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Mulheres de armas

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Resultou de um conjunto de entrevistas que a jornalista Isabel Lindim fez a um grupo de mulheres portuguesas que fizeram parte das brigadas revolucionárias. Uma organização armada que pretendia corroer os alicerces da ditadura e acabar com a guerra colonial, visto sob o ponto de vista feminino, escrito por uma mulher e relatado por algumas destas heroínas anonimas da revolução.

Consideraste que era importante escrever "mulheres de armas", porque muitas vezes se ignora o papel das mulheres nos momentos mais marcantes da história portuguesa?
Isabel Lindim: A ideia de escrever o livro surgiu depois de começar a fazer entrevistas a intervenientes das Brigadas, de uma forma ou de outra envolvidos nas acções. Quando comecei a fazer a lista de possíveis entrevistas, com a minha mãe e o Carlos Antunes, surgiram logo imensos nomes de mulheres. Logo aí eu achei que revelava algo de diferente na organização. Falei com a minha mãe e de facto a forma como as mulheres participavam nas Brigadas Revolucionarias (BR) e no Partido Revolucionário do Proletariado (PRP) era diferente das outras organizações. Uma das entrevistadas tem um sobrinho editor, que sugeriu editar um livro. Eu achei que seria uma boa oportunidade para falar de dois temas pouco abordados, as organizações de luta armada em Portugal antes do 25 de Abril e o papel das mulheres nessas organizações. Tenho pena de não ter chegado a todas, foram mais as que estiveram envolvidas nas BR.
Achas que o facto de algumas destas mulheres continuarem a querer permanecer anónimas é o resultado de uma sociedade machista e opressiva que tendia a desvalorizar o papel da mulher na sociedade e que de alguma forma inconscientemente tudo isso ficou impreso e como tal continuam a não considerar que o seu contributo não tenha sido importante?
IL: Todas elas têm noção de ter tido um papel importante para a corrosão da ditadura e o fim da guerra colonial. O facto de três delas quererem o anonimato prende-se mais com as suas profissões com alguma exposição. Podiam passar a ser alvo de comentários desagradáveis. Não me parece que tenha a ver com machismo, também os homens entrevistados podiam preferir o anonimato. Não são mulheres que se deixem intimidar com juízos de valor.

Quando lemos os testemunhos quase ficámos com a ideia de que estas mulheres são de um outro país, que não o Portugal dos brandos costumes, parece quase irreal. Tivestes essa impressão, ou não? E se não, quais foram os teus primeiros pensamentos á medida que ias recolhendo estes testemunhos?
IL: Ouvir os relatos na primeira pessoa foi muito gratificante. Todas elas me surpreenderam, não só pelas acções em que participaram, de grande coragem, como também pelas mulheres que são e se tornaram. Professoras, médicas, produtoras, todas elas sem envolvimento político após a revolução. Isso revela que são pessoas especiais, que viram ali uma oportunidade de acção, de derrube da ditadura e fim da guerra. Á medida que ia fazendo as entrevistas ficava com uma ideia cada vez mais elucidada do ambiente da altura, do dia-a-dia. E depois tive outras surpresas, sobre factos da ditadura que já ouvimos falar mas só quando a fonte é na primeira pessoa é que ficamos bem com a noção daqueles tempos. Para te dar uma ideia das surpresas que fui tendo, uma das mulheres que chegou a Lisboa vinda de Moçambique em 1962 vestiu umas calças nos primeiros dias, porque estava frio, era em Novembro. Foi perseguida na rua e à porta do técnico, onde ia estudar, foi barrada pelo porteiro que lhe disse que ali só os homens é que podiam usar calças. Isso e mais um ou outro encontro com a força policial nas universidades foi suficiente para ela se tornar um dos maiores apoios às BR.
Em relação às BR, há algumas que impressionam, como a Joana II, que se finge de grávida e leva na barriga falsa um conjunto de bombas para colocar numa casa de banho do Ministério da Saúde. Ou a da Paula Viana, que teve que colocar uma carteira com explosivos junto a uma porta dentro do quartel, porque atrás dessa porta estava a lista de próximos soldados a serem enviados para a guerra.

A recolha dos documentos e dos testemunhos levou quanto tempo? E quais foram os maiores obstáculos que sentistes durante todo esse processo antes da escrita propriamente dita?
IL: A recolha de documentos começou há seis anos quando o Instituto de Ciências Sociais na Holanda se interessou pelo material de arquivo das BR e do PRP. O Carlos Antunes propôs-me ser eu a organizar o material e a digitalizar antes de enviar para a Holanda. Acabei por me juntar à Fundação Mário Soares nesta tarefa, que se revelou maior e mais complexa do que eu pensava, porque eles têm um excelente arquivo histórico desenvolvido pelo Dr. Alfredo Caldeira. Não senti grandes obstáculos, a não ser na recolha de um material que há muito procuro, os registos da rádio clandestina de Argel Voz da Liberdade. Eu sei que eles existem, porque faziam parte das escutas da PIDE e há excertos escritos em relatórios enviados ao Salazar, só não sei onde eles estão.

 


Continuas a receber algum feedback de mulheres que pertenceram as brigadas revolucionárias que te contactaram após a publicação deste livro? E o que te dizem?
IL: Um dos melhores feedbacks foi de uma das mulheres que depois do 25 de Abril foi para fora, para Moçambique, e que nunca tinham percebido a importância das BR até ler o livro. De resto, continuo em contacto com algumas. Todas gostaram muito de ver as histórias reunidas. Dia 8 vou com uma delas, a Laurinda Queiros, falar sobre o livro a Alcácer e Grândola.

 

E os homens o que pensam sobre estas "mulheres de armas"?
IL: Os homens que eu conheço, da minha geração, ficam surpreendidos com estas histórias. Os daquela altura acho que também ficaram surpreendidos com tanta coragem. Mesmo aqueles que ficam intimidados com mulheres de armas, escondem uma grande admiração.

Se a tua mãe não tivesse inspirado este livro, achas que o terias escrito?
IL: A minha mãe escreveu uma introdução que enriqueceu imenso o livro, ele não seria o mesmo sem aquele registo. Ela foi também essencial para chegar a muitas das mulheres ali entrevistadas, porque conseguia o contacto de pessoas que já não via há algum tempo. Não seria a mesma coisa sem o apoio e a inspiração dela. Leu sempre as histórias que eu ia escrevendo. Apesar de nunca as alterar, dava a sua opinião, que mim para mim é sempre importante.

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