
Daniel Teixeira mostra o que sente através de uma forma de expressão efémera e isso não o incomoda, a banalidade sim. Faz parte do movimento de arte urbana que clama pelas ruas da cidade. Pelas suas paredes e seus destroços. É um artista que aborda o ser humano nas suas pinturas em stencil. Procura entre milhares de rostos, aquele que mais está marcado pela vida e captura cada uma das linhas dessa face, porque elas contam uma história. A deles.
Quando desenhas os rostos, noto não só uma aproximação à realidade, faces hiperealistas, parecem fotos, como também que na sua maioria são pessoas com expressões de tristeza, sérias. Onde procuras estes rostos e como os escolhes? Tiras fotos e depois desenhas? Procuras chocar para chamar à atenção?
Eime:Talvez as pinturas mais recentes se aproximem bastante da fotografia que me serve de base, mas não gosto de chamar hiper-realismo ao que faço, porque não o é. O que procuro cada vez mais são os pormenores da imagem e da fotografia, mas sempre com uma expressão artística própria da técnica de stencil ou seja, ao cortar um stencil gosto de deixar linhas retas, o que acaba por não ser natural numa cara. Não é muito fácil explicar por palavras porque até eu ainda estou a ser levado pelo momento e a aperceber-me disso em cada novo trabalho. O termo hiper-realismo deixa-me desconfortável porque nunca foi esse o meu objetivo nem continua a ser, mas o que é certo é que, quantos mais layers e pormenores uma cara tiver, mais se irá aproximar do real. Continuo a querer contrariar aquelas mentes que acham que usar stencil como técnica de pintura é apenas para conseguir pintar mais facilmente uma imagem e isso sim, deixa-me “hiper” desconfortável.
Para criar uma nova peça, pesquiso imagens na net, em diversos sítios e por norma tenho uma regra, num conjunto de caras, aquela que me chamar mais à atenção é a que guardo. Penso sempre que, se num movimento rápido de olhar aquela imagem pequena me captou a atenção, certamente que irá resultar quando aplicada, ou num papel ou em parede, numa escala maior.
Uma cara sem expressão não tem interesse, tem que haver sempre alguma coisa que te atraia e te prenda o olhar por alguns segundos e, com as caras das pessoas mais velhas, principalmente com bastantes rugas isso é um forte ponto de partida e uma cara triste é mais intensa que um sorriso, por maior que seja. Esse foi um dos meus objetivos quando retomei o stencil, em 2008.
Começastes nesta arte por ser um acto rebeldia? Ou como forma de expressão? Pintas de dia ou de noite? Em que altura te sentes mais à vontade?
E:O inicio destas andanças urbanas foi com o graffiti, já há uns anos valentes e apesar de não estar a passar por uma fase muito boa, a nível pessoal, nunca foi um ato de rebeldia ou de querer ir contra isto e aquilo. Sempre foi como necessidade de me exprimir pelo meio que melhor conseguia, ou se preferirem, artisticamente.
Basicamente não tenho hábitos, no que respeita a pintar de dia ou de noite, ou porque estou mais ou menos inspirado, não. Quando são trabalhos pessoais, em casa, pinto quando me apetece, seja apenas 1h ou 8h seguidas. Varia bastante porque, quando tenho tempos certos para terminar uma pintura, se tiver que estar 20 horas seguidas no mesmo espaço a trabalhar, é sem problemas porque, para além de não conceber a ideia de deixar um trabalho inacabado, gosto bastante do que faço e o resultado final acaba por compensar o esforço.
Para além do pincel, já explorastes outros materiais? Quais? E porque não exploras mais as tintas em spray?
E: O spray para mim, até a nível profissional como cenógrafo, é a tinta de eleição por ser perfeita para quase todas as superfícies. Para o stencil já não o uso por diversos motivos e o que não gosto principalmente é pelo brilho que deixa, seja em que superfície for. É sem dúvida mais rápido de pintar mas não me permite obter alguns efeitos. Os pinceis tem sido os meus melhores amigos, apesar de há uns anos atrás os detestar fortemente. O uso e a prática permitem um melhor conforto e nunca se sabe quando é que volto ás latas de spray. A mudança faz parte do meu processo criativo e nisso não quero impor limites.

