse produto, expandimos o nome do vinho e naturalmente o preço aumenta. O nosso produto é escasso, quando engarrafo um vintage ou uma colheita estou a falar de 2000 garrafas, isso é zero em termos de mercado. Quando se ganham esses troféus no exterior somos abordados no sentido de comercializar no mínimo 10,000 caixas, quando dizemos que temos 200 à 400, eles riem-se. Ninguém desenvolve um plano de marketing para um número tão reduzido de caixas, mas são aquilo que temos. A nossa dimensão é essa, não temos capacidade para trabalhar em termos de escala. Por isso, estamos num sector que é um nicho de mercado, é muito direccionada para os especialistas e apreciadores de vinhos. Se questionar aos grandes gurus para elegerem os cinco vinhos da vida deles, vai ver que um deles é o Madeira.

Mas, por outro lado isso não é uma vantagem? Precisamente por ser em menor quantidade vai ser mais raro e a procura vai ser maior?

FA: As pessoas esquecem-se que para produzir esses vinhos são necessários envelhecimentos na ordem dos 10 aos 20 anos, temos que produzir vinhos mais novos que vão pagando todo esse processo. No fundo o que faz volume de negócio são os vinhos mais novos que representam 88% da nossa produção, ou seja, os de grande qualidade tem uma expressão de cerca de 10%.

Em termos de mercado nacional quanto é que esses 80% representa?

FA: O mercado nacional tem uma expressão bastante boa sobretudo nos vinhos de qualidade, quanto aos números não os tenho presente. Os poucos portugueses que tomam vinho Madeira querem sempre castas brancas, de preferência Sercial, Bual e Malvasia e com mais de cinco anos. É um bom mercado, embora seja muito pequeno.

Como é que explica que embora ganhe troféus internacionais, esse facto não tem qualquer expressividade ao nível nacional?

FA: Isso tem a ver um pouco com o tal complexo de insularidade. As pessoas, em Portugal, num modo geral, não sabem aproveitar esses reconhecimentos internacionais para expandirem os seus negócios. É uma espécie de fatalismo, mas isso faz parte da nossa personalidade como povo que é dar um tiro nos próprios pés. Ainda, ontem telefonaram-me para saber o que eu achava dos 26% de IVA sobre os vinhos, isso para mim diz tudo, quando um governo aumenta os impostos num sector primário que é ainda o único que é fiável, para mim está tudo dito. Se calhar aumentam 4% em produtos aberrantes como as coca-colas e as bebidas gasificadas. As pessoas assim deixam de tomar vinho que é o consumidor final. Quando me pergunta o alcance dos prémios ao nível nacional, sinceramente não ligo a isso, acho que existe um complexo de inferioridade. Prevalece ainda o fado, Fátima e o futebol, ou seja, tudo o que é populista, Portugal sempre foi e há-de ser assim.

Neste momento tem uma ligação com uma empresa produtora de vinho do Porto, isso não é um contra-senso na medida em que são os vossos mais directos concorrentes no sector?

FA: Não, não podemos considera-los concorrentes. Embora, sejam ambos vinhos licorosos, não tem nada a ver uns com os outros. Nem que seja pela dimensão que o vinho do Porto tem. Estamos a falar de uma produção total na ilha de 4 milhões, contra os 200 milhões que são produzidos no Douro. Não temos assim qualquer expressão em comparação. Em termos de concorrência isso não é nada, estamos no negócio de vinhos licorosos. Temos características e buquets diferentes e um marketing diferenciado. O vinho é o denominador comum. Á margem disso temos a nossa especificidade. O que há aqui? Quando se associa a nossa marca a grandes produtores, o que acontece? Consegue-se comprar garrafas e copos mais baratos e tornamo-nos mais competitivo. Eles têm um conhecimento profundo do mercado e distribuidores em todo o mundo. Isso é uma mais-valia, não me serve de nada ter o melhor vinho se não o vender bem. Se perguntar no meio do vinho se conhecem a Symington toda a gente os conhece, se colocar a mesma questão sobre a Madeira Wine ninguém sabe quem são. Estou a falar no meio em termos de negócio, propriamente dito. Na vertente técnica, se tiver algum problema falo com os enólogos deles e esta troca de ideias torna o funcionamento mais adequado. Como sabe a Blandy voltou a comprar uma parte da Symington, no entanto eles continuam a deter 10%, são os nossos parceiros muito fortes no mercado inglês e o americano, que são muito importantes para nós.

Então sendo uma gota no oceano tem capacidade para captar clientes nos mercados norte-americanos?

FA: Num nicho específico. A Madeira toda produz o mesmo que um pequeno viticultor espanhol. Eles têm em média 400 aos 500 hectares de terra. A ilha possui 440 hectares de vinha, estes números são incontornáveis. Não temos espaço, há uma pressão demográfica enorme sobre os terrenos agrícolas, não há grandes possibilidades de expansão, a não ser que seja no mar. Temos imensas limitações.

E o mercado chinês?

FA: É o país do novo riquísmo. É uma nação com muito dinheiro, mas querem produtos em grande quantidade e a baixo preço. Os chineses em sete anos, já produziram 150 milhões litros de vinho e não tinha vinhas.

Vinhos licorosos ou de mesa?

FA: Vinhos de mesa. O problema do mercado chinês é que para desenvolver um plano de marketing nesse país não se pode trabalhar com menos de 10,000 mil caixas, uma caixa de doze são 9 litros de vinho, nós produzimos cerca de 4,5 milhões de litros para exportação que corresponde a ilha toda, faça as contas. É um mercado ainda por explorar. É melhor apostar nos mercados tradicionais e vender mais caro, e não começar a fazer à boa maneira portuguesa que é prospeccionar novos mercados e desprezar os mais tradicionais, depois nem uma coisa, nem outra.

