
Sibéria. Terra quente, generosa, imensa. Desvendei alguns dos seus segredos no auge da juventude. Após tantos anos, ainda não acordei do sonho.
Sete da manhã. O avião da Siberian Airlines beija o solo da sua terra natal. Omsk, a segunda cidade siberiana, recebe-me com um sorriso. Longo e intenso! Sabe bem apertá-lo na alma e esquecer, por momentos, 20 horas de viagem, duas escalas (Frankfurt, depois Moscovo) e fusos horários. Viajar do Porto para a Sibéria não é fácil, mas a possibilidade de explorar este mundo desconhecido vale o esforço.
Afinal, o que se pode encontrar numa Rússia, para muitos longínqua e misteriosa? Exilados políticos, trabalhos forçados, neve eterna? Primeiro erro: Aqui não há sempre neve. Na Sibéria do sul, os verões podem ser tão ou mais quentes do que em Portugal. Estão 35 graus. O calor siberiano asfixia-me. Contudo, a ânsia de conhecer este local mágico é inexorável a caprichos meteorológicos.
Verde Omsk
Omsk é filha de dois rios: o poderoso Irtysh e o tranquilo Om. Há cerca de três séculos, as tropas do militar Ivan Bukhgolts construiram nova “casa” na confluência destas águas. Desde então, a cidade tem crescido a um ritmo estonteante, albergando actualmente dois milhões de habitantes. Os edifícios, com características de diversos estilos e épocas, conferem-lhe uma originalidade inquestionável. Basta percorrer a “Lyubinsky Prospect” (a Avenida do Amor) para me aperceber desse facto. Veja-se, por exemplo o Teatro Dramático de Omsk. Inspirado na Grand Opera de Paris, tem servido de exemplo a muitos dos teatros russos. Noutras áreas da cidade descubro, com deleite, inúmeros segredos fascinantes. A Catedral Nikolsky, com interessantes características de Barroco. A majestosa “Town Duma”. A fervilhante K. Marx Prospect.
Em 1950/60, Omsk passou a ser conhecida como a terra dos jardins e das flores. Bem merece. O impressionante número de espaços verdes cativa o meu olhar. Contemplo a beleza dos parques. Escuto o silêncio. Aperto o pulso à natureza. Inconscientemente, visto a minha juventude de múltiplos sentimentos oníricos.As diversas pontes que embelezam a cidade não funcionam apenas como meios de comunicação. São espelho de audácia em soluções de engenharia e de expressividade nas formas.
15:00. Entro a bordo do Mosckva -112. O barco segue as oscilações frenéticas do Om. Uma dança ritmada, quase um poema. Sim, o calor é intenso. Mas não provém apenas da atmosfera. Surge também do espírito siberiano. Segundo erro: os siberianos não são fechados. Quentes e generosos, possuem uma alma imensa.
Na fronteira do Cazaquistão
10:00. 34 Graus. A imensidão da planície “esmaga-me”. Os campos de trigo parecem infindáveis. Ao longe, bandos de pássaros oscilam nos ramos das árvores. O “Mar” do sul da Sibéria - os enormes lagos - fazem, por momentos, esquecer a temperatura elevada.
Estou em Isil`kul , uma pequena cidade a 20 quilómetros do Cazaquistão. Apenas algumas ruas são asfaltadas. A inexistência da água na maioria das casas obriga a população a ir às fontes comunitárias. É necessário ficar na fila. No calor intenso do verão. Na neve gélida de inverno.
Os vestígios do Comunismo ainda são visíveis. Habitações idênticas para todos. As mesmas lojas para o médico e para a peixeira. No entanto, os ecos do Capitalismo tornam-se cada vez mais audíveis. Sobretudo nos jovens. Vestem jeans. Compram Coca-Cola. São viciados em SMS. Os mais velhos, por outro lado, têm saudades de outros tempos. Assegura quem sabe, não sem uma ponta de tristeza, que antigamente se vivia melhor. O Governo oferecia, por exemplo, apartamentos ao povo. Agora, o único recurso é o crédito. Mas na Sibéria a melancolia não dura muito. Terceiro erro: este povo não é cinzento, conhece como ninguém o significado de diversão.
13:00. É tempo de piquenique. Na floresta, cobre-se o solo com uma manta. Prepara-se a salada. A carne para grelhar, chachliki. Distribui-se o pão. Sem esquecer as garrafas de cerveja - “Baltika”, do número 1 ao 9. E vodka, pois claro.Depois do repasto, surgem os banhos, a dança, as cantorias. É tempo de riso. Victor Hugo afirmou: “Rir é o sol que afasta o frio do rosto”. O frio ou o calor, não importa. Os siberianos sabem-no bem. Aqui a vida é grande. Literalmente. A natureza. O património. E, sobretudo, a alma. A alma de um povo que nunca deixa de sonhar!




