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Os gajos do post-rock

Escrito por  yvette vieira ft ricardo graça

First breath after coma é uma das bandas revelação portuguesas de 2013, passados três anos e um novo álbum estes jovens de Leiria continuam a experimentar novos ritmos sonoros repletos de histórias para contar.

Porquê escolheram intitular o vosso primeiro CD “the misadventures of Anthony Knivet “ se não tem nada a ver com Portugal?
João Gaspar: Não tem a ver directamente com Portugal, mas acaba por ter, porque é um aventureiro inglês que é capturado por portugueses e afirma que foi um dos primeiros homens a usar um escafrando, a fazer alguns testes no mar para encontrar restos de tesouros em navios afundados e quase que morreu por causa disso. Depois foi para a Angola onde acabou por ser preso pelos portugueses, conseguiu fugir e depois voltou para a Inglaterra onde escreveu as desventuras de Anthony Knivet.

Mas, como passámos de um aventura de um inglês para um álbum?
JG: Para te ser sincero o álbum já estava quase acabado, mas fizemos as letras no final das músicas e nesse altura conhecemos essa história e achámos que era uma boa fonte de inspiração para os temas. O disco falava muito de uma viagem espiritual, submersa, o oceano e o escafandro em termos visuais sempre estiveram no nosso imaginário como estética. Achámos que ia bem com a nossa música, ficámos inspirados e decidimos escrever sobre isso, os temas não são sobre o Anthony Knivet, mas são paralelos a isso.

Nota-se no álbum uma temática ligada ao mar, em qualquer um dos vossos trabalhos.
JG: Sim, neste segundo disco também há música que fala um pouco disso. Nós inspiramó-nos na natureza em si e o mar tem uma mística, é tão grande e misterioso porque não conseguimos ver o fundo. Existe muita coisa que acontece no oceano que ninguém sabe, que tem uma certa magia, assim como, o céu, onde vemos um universo inteiro que não conhecemos e isso inspira-nos. A natureza entra na sala de ensaios, através de um monte e o rio que passa lá, mais do que irmos para a cidade, vamos sempre buscar material ao mundo natural.

Fala-me um pouco sobre a construção musical das melodias, porque acabaram de dizer que as letras vêm no fim. Vocês como banda, que se conhecem desde miúdos como constroem os sons em conjunto?
JG: No primeiro álbum fizemos os temas em jam, ainda continuámos a fazer isso no segundo trabalho, mas a rotina era chegar à sala de ensaios desligavámos os instrumentos, tocávamos em qualquer coisa e víamos o que saia, era uma cena que curtíamos, exploravámos a ideia até chegar a uma estructura base, a voz é feita ao mesmo que o instrumental, mas nunca pomos letra. São mais melodias vocais, ou dizemos palavras à toa e isso faz parte desse processo. Depois quando os temas estão concluídos e foi igual tanto no primeiro trabalho discográfico como no segundo, ouvimos e conversámos entre todos o que as músicas nos dizem, tentámos não fechar muito o sentido do tema, porque cada música diz-nos coisas diferentes, cada pessoa tem uma interpretação diferent. No fim disso tudo, fazemos uma letra que retrate esse tema, não é uma história que contámos, é algo abstracto, por exemplo, numa música transmitimos a ideia de alguém submerso e a frase vai complementar esse imagem.

E porquê em inglês? Foi inesperado? Ou foi mesmo pensado?
RG: Acho que nunca pensámos nisso, estámos juntos desde os 13 anos de idade e começámos com uma banda de covers. Tocavámos Nirvana, Joy division e tocámos sempre bandas anglo-saxónicas e não é porque não gostassemos de música portuguesa, sempre ouvimos rock cantado em inglês e nunca pensámos nisso. Depois quando começámos este projecto nunca chegámos a discutir a ideia se devia ser em português ou inglês. Foi natural.

