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A arquitecta de pontes

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Djanira Costa é o rosto do Gabinete de artes e desenvolvimento pessoal, em São Pedro de Moel, na Marinha Grande. Para além disso, é também mentora do projecto Interartes, uma ponte cultural que visa promover o trabalho de artistas portugueses no Brasil e dos artistas brasileiros em Portugal. Um projecto artístico que tem vindo a ganhar visibilidade em ambos os lados do Atlântico, graças ao amor que esta aquitecta carioca nutre pelo nosso país.

Porquê criar uma gabinete de artes e desenvolvimento pessoal em São Pedro de Moel?
Djanira Costa: Em 2009 eu era uma das gerentes de uma obra, tinha muita responsabilidade mais de 50 pessoas na minha coordenação, só que quando cheguei lá a obra já estava com um certo atraso e tive de trabalhar muito para colocá-la em ordem. Um dia ao fazer uma vistoria, ao baixar a cabeça pingou uma gota de sangue na calçada e aquilo foi como um acordar, ainda bem que aconteceu porque se não saisse aquela pinga eu não tinha decidido o que decidi. Pensei, isso aqui é a minha vida, estão tirando o meu sangue literalmente e não posso ficar dessa forma e então eu pedi umas férias ao meu chefe. Ele só me liberou em 2010 a meio do ano, pedi para outra pessoa ser relocada na obra e voltei para a firma com projectos mais tranquilos, na área de projectos, que é a minha. Decidi então fazer uma viagem e num lugar que me esvazie. Olhei para o mapa, o meu inglês é pouco, não sentia muita firmeza para estar num país onde se falasse essa língua e tivesse que ficar vinte dias, então decidi ir para Portugal. Foi conhecer Lisboa com fado no ouvido, parecia que estava em outro planeta. Então chegou a hora de conhecer a região centro e quando cheguei aqui me falaram de um lugarzinho meio escondido e diferente, São Pedro de Moel. Era um dia cheio de sol, os raios iam passando pelos eucaliptos e pinheiros e aquilo foi-me despertando uma coisa que não sabia o que era, me sentia livre e bem, porque no Brasil não temos esse tipo de mata e foi como se tivesse voltado para um lugar que já tinha conhecido. Não sei explicar porquê. Eu voltei com papel e aguarela debaixo do braço, ia para beira do mar e pintava. Bem passado vinte dias, estava na hora de voltar, mas quando cheguei ao Brasil sentia falta do cheiro do café, da mata que é muito especial, porque é o cruzamento entre a maresia e o cheiro do pinhal e tinha saudade. Decidi voltar em Dezembro e fiquei mais uns vinte dias, enquanto subia e descia, conheci uma menina que trabalhava numa loja, mas ia fechar. Decidi naquele momento ficar com o espaço, pensei, se dou meu sangue no projecto dos outros, porque não posso acreditar nos meus sonhos? Ao trabalhar para os outros o benefício é sempre deles, uma coisa é trabalhar para você e até pode beneficiar outros e isso foi muito gritante.

Mas, o gabinete tem uma componente de artesanato.
DC: No Maranhão, numa feira artesanal, conheci uma índia que fazia trabalhos com açai, sementes, que eram excelentes, porque tinha que levar para Portugal algo que mais ninguém tinha. Também conheci uma senhora, a Janira que me acolheu na sua casa, ela é artesã do capim dourado e eu queria conhecer as pessoas que faziam isso, o que aconteceu? Ela falou que podia ir até casa dela para me mostrar quem são as pessoas que fazem isso, eu falei também. E fui. Ela me levou para a sua aldeia onde todos se juntam, cada um com os seus materiais e fazem as peças, depois alugam um carro para levar as pessoas até à feira. São pessoas muito humildes, quando cheguei, de noite já tinha à minha cama pronta na sala, deitei e não vi a casa, nessa altura estava num período de trabalho de muito stress e estava realmente cansada por isso adormeci rápido. Quando acordei, olhei em volta e vi um chão de cimento batido, que chamam vermelhão, era uma casa com cozinha, ela dormia lá numa rede, as filhas dormiam numa cama de solteiro no cantinho, tinha geladeira e um fogão e uma mangueira lá fora. Eu chorei, porque essa mulher não me conhece e eu estou recebendo o melhor dela. Isso me emocionou e quando lhe perguntei onde podia tomar banho, ela falou que não tinha banheiro, mas podia ligar a borracha a partir do poço. A Janira ligou o motor e foi o melhor banho que tomei em toda a vida, eu senti que lavava à minha alma, quando saí já era outra. Era ficar na casa dela um dia e fiquei três. Pensei, eu tenho tanto, mas recebi mais do nada. Como me apaixonei pelo trabalho dela, comprei as peças, fiz as minhas contas e voltei para o trabalho. Depois tive que contar para os meus pais, meus irmãos e amigos que ia estar três meses fora, meu coração tinha palpitação, mas reuni todos e falei o que ia fazer e eles falaram como é que pode, você tem o seu trabalho, a sua família. A loja estava alugada e eu voltei para Portugal com todo o material e vendi tudo.

