Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

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Os 4 mundos

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É o relato meio falado, meio sonoro, meio escrito de um ensaio para um espectáculo musical composto por Martín Loyato.

Quando entrei para o espaço do ensaio no Scat tive a sensação de invadir a privacidade de um momento, de uma descoberta, de um encontro entre um grupo de pessoas que tentavam estabelecer os parâmetros de uma linguagem universal, a música. Eles, quase indiferentes à minha presença dedilhavam os instrumentos, enquanto liam, trocavam impressões e estudavam as notas que iriam interpretar. É uma lição que ainda não esta de todo sabida, que é necessário compreender, memorizar e interiorizar para depois poder expressar através de uma melodia cadente com paladares de medio-oriente. Ao sinal de 1, 2,3, 4 começam a ecoar na sala os primeiros acordes de, “for free minds” de Martín Loyato, argentino, considerado um dos vinte compositores do novo século, num dos primeiros ensaios que coordena com os músicos madeirenses, Duarte Nuno, ao piano, Ricardo Dias, no contrabaixo e Jorge Maggiore, na bateria e repercussão. É o acertar de um compasso conjunto, um intimar sonoridades que vão ganhando força e consistência à medida que o tempo vai passando. A melodia segue um ritmo próprio, que é necessário respeitar, segundo Martín Loyato esta composição, “pode-se traduzir livremente como mentes abertas, mas também uso a preposição four em inglês que é quatro, por isso somos quatro músicos. Neste tema toco a flauta do Egipto que é muito difícil e para conseguir uma pessoa que montasse uma foi muito complicado. É também um tema onde uso computadores”.

A dinâmica das restantes composições obriga a um exercício mental mais complexo por parte dos músicos, é quase demasiada informação para dois espectáculos em apenas três dias de ensaios. Este é o segundo, um acertar de agulhas que se traduz em notas, nesse âmbito o compositor realça, “elegi temas que podíamos fazer em grupo e que gosto de tocar. É compartir algo que faço num outro lugar, a oportunidade é muito boa porque compartilho a minha música com outros músicos. Em Nova Iorque tenho o meu próprio quinteto e já nos conhecemos, gosto do desafio de tocar com pessoas que não conheço, depois os músicos aportam sempre algo. A música que escrevo não serve apenas para tocar o que escrevi, tem muitas partes em aberto para que improvisem, que toquem como queiram e dêem-me a sua voz de artistas”.

A conversa musical prossegue num ritmo distinto, inspirado na selva, sou transportada para a terra-mãe, o piano, o contrabaixo e a bateria imitam os sons do útero mais profundo de gaia, consigo ouvir os ronronar da floresta, das águas a correr apressadamente pelos ribeiros, de asas a bater em fuga e inesperadamente o som de uma flauta indígena embala os sentidos,  “healing the mother earth”, em português curando a terra-mãe, transita de um som quase tribal para uma sonoridade mais sofisticada que se dilui na distância, permitindo que cada músico encontre a sua voz, um deles é Jorge Maggiore, que afirma, “ gostei da música, identifico-me com ela, tive alguma dificuldade técnica em dois temas em termos de compassos irregulares, mas estou a apreciar bastante esta experiência”. Quando confrontado com as pautas, o baterista refere, “não é muito a questão da originalidade, é mais de um espirito que é cativante”. Daí o repto deste projecto musical inusitado, “há partes que são bastantes determinadas, temos de respeitar a escrita e outras muito abertas em que temos de usar mais a intuição, é necessária muita comunicação entre nós.  O desafio aqui foi manter o interesse na proporção certa em momentos muito abertos, em que tudo pode ser possível. É conseguir seguir uma linha narrativa interessante, para quem ouve e para quem toca, se for um tema de vinte minutos tem de ser interessante durante esse período de tempo, se assim não for não vale a pena continuar”. Duarte Nuno, o pianista também frisa, “é mais uma experiência, eu só concordei em faze-la, porque achei interessante”.

Nova paragem, entre um café e um cigarro, outro tema inquietante ganha vida nova, o “seaside tango”.  É mais uma barreira musical que se dissolve através de pequenas anotações pessoais, de curtas conversas entre determinados trechos que são repetidos uma e outra vez até a exaustão, até satisfazer os ouvidos e acalmar os espíritos mais exigentes. Cada um dos músicos procura domesticar as notas ao seu bel-prazer, Taka, tiki, tiki, taka, taka, taka, repetem para si próprios, mnemónicas sonoras que transformam em música improvisada que surge inesperadamente, é uma melodia segue um determinado alinhamento, mas que passado pouco tempo ganha uma personalidade distinta, os músicos dialogam entre si através de notas musicais e cada um faz ecoar a sua voz através do instrumento que toca. Trata-se de uma sonoridade mais quente, mais latina, Ricardo dias, o contrabaixo, explica, “é música que tem uma identidade, eu acho que as raízes argentinas estão muito presentes. Nos dias de hoje isso é muito mais importante que a música em si. No fundo como tem raízes tradicionais, ou de música do mundo, as dificuldades surgem porque é necessário entrar nesse tipo de linguagem. Com a globalização as barreiras são mais curtas, basta ver, estamos numa ilha com alguns metros quadrados e temos um homem que vive em Nova Iorque e que vem tocar numa ilhota. O mundo é um T0, essa proximidade, esse contraste com outros músicos a viverem mesmo ao lado e virem mostrar a sua música ao qual não estamos habituados é maravilhoso”. A experiência no jazz também ajuda continua, “é um processo e quando é bem feito temos uma comunicação extrema e é isso que se pretende com ele. Não no sentido radical, mas de proximidade e o jazz é isso. Tudo isso está presente na sua música, apesar de ter essa característica tradicional com esses ritmos dito latinos, há espaço para a improvisação”. E é deste modo, quase ao improviso que termina esta conversa musical, até o próximo ensaio.

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