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Memórias de infância

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“Auoa handmade” é um conceito de design inovador que recupera alguns do ícones mais tradicionais da ilha da Madeira, transportando-os para os objectos do quotidiano. É resultado de uma parceria entre o designer Nelson Henriques e a artista plástica Luísa Spínola que recupera as memórias de um imaginário que se vai perdendo no tempo, mas que é retomado com muito empenho, amor e dedicação.

A base deste projecto é aplicar um design mais moderno aos ícones da cultura madeirense. Como é que tudo isso começou?

Nelson Henriques: O projecto tem três anos. A ideia é recuperar a nossa tradição de uma forma mais contemporânea. Procurámos apenas o que era nosso, exclusivo da ilha, nomeadamente as bonecas de massa que eram vendidas nos arraiais madeirenses e que caiu em desuso até porque a senhora faleceu a já algum tempo, embora haja algumas iniciativas das casas do povo e juntas de freguesia para manter esta tradição tal e qual. Nós adaptámos esse conceito em outro tipo de materiais para imanes, pregadeiras e chaveiros.

Luísa Spínola: O projecto não engloba apenas o pegar nas ideias que existiam, mas mantivemos as cores, fizemos uma simplificação formal da forma para adequa-la a um público mais actual e que tivesse gosto em usar aquele produto no dia-a-dia, sem deturpar a essência desta tradição.

Mas, criaram outros tipos de bonecas?

LS: A boneca tem uma forma diferente da original. Mantivemos as cores, a linha e o aspecto, mas é um produto mais contemporâneo.

NH: Tivemos de fazer essa simplificação até porque era impossível transpor a versão de massa, que vai ao forno e muda de cor depois do cozer.

Mas, o vosso trabalho aborda outras tradições.

NH: Sim, também criámos outras colecções. Na série dos trajes típicos, temos a Maria do Campo e o Zé Bruzelo, que é também uma simplificação da indumentária tradicional, que vemos nos ranchos folclóricos…

LS: Nas vendedoras de rua e de flores. Pesquisámos o traje típico e a sua origem e depois tentámos a partir daí individualmente traduzir todas essas referências numa linguagem poética, de design.

NH: A colecção de flores endémicas da Madeira é outra das colectâneas que criámos, baseadas nas plantas e na flora da região. Utilizámos também um material diferente e aplicamos essa ideia à uma série de produtos.

LS: Possuímos também uma colecção em homenagem as mulheres. As vendedoras da rua que comercializam os produtos agrícolas na cidade, como por exemplo, a marcela, os espigos, os tabaibos. Identificamos as figuras com nomes que já caíram em desuso, é a Filomena, a Lurdinhas, a Mariazinha e a Bernadete. Elas transportam consigo, essencialmente na cabeça, os frutos da terra. Prestámos uma homenagem a essas mulheres que além de estarem em casa, plantam e colhem ainda vêm vender o resultado desse esforço. É uma mais-valia, essa mulher que se esforça, a colecção intitula-se poio.

Qual das colecções tem maior aceitação junto do público?

NH: As bonecas de massa, porque é um ícone dos madeirenses, não de uma geração mais recente, mas que as conhecem através dos arraiais da Madeira.

LS: Os estrangeiros gostam mais do traje típico. As bonecas de massa é o recuperar de uma memória, para o madeirense faz sentido. Os estrangeiros também gostam delas pelas suas formas e pelas suas cores. Mas, preferem os bonecos com a indumentária tradicional porque é o que associam quando cá chegam. Muitas vezes noto que compram as flores, apesar de ser um conceito mais trabalhoso, mas minucioso, gostam do tema e como são endémicas, eles levam, porque é uma lembrança única dessa passagem pela ilha.

NH: Todas estão identificadas com os nomes científicos. Temos toda essa preocupação. Contactámos um biólogo para as identificar e a partir daí avançámos para a produção. Futuramente pretendemos lançar outras espécies, outras flores. É, contudo, um projecto que ainda está na gaveta.

O nome que escolheram para o vosso conceito é inusitado. O que significa?

LS: Em madeirense diz-se “auoa” como sinal de admiração.(risos) Decidimos recuperar esse vocabulário. Nós fazemos questão de algumas coisas no nosso trabalho. Primeiro, é tudo feito à mão, não mete máquinas. Depois são memórias e lembranças que remetem-nos para a identidade madeirense. É esse nosso propósito.

NH: Aliás tudo é feito com amor. Quando iniciámos este projecto não sabíamos no que ia dar. Tudo surgiu de uma ideia, que eram as bonecas de massa e a partir daí fomos criando um compromisso.

LS: É o prazer de fazer. É claro que grande parte do produto da venda é para a equipa que o faz. Para as pessoas que trabalham connosco, é comércio justo. Mas, o prazer de criar as peças não tem preço, é isso que nos une e faz a diferença. Tudo é cuidado, é feito com carinho e transpira para cá fora. Só alguém com muita paciência e que retira desse gesto um grande prazer consegue fazer detalhes tão pequeninos e com tanta minucia.

Antes de criarem as colecções têm o cuidado de fazer uma pesquisa de materiais?

NH: Sim, nesta última colecção nota-se mais esse aspecto, embora nem todas tenham esse cuidado. Para as pregadeiras, os chaveiros ou os ímanes temos que adequar o material à sua função. Criámos uma série para o vinho madeira, que vai ser relançada no dia 27 de Outubro numa loja de artesanato contemporâneo, para o efeito tivemos de procurar diferentes filtros de diferentes cores, porque não encontrávamos os tons ocres, vermelhos e acastanhados adequados.

LS: Tivemos de fazer uma pesquisa de aproximação à realidade. Ao aspecto da uva. Temos uma grande preocupação com esses pormenores, porque achámos que faz a diferença.

Quantas pessoas fazem parte da vossa equipa?

NH: São sete pessoas. Nós desenhámos e comercializamos as peças. Até fazemos os nossos protótipos, experimentámos materiais que a priori não são os mais adequados.

LS: Quando se saí do padrão é que nasce a inovação. É desse click que surge algo novo, senão fazíamos tudo igual. O projecto também tem uma vertente social, as pessoas que trabalham connosco estão desempregadas. Elas fazem isto como um complemento financeiro. É uma ajuda.

NH: Ainda não vivem deste projecto, mas é algo que pretendemos que cresça.

LS: Sim, queremos levar as bonequinhas de massa a todo o mundo (risos).

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