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O pescador

Escrito por  yvette vieira fts sandra vieira

 

São Pedro é o último santo do mês de Junho e vamos acompanhar a festa em sua homenagem na localidade com o mesmo nome, no concelho de Santa Cruz, na Madeira.

Reza a lenda que à São Pedro foi erigida uma capela no meio dos canaviais na Ribeira da Boaventura, em Santa Cruz, mas de quando em vez o santo lá desaparecia do seu altar e as gentes locais organizavam buscas, com a cruz ao alto, em busca da sua imagem, que invariavelmente era encontrada à beira mar, como que perscrutando as ondas que batiam no rochedo. O povo estranhava tal fenómeno que não entendia, que chamavam de milagre, mas ninguém sabia bem de quê. Um aluvião de que não havia memória, no ano do senhor de 1803, desceu pelas montanhas e levou consigo tudo o que encontrou pelo caminho, inclusive a antiga capela. A piedosa população bem que procurou o santo inquieto, mas nada encontrou, e todos de semblantes carregados e tristes aceitaram o fatal destino marinho da pequena figura. Até que um dia, um pequeno grupo de pescadores avistou encalhado nas rochas um galeão de piratas, justamente no sítio onde o santo teimava em aparecer, e soou o alarme para a defesa em terra. Para grande espanto de todos a figura do santo aparecia bem visível no convés do navio, São Pedro tinha voltado para Santa Cruz. Reunindo toda a coragem que lhe era possível um pescador saltou para o interior da embarcação infestada de bandidos e trouxe o santo consigo são e salvo para a terra, entre gritos de alegria. Os piratas bem que tentaram reagir, mas estranhamente um vento impiedoso de súbito se levantou e o navio levou para bem longe da costa. E não tardou que o povo finalmente compreendeu a vontade do senhor São Pedro e reedificou a sua capela que se mantém bem firme no rochedo até aos nossos dias.

   

Passados 210 anos e 183 dias, no décimo nono dia do mês de Junho dão-se início as festas em homenagem ao santo pescador. Este ano a organização esta por conta de 27 mulheres, que desde Maio, em reuniões bem organizadas vão discutidos todos os pormenores deste evento singular, desde os adornos, as ofertas, as missas, as rifas para a charola com 200 ovos, a música, as barracas de comes e bebes e o trânsito, nada é deixado ao acaso. São finais de tardes passadas em galhofeira algazarra onde das mãos laboriosas das festeiras e dos muitos voluntários, no salão paroquial, vão surgindo as flores de plástico coloridas e são pintados os mastros para pendurar as bandeiras que serão içados no largo da igreja. Chegada a data tudo esta a postos para maior romaria que há memória em Santa Cruz. Uma tradição secular que começa na Fonte dos Almocreves, com a saída de um barco de papel recheado de frutas e vegetais da época, que será empurrado á força de braços até a beira-mar. Precedem a embarcação, as festeiras e o pároco, seguidas pelas autoridades locais, a banda de música que anuncia a chegada de romaria, o bailinho e os restantes romeiros que aderem a esta antiga tradição que surgiu com um santo fujão. Uma pequena homenagem musical a um emigrante devoto, que oferece todos os anos o maior donativo destas festas, dá início a caminhada que serpenteia São Pedro, desde o alto da montanha até o azul do mar.

 

 

 

 

A boa disposição reina entre os inúmeros caminhantes que avivam o percurso com cantigas dedicadas ao santo que dá nome a pequena localidade. Ao longo do percurso cruzam-se conversas, Egídia Ribeiro, uma das festeiras mais antigas, lembra que "desde pequena que me recordo do arraial de São Pedro, por isso, todos lutam e trabalham para não se perder, enquanto houver uma lombadeira haverá sempre festa". Riem-se em uníssono, embora nem todas são da Lombada. Odília Gouveia vai mais longe e diz que o que torna tão especial esta festa "é também o convívio onde todos juntos decorámos a capela, fazemos a charola e o barco que trazemos na romagem. É uma alegria, é isso que nos traz São Pedro". As festeiras mais jovens aderem com o mesmo entusiamo á tradição, porque como Carla Pereira refere " esta festa existe antes sequer de sermos paróquia. A capela foi feita em honra do senhor São Pedro e a tudo começou aí. Embora não seja o nosso padroeiro, porque no passado fazíamos parte de Santa Cruz, tentámos manter estes festejos. Muita gente luta com apenas boa vontade e sorrisos para por tudo de pé. Somos poucos, mas somos bons". Ao sabor do rebate dos tambores vai-se descendo compassadamente até a primeira paragem, a zona da Eira Nova, onde novos romeiros aguardam pela nossa passagem para se juntar à romagem, nas mãos trazem mais oferendas ao santo, notas de euro cosidas nas toalhas, animais e andores de bolos e vinho. Foguetes cruzam os céus para anunciar mais uma partida rumo à capela de São Pedro que não se avista desde o alto destas encostas pululadas de casas e pessoas.

  
Aos poucos como os afluentes que se juntam ao rio, a Eira-Choupana, Lombada, Lombada da Calçada, Rêgo e finalmente a Palmeira engrossam a longa fila carregando as suas pequenas embarcações de madeira e papel com as ofertas do povo para o leilão que terá lugar depois da missa. Pouco a pouco, passo a passo, entre passagens estreitas de uma estrada velha e esburacada, vamos avançando em direcção ao mar, ao rochedo que São Pedro escolheu para a sua pequena morada. No final, devotos e curiosos aguardam a chegada dos romeiros com as suas oferendas até a entrada do pequeno templo, onde uma pequena figura aguarda placidamente com o olhar posto no mar. E assim, começa a festa de três dias ao santo pescador.

 x Elucidário madeirense

Lendas da ilha da madeira e porto santo, josé viale moutinho

2 Comentários

  • Ligação de comentário Lina Seabra terça, 02 julho 2013 13:45 postado por Lina Seabra

    Agradeço a dedicação e colaboração de todos que connosco participaram de alguma forma de modo a que se fizesse uma festa tão bonita e que se mantenha a tradição por muitos mais anos. Um bem aja a todos e obrigada!

  • Ligação de comentário rosalinda domingo, 30 junho 2013 18:36 postado por rosalinda

    que bela reportagem ... faz sempre bem a alma quando ouvimos falar das nossas gentes e tradições

    viva a madeira e santa cruz

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