
Alice Sousa define-se como uma judia errante pelo mundo. O seu percurso reflecte todos os lugares por onde passou, as pessoas que conheceu, os escritores e as palavras que lhe preencheram os dias de saudades da sua terra natal e os amores que se perderam nas vagas da memória. Uma obra que, é uma viagem permanente pela sua inquietação pessoal.
A exposição águas do tempo tem uma forte componente poética e andorinhas. Há uma ideia de errância subjacente?
Alice Sousa: É possível. Eu sou uma pessoa muito inquieta. Nisso tenho uma afinidade com a Guida Vieira. Nós trabalhámos juntas, no atelier do Lido, até 2000 e a nossa empatia era sobretudo, porque havia uma inquietação dentro de nós. Tentámos sempre apaziguar esse sentimento uma com a outra. Eu realmente fui uma judia errante pelo mundo. Estive na Bélgica, na Venezuela só de passagem e vivi no Brasil, no Rio Grande do Sul. Ficava a uma grande distância do Rio de Janeiro, eram 36 horas de autocarro. Nesta minha actual fase da vida, em que estou num ciclo descendente e não quero parecer pessimista, eu escrevo para os amigos que já partiram, os poetas que eu amei e amo, as viagens que já fiz por esse mundo e que também já não as posso fazer por questões pessoais. Eu gostava de tudo isso e talvez isso se reflecte na minha pintura.
Esta exposição é acompanhada por música de Chico Buarque, porquê?
AS: Bem, o Chico Buarque foi estudante de arquitectura e colega do meu irmão, havia um coro na faculdade e eles montaram uma peça chamada “liberdade, liberdade”, da qual fazia parte o Paulo Autran já falecido e a Lígia Fagundes Teles, que também era muito boa actriz. Era um espectáculo extraordinário, interrompiam os actores para aplaudir e a música era de Chico Buarque. O gira-discos também me liga à Guida, porque eu bombardeava-a com música dele. Ela tinha que ouvir e tanto ouviu, que foi dela a sugestão de colocar música durante a exposição. Era um “massacre”.
O Brasil está sempre presente na sua obra? Nos seus trabalhos anteriores isso reflecte-se de certa forma no traço, nas cores fortes.
AS: Sim, sabe, eu fiz o quarto ano de pintura no Porto. Pedi a equivalência quando fui para o Brasil, fiz o quinto e só no sexto ano é que me formei. De modo que, na universidade gostavam tanto de mim, porque tinha escolhido aquele país para estudar, que em detrimento da minha formação, deixavam-me fazer o que queria.
Porquê o Brasil então para estudar?
AS: Da Bélgica, estive brevemente na Venezuela e lá fui até à sede da universidade e um professor espanhol disse-me que: aqui não vai aprender nada. Vá para um lugar que tenha convénio e também porque, o meu pai adorava o Brasil, a sua maneira de ser como povo. Eles são extraordinários, depois de ganharmos a confiança deles.
A viagem aparece através dos pássaros que aparecem nos quadros?
AS: Sim, os pássaros já vêm do Porto. O mestre Gomes dizia que estávamos na época das asas. Penso que tem a ver um pouco com o regime da altura, que era bastante opressivo. As viagens também surgem, porque provém de uma exposição programada pela cooperativa árvore.