Falando do “Drifter” vocês já referiram que houve um salto, mas quais são as principais diferenças?
João Marquês: Acho que houve uma grande preocupação de procurar sons novos, como copos a bater, cadeiras, coisas que parecem ridículas, mas que conseguíamos misturar para aparecer no disco, pelo menos para nós, resultariam em certas músicas, explorámos certos sons abstractos e conseguimos colocar isso nas músicas e foi uma das maiores diferenças.
RG: Foi como estava a dizer no primeiro álbum nos íamos para o estúdio e começávamos a tocar, neste é diferente, porque não fomos tocando, foi como o João estava a dizer, comprámos um gravador na altura e gravavamos sons no rio, cadeiras, ferro só por diversão, não pensávamos que íamos fazer um disco com isso, até gravámos os pianos de uns amigos nossos e um afinador deste instrumento, tentávamos com isso captar sons. Depois acabámos por usar isso, umas vezes no computador e surgiram ideias, as músicas não começáram numa sessão de improviso, nasceram de uma gravação de um piano, de um loop que depois aí sim tocando todos juntos tentávamos estruturar temas. As músicas vieram mais de experiências, neste álbum, do que tocar e ver o que saia.

E qual seria o tema emblemático que engloba tudo isso?
RG: Eu acho que o primeiro disco era conceptual baseado num personagem. Acho que sinceramente que no “Drifter” tentámos fugir desse conceito, o que foi importante neste álbum foram as experiências sonoras e tentar fazer músicas com bons sons, que gostassemos e com dinâmica. Quando acrescentámos as letras, as músicas ganham um significado diferente quando pões palavras vão direccionar para um sentimento, ou uma história qualquer e nesse aspecto todos os temas acabam por abordar que por mais que estejas num lugar pior da tua vida, não é propriamente do momento mau, mas sim que estas a recuperar para algo melhor, fala de esperança.

Tem também colaborações neste disco, como é que surgem estas parcerias?
RG: Foi naturalmente.

Já conheciam o Noiserv?
JM: Conhecemó-nos no festival bons sons.
RG: Ele viu um concerto nosso ainda nem tínhamos editado o primeiro álbum. Fomos ao Maxim, porque ganhámos um concurso e fomos tocar lá. Depois cruzamó-nos em vários concertos e surgiu em conversa uma possível colaboração, ele sempre gostou de post-rock e sempre se identificou muito com esse género. Como gostámos muito do trabalho dele, achámos que ia surgir algo fixe e aí surgiu a colaboração. O André Barros aparece primeiro, porque gostámos do trabalho dele e é excelente pianista, foi ouvir os temas e queríamos saber a sua opinião, ele ofereceu-nos uma faixa de piano que tinha feito para uma campanha e disse-nos que usássemos isso, tinha seis minutos e tentámos usar o sons e construir em volta disso uma música com os nossos instrumentos, foi o último tema do álbum e foi o de todos o que mais gostei. Era diferente do que tínhamos feito até ali.
JM: Neste disco sempre quissemos explorar muito a parte electrónica e nesse tema conseguimos mostrar muito isso.

É um álbum experimentalista?
RG: Até a colaboração com o André Barros e o Noiserv foi uma experiência. Nunca o tínhamos feito antes.

Estão à procura de um som específico vosso?
RG: Não.
Que defina o vosso estilo e que o público saiba que são os “first breath after coma”?
RG: Acho que isso acontece minimamente, são sons que nos entusiasmam e que nos dão inspiração. Se tiver ali uma porta a ranger e achámos que é um som brutal para fazer uma música acontece, mas também pode ser com uma guitarra. É sempre procurar alguma coisa nova e que nunca fizemos, como um tema a partir de um piano clássico e gostámos, porque para nós é mais importante ver como ficou o resultado e com isso abrir portas para novas sonoridades. Acho que vamos andar sempre à procura e isso é que é bonito. Odeio mesmo, e sei que é uma palavra muito forte, ser igual durante 30 anos. Eu prefiro uma banda que lança um bom primeiro álbum e depois durante anos faz maus discos com coisas diferentes, porque estão a tentar inovar e a arriscar, do que se tiverem uma linha constante, perde-se o entusiasmo não há nada de novo e não aprendes nada.

No “Drifter” há dois temas com a mesma melodia, mas um deles aborda uma embarcação japonesa.
RG: O Telmo nosso guitarrista fez uma viagem à América do Sul e leu um livro do Luís Sepúlveda,“ o mundo do fim do mundo” há lá momento que fala do “nisshin maru” que caça baleias ilegalmente e na história estes mamiferos juntaram-se todos contra o barco e vão contra ele, a embarcação náufraga e todos morrem ali. Quando ele voltou contou-nos a história, arranjou-nos o livro e acabámos todos por ler.
JM: Embora nem todos gostassem de ler. (risos)
RG: Lemos todos por curiosidade e mais uma vez por ser uma experiência, porque não estámos habituados a fazer música a partir de uma história e nesse caso fizemos isso. “Nisshin maru” é esse momento quando os japoneses se apercebem que as baleias vem contra o barco e tentámos recriar no nosso imaginário, em termos de sons, a chegada destes animais e quando vão contra a embarcação, se calhar não é tão óbvio assim, mas foi o que tentámos fazer.