Não te preocupa que a tua arte seja efémera? Que ela desapareça quando a parede cai? Ou o edifício é demolido?
E:Não, de todo. Eu como consumidor visual aborreço-me quando vejo a mesma imagem no mesmo sitio durante bastante tempo, não só as minhas pinturas, estou a falar a nível geral, desde os graffitis aos cartazes de rua, ás montras das lojas, ás cortinas das casas, etc. De qualquer forma a arte urbana sempre foi efémera, é uma característica que penso que não virá a ser modificada com o passar dos anos.
Consideras o que fazes parte de um movimento de arte urbano? E porquê?
E:O stencil é uma vertente da considerada arte urbana, por isso sim. O que faço não é graffiti nem nunca será porque considero que existe, o graffiti e depois a arte urbana que engloba o stencil, os stickers, posters e instalações. Seja em parede de rua ou em papel, uso uma técnica de arte urbana para a realização dos meus trabalhos de pintura. Apesar de já não intervir de forma “ilegal” nas ruas, não deixo de me considerar um artista urbano mas sinceramente não o sou na totalidade. Foi uma opção que tomei há uns anos mas nunca abandonei a hipótese de regressar.
Sentes que és discriminado no meio das artes pela forma como te expressas, em paredes?
E:Até agora não senti nada, talvez porque desde há uns 5 anos no mínimo, houve um crescente interesse mundial pela arte urbana. Cada vez há mais festivais, encontros, concursos e tudo isso ajuda-nos a sermos mais respeitados como artistas ou criadores.
Na tua próxima exposição o que vais mostrar e que mensagem queres passar?
E:Em Novembro vou ter duas exposições individuais, uma delas no Porto, no dia 5 e outra na minha cidade natal, Caldas da Rainha, dia 19. Foram duas exposições a convite e que obviamente não posso nem quero recusar. A do Porto contará com mais trabalhos, apesar de ser num espaço pequeno inserido numa loja de tatuagens, a Monsters Family.
Em ambas vou apresentar, desde trabalhos de 2009 até alguns criados já este ano, mas que ainda estavam à espera de hora e lugar certo. Eu faço sempre questão que os vejam ao vivo e agradeço que o façam porque nas minhas pinturas existem muitos pormenores, seja nas caras como nos efeitos, por norma, nos escorridos que faço. Ganha logo outro impacto vendo ao vivo.
Como será o futuro desta arte? Será mais organizado? ou seja, através de mostras como o Gau?
E:Tudo leva a crer que sim. Como já referi, cada vez se aposta mais nas mostras ao vivo de pintura, o que também permite que os comuns cidadãos que não estão atentos a este tipo de arte, se deparem com ela e a compreendam, ou pelo menos existe essa possibilidade para o fazerem. Apesar de todas estas organizações, uma coisa que não acredito mesmo que deixará de existir será o graffiti puro e duro. O que eu chamo de graffiti verdadeiro, o ilegal, impulsivo e que cria toda a adrenalina.
Por um lado acho perigoso este crescente interesse pela arte urbana porque pode-se tornar numa coisa banal e da moda, o que acho que já o é. Muitos meios de comunicação, e não só, já transformaram esta arte em algo comercial e facilmente vendável. Isso como em tudo, tem os seus prós mas acredito que os contras serão os que mais danos causarão quando tudo acalmar porque algo “mais apelativo” surgiu.
Daqui a 10 anos quem será o Eime como artista?
E: Felizmente não sou o Daniel que há 10 anos atrás pensava que seria, por isso, vivo e planeio o meu futuro com curtas distâncias para não me iludir.De qualquer forma, daqui a 10 anos espero não ser o mesmo Eime, as mudanças precisam-se e só fazem bem.
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