Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

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Um chef à portuguesa

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Miguel Rocha Vieira é português, lisboeta, determinado e um apaixonado pela sua profissão, a cozinha. Aliás sem estas características jamais teria conseguido a primeira estrela Michelin da sua carreira e para o restaurante Costes, na Hungria.

Depois de ter ganho a estrela Michelin para o Costes, voltastes para Portugal como sous chef porquê?

Miguel Rocha Vieira: Saí da Hungria porque estava muito cansado. Foi a abertura de um restaurante desde o zero, trabalhei dois anos, sete dias por semana e estava esgotado não tanto ao nível físico, mas mental. Vim-me embora em janeiro de 2010 e em Março ganhei a estrela Michelin. Ao mesmo tempo em Lisboa as coisas não corriam bem, não me estava a adaptar, porque vim como chef e passei a ser sous chef de outra pessoa com a qual não concordava e os donos do Costes voltaram a chamar-me e eu pensei se trabalhei tanto e agora há uma recompensa, devia disfrutar dela se puder.

De volta a Hungria, o teu objetivo agora é uma segunda estrela Michelin é isso?

MRV: Falava-se nisso este ano e mantivemos a estrela, mas o meu objectivo é continuar o trabalho que tenho feito, se isso é uma segunda Michelin não é o mais importante, não devemos olhar apenas para as estrelas, mas para os nossos clientes que vão e pagam e isso é o que me faz ir contente para o trabalho.

Qual é o teu prato preferido de confecionar?

MRV: Eu gosto muito de cozinhar peixe e marisco. Sou de Lisboa e na Hungria é um pouco difícil porque não há mar. Não tenho um prato de assinatura, mas prefiro cozinhar com esses ingredientes.

Qual é o prato que mais detestas cozinhar?

MRV: Não há nenhum prato que detesto cozinhar. Pastelaria faço menos.

Há uma pior experiência na cozinha?

MRV: Não, há altos e baixos, porque são dez anos de experiência, relacionado directamente com o ato de cozinhar, mas não tenho nenhuma.

Voltando um pouco atrás, tu não começastes na cozinha, estavas inscrito num curso de gestão hoteleira. Deixaste tudo para atrás e estagiastes numa serie de restaurantes de renome internacional, um deles é o Bulli, do chef Ferran Adrià, o melhor do mundo, como conseguistes lá entrar?

MRV: Eu tinha um amigo que me avisou que estavam a procura de um chef de primeiro ano, e foi assim que comecei. Foi depois promovido para subchefe na segunda temporada. Eu não estava no Bulli de Barcelona, mas sim no hotel de Sevilha.

Ferran Adrià devia ser muito exigente?

MVR: Muito. Desde o primeiro dia. Foi o mais exigente dos chefes com quem trabalhei até hoje. Não lhe escapa nada. Entras numa cozinha onde não estão a fazer caldos e não vês panelas a ferver. Avistas balanças pequeninas, é uma cozinha onde tudo esta composto. Tens de esquecer o que aprendestes até esse momento e começas a fazer tudo de novo, foi o que eu aprendi.

O que achas então da cozinha molecular?

MRV: Tem coisas interessantes. É bom estar a par do que se passa, ouvir determinados conceitos e saberes de que estão a falar, porque nos últimos oito anos a cozinha mudou radicalmente devido ao Ferran. Eu, especialmente não sou fã. Gosto da cozinha à serio.

Qual é então a tua cozinha de assinatura?

MRV: Tendo trabalhado em Inglaterra, Espanha e França tenho as bases todas dessas pessoas com quem trabalhei, claro que tento fazer as coisas à minha maneira e não esquecer que estou em Budapeste. Há um toque húngaro aqui e ali, é óbvio que não sou húngaro, o restaurante também não, nem nunca será. Trabalho por temporadas, com as estações, dou o merecido apreço ao produto o mais que posso. É uma cozinha simples, respeitando as proporções, e feita com carinho.

O que te faz falta nessa cozinha? Sei das dificuldades que sentias em termos de produtores agrícolas.

MRV: Comprávamos tudo fora. O foie gras húngaro era quatro vezes mais caro do que pagava em França. Ridículo. Agora os produtores vêm, mas é uma relação que demora tempo, eu ainda não falo húngaro após quatro anos. É difícil mostrar aos produtores o que pretendemos, eles têm a mentalidade de gerir o dia-a-dia, não se importam de estabelecer uma relação comercial, para eles esta tudo bem, porque vendera a sua produção hoje. É um processo que tarda algum tempo, tento mostrar o que queremos, o que estou à procura.

E o que estás à procura?

MRV: Produtos em que não tenha que esperar uma semana fazendo o pedido com antecedência para vir de fora. Gostava que me facilitassem a vida nesse sentido. Trabalho mais na base dos legumes, porque é o mais fácil. Peixe é escusado, porque não há. Há um porco húngaro com pelos, que usamos muito. Uso flores no menu, coisas que nasçam e possam ser confeccionadas aí.

Em termos profissionais vês-te mais uns anos na Hungria?

MRV: Sim, porque há um projecto novo, vamos mudar o Costes de lugar. Para o centro da cidade. A cozinha actual é numa cave, a comida é subida num elevador, o que me condicionada muito. Os donos perceberam, ao fim de 4 anos, que temos de continuar a crescer. Era necessário uma mudança. Encontrámos um sítio óptimo no centro da cidade, o projecto agora passa por essas novas instalações. Não posso deixar as coisas á meio. Estamos juntos no mesmo barco, por isso, nos próximos dois anos penso continuar na Hungria.

Gostavas de voltar para Portugal?

MRV: Gostava muito. Para Lisboa. Estou fora de Portugal há mais de dez anos e farto de andar de um lado para outro. Foram cinco, ou seis países e cinquenta mudanças de casas. Tenho saudades de estar com a minha família e os meus amigos. De ver o mar. As coisas normais.

O que podes dizer a alguém que deseja ser chefe? Não pensando em ganhar estrelas Michelin.

MRV: É uma profissão muito dura, em que quando toda a gente está de férias estás a trabalhar, não há natais, fins de ano, férias de verão, nem família, para estar neste nível de cozinha. São mesmo muitas horas. Tive largos meses sem ver o sol. Entras de noite e quando saís já escureceu. O teu dia de folga é passado a dormir, porque estás cansado. Se não há paixão, não vale a pena faze-lo. Existem outras profissões. Depois, os sete primeiros anos vão determinar a tua carreira, por isso é importante trabalhar nos melhores sítios, fazer um bom currículo. Não pensar em dinheiro, nem nos prémios. Tudo isso vem depois.

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