Essas limitações são fruto também de uma certa pressão urbanística?

FA: As pessoas têm de viver em algum lado. O que acontece é que as casas vão nascendo no meio da vinha como cogumelos, contudo essa fase já passou um pouco. A pressão demográfica é muito grande, agora com a crise as pessoas estão a voltar para a agricultura, porque não há obras públicas a promover o trabalho. Uns estão a emigrar, outros estão a retornar à terra, porque realmente é muito importante. Qualquer pessoa que vá ao supermercado sabe o preço dos produtos frescos. Por outro lado, houve por parte dos responsáveis locais um certo alienamento em relação ao sector primário, consideram-no menor, existe um certo complexo que é o complexo da couve. Ou seja, há indivíduos no poder que se lembram dos pais como agricultores, com as calças sujas de terra, olham para trás e renunciam a esse passado. Ao invés dessa atitude, deveriam encarar essas gerações com orgulho, já que eles passaram por muitas dificuldades. O cidadão moderno apesar de ter uma melhor qualidade de vida, deve muito mais dinheiro ao banco e vive mais miseravelmente se calhar do que antes.

E os viticultores estão a desistir, tendo em conta ao aumento do custo de vida?

FA: Neste momento, as pessoas têm de se agarrar um pouco a viticultura. Não há alternativas. Numa ilha em que o território é escasso, qual é o maior valor que se pode ter? São os terrenos. Se conseguir produzir o que come, é uma mais-valia em relação a aqueles que nada tem, porque trocaram os seus terrenos por apartamentos que não conseguem vender e existem muitos destes casos. Há viticultores que fizeram empreendimentos urbanísticos nos seus terrenos e já os entregaram ao banco, agora nem apartamentos, nem terras.

Então como se protege a produção de vinho de qualidade?

AF: Pressupõe quatro factores: legislação própria que temos. Castas tradicionais, fronteiras bem definidas que é o mar e um instituto regulador. Daí toda a Região da Madeira e Porto Santo ser demarcada para produção de vinhos licorosos. São as quatro condições.

Com uma produção escassa não é de se esperar um aumento do preço?

FA: Não necessariamente. Os preços são definidos em função da uva que é esperada na vindima. Na Madeira, existem grandes variações de temperatura, devido aos microclimas que temos. No Norte da ilha, vai haver uma quebra enorme do tinta negra em algumas castas, vai ter quebras superiores a 70%, relativamente a um ano normal. No sul, o panorama é diferente, mas sempre condicionado pelo tempo.

Vocês compram vinhas?

FA: Não, estamos a pensar ter as nossas próprias vinhas, mas trata-se de um projecto global a montante. As empresas produtoras de vinho Madeira, tem contratos com várias gerações de viticultores, são no fundo acordos verbais em que eles se comprometem em negociar as suas uvas com a Madeira Wine todos os anos.

Referiu que os espaços agrícolas sofrem um decréscimo devido a pressão demográfica e o futuro como será?

FA: Por isso mesmo é que as empresas têm que começar a ter as suas próprias vinhas para garantir no mínimo 50% das suas necessidades. Estamos a pensar nessa possibilidade. É o futuro. Depende também da própria contingência económica da ilha, imagine que há um novo crescimento urbanístico novamente e existe oferta para isso, vai restar muito pouco espaço para os montantes de vinha exigida.

Sim, mas sublinhou a pouco a legislação, ela não fica dependente da alteração dos planos directores municipais?

FA: Não. Ao ser região demarcada, não afecta os terrenos exclusivos para a vinha, ou seja, pode-se transformar um terreno agrícola mediante autorização para construção e vice-versa.

Então não deveria haver uma legislação mais dura?

FA: Não, é uma questão de oferta e procura. É assim que funciona. Não podemos obrigar ninguém a ter sistemas rígidos de protecção de cultura nenhuma. Se houver procura de uvas, as pessoas vão pagar mais e vai ser mais economicamente viável plantar uvas e é assim que o mercado funciona, mas no sector primário só a horticultura e a vinha é que dão algum rendimento.

Abordando a temática do clima, o aumento de temperatura tem influenciado a produção de vinho Madeira?

FA: Não possuo dados que possam sustentar essa afirmação. Aliás, nós temos um clima destemperado, porque não temos as estações bem definidas. Aqui, na Madeira não temos praticamente inverno. O nosso problema no essencial é falta de frio, porque? Para que as plantas durante o período de dormência possam ganhar as reservas necessárias para a produção. Em contrapartida e paradoxalmente no nosso caso, essa compensação da planta é feita a partir do solo, portanto desde que haja a montante um trabalho bem feito em termos de solos e fertilidade, daí ser muito importante encarar estas situações com muita seriedade e profissionalismo. Tenho notado sim, é chuva fora de época. Os antigos terrenos cerealíferos, como é o caso do Porto Santo, do Caniçal e algumas zonas da Ponta do Pargo que eram secos e amarelos de verão, agora estão verdes. Quando me dizem que o planeta está a aquecer, eu sinceramente não consigo afirmar isso.

Mas, é uma vantagem para o vinho madeira, a chuva nessas zonas ou não?

FA: Não, altera a uva. Aumenta o risco de doenças criptogâmicas. Nomeadamente, os fungos. Quais são os seus ambientes ideais? Humidade e calor, isso até no nosso corpo são assim.

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