Então viste que podias ter uma vida aqui?
DC: Aqui é complicado fora do verão, eu tenho o estúdio onde vivo também. Então comecei em 2011 a fazer saraus para as pessoas conhecerem o espaço que continou em 2012. Então, decidi fazer algo para captar capital, recursos para pagar a loja e realizei chás e jantares da poesia e em 2013 já entrei com o terapia ocupacional que é uma outra área e em que acredito, acho que ser arquitecta é muito mais, mas é uma visão que tenho.

Quando começou o projecto Interartes?
DC: Em princípio do ano do ano passado, uma das pessoas que ajudava se apropriou do projecto dos saraus e começou a fazê-los de graça, a parceria implicava que houvesse um recurso financeiro para mim fora do verão, não posso gastar todo o dinheiro que ganho dos projectos como freelancer aqui, a arte é difícil para toda a gente, como estava insatisfeita decidi criar o Interartes. Eu conheci o Afonso Lopes Vieira e o projecto surge desse diálogo em que ele me disse para fazer algo em grande, conheci também o Rui Mendes, em Coimbra, que acionou as pessoas ligadas as artes e como ele passa férias em São Pedro, me cedeu os seus contactos, me disse para ir em frente e fazer isso no Brasil. Tive de montar tudo do zero, em todos os lugares, contactar essas pessoas, mas quando as portas se vão abrindo e você já tem uma brecha vai passando. Num determinado momento encontrei na internet uma pessoa chamada Zan Quaresma, que é um arquitecto de São Paulo, ele era amigo de amigos meus arquitectos e falei do projecto, enviei todo o material sobre o Interartes, como ele fazia parte do sindicato dos arquitectos de São Paulo, então me convidou para fazer a exposição na sede. A casa tem história, foi dos obreiros ingleses que vieram fazer a estação da Luz na capital Paulista, quando a vi fiquei maravilhada, o público e os arquitectos foram maravilhosos e então apresentei lá os artistas portugueses.

 

 

Quantos artistas levastes?
DC: Foram quatro, a Fátima Spínola, Carlos Reis, Gama Diniz e a Sónia Santos. Os trabalhos foram com segurança e a exposição teve muito sucesso. O Interartes veio para unir as pessoas e conhecer outras, uma dessas pessoas foi o secretário de cultura do meu munícipio, eu falei que gostaria que as crianças vissem este projecto e como se pode fazer melhor, não é só olhar e botar na parede, fizemos outra mostra em São Gonçalo, no Rio de Janeiro e ficámos lá um mês. Em 2013 resolvi fazer o Inteartes com artistas brasileiros, com trabalhos meus, do Gutemberg Coelho, Luíz Hazediaz, Márciah Lubedin Campos e Marcos Paulo Barbosa, que foram apresentados no restaurante nacional, através da iniciativa "arte e mesa", em Coimbra e em Alcobaça, foi na biblioteca municipal local.

Agora estas em fase de selecção?
DC: Sim, também, mas o edital esta pronto. Como tenho muitos trabalhos e na verdade São Pedro de Moel ficou pequeno, não posso ficar só aqui, então tenho ido para Lisboa à procura de locais também. Já fiz dois contactos, para criar o Interartes na capital, porque isto não para.

Então continuas entre o Portugal e o Brasil e vais fazer o interartes em Lisboa.
DC: Sim, mas o inteartes Lisboa é só em 2015.

Vai ser só com os artistas do Brasil?
DC: A minha ideia é que o interartes juntasse todos os artistas. Mas, tenho que ter espaço para isso. Tenho de estudar como isso teria de ser feito, eu falo com muita gente, mas eu sou uma brasileira, uma estrangeira no mundo deles. Falei com o secretário da cultura da Marinha Grande, mas ele disse que os saraus tem de ser feitos através de uma associação, aí você contacta essas entidades, mas eles só querem se auto-promover e isso já não ajuda. Então, estou a ver outros moldes, eu sei que a minha missão é muito grande, eu encaro assim, é uma força maior que eu. Então, em Setembro vou para o Brasil, mas só depois da copa, porque as pessoas estão muito focadas nisso, o país esta parado, vou levá-los numa altura em que as pessoas estejam disponíveis até mentalmente para olhar, examinar e comprar o trabalho dos artistas. A repercussão do interartes 2013 foi muito grande as pessoas vinham e diziam para mim que tinham antepassados portugueses e a mesma coisa de lá para cá, olhavam para os trabalhos dos artistas brasileiros e lembravam dos lugares que visitaram no Brasil, é um resgate de memória, é poder propiciar um momento as pessoas. Eu gosto dessa leveza do Interartes, porque fazer a diferença é conversar com as pessoas.

https://www.facebook.com/ProjetoInterArtes?ref=hl

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