Este álbum aconteceu graças a uma campanha de crowdfunding. Quando conseguiram a verba tiveram a noção que já existia um público e que isso estimulava o vosso trabalho?
JM: Nas músicas não, porque já tínhamos aquele trabalho todo.
RG: Nos tínhamos já as maquetes na nossa sala de ensaios, precisávamos de gravar, misturar, produzir, masterizar o disco, tudo o que envolve um álbum é muito dinheiro e no nosso primeiro trabalho foi mais um amigo faz um favor, outro outro e foi muito low cost, neste queríamos investir algum dinheiro e ir até um bom estúdio gravar e trabalhar com algumas pessoas, a única forma de consegui-lo foi através do crowdfunding. Ao início achámos que íamos conseguir, tínhamos essa esperança e depois a campanha estagnou a meio e pensámos que não ia dar e até considerámos uma alternativa mais barata, depois na última semana, o pessoal aguardou até o último momento, conseguimos a verba, até ultrapássamos o montante, gravámos na Valetim de Carvalho e fizemos tudo como queríamos. Estámos muito gratos as pessoas, elas receberam as suas respectivas recompensas e foi uma experiência muito fixe para nós, porque percebemos que as pessoas nos apoiam e ao nosso trabalho.

Vocês apelidam o vosso som de post-rock, mas é muito harmonioso e complexo ao mesmo tempo, é difícil transpor tudo isso para palco?
RG: O primeiro álbum era fácil, porque era o que tocávamos naquele momento. Este tivemos alguns desafios, já que, tinha sons da chuva, de pianos antigos, não conseguimos levar a chuva, ou um piano velho, mas há a tecnologia, conseguimos samplar e colocar no computador.
JM: São iguais as que ouves no disco.
RG: Foi se calhar um dos aspectos que mais receio motivou quando estávamos a produzir o álbum, agora, temos um mês para ensaiar para o concerto de apresentação e como vamos colocar isto tudo? Como passar tudo isto ao vivo? Se no álbum tens um determinado som tens de ouvi-lo em palco, eu não gosto de ouvir um disco com piano perfeito e depois ao vivo é digital, preferíamos usar o digital na mesma, samplámos o som do piano, a sonoridade é a mesma que esta no álbum.

Vão apresentar este ano um próximo trabalho?
Pedro Marquês: Ainda estamos naquela parte de juntar e fazer experiências na sala de ensaios.
RG: Estámos no final dos concertos, não estámos a ensaiar tanto e de vez em quando vamos para a sala de ensaios, mas não estámos naquele ponto de fechar-nos e vamos acabar as música, ainda estámos num processo relaxado, gravámos porque nos apetece.
JM: Durante uma hora ou duas fazemos a mesma coisa, mas não sabemos se será um disco, ou se poderá ser uma música, talvez.
RG: No segundo álbum tivemos este processo de tocar sozinhos na sala de ensaios de vez em quando, mas os primeiros temas que fizemos no final do primeiro disco, acabaram por não entrar neste segundo trabalho, porque íamos fazendo mais e mais músicas e esses primeiros temas tornaram-se piores aos nossos ouvidos. Acho que agora vai acontecer também, vamos fazendo, fazendo até chegarmos a um ponto que é mais ou menos isso que queremos para um terceiro álbum e são estas ideias que queremos

Quando estão a trabalhar sobre os temas é uníssono, ou discutem muito as músicas antes de as colocar no álbum?
PM: Também há muita agressão. (risos)
RG: Discutimos muito nem é por ter ideias diferentes, às vezes, pode acontecer, mas o que acontece é que debatemos a mesma ideia do vários pontos de vista, as vantagens e desvantagens, o que se pode fazer com isto. Neste segundo disco houve um tema que acabou por não entrar, porque estivemos a pensar sobre isto. Discutimos todos com calma e ouvimó-nos uns aos outros.

Isso acontece porque vocês se conhecem todos desde miúdos?
JM: Também, tem a ver com a maneira de ser de cada um de nós. Quase como irmãos.
PM: Como irmãos, como namorados, um pouco de tudo, já nos conhecemos há muito tempo. (risos)

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