Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

h facebook h twitter h pinterest

O arquitecto das ideias

Escrito por 

Miguel Palma é um artista conceptual. Ele é possuidor de um léxico próprio que se reflecte na sua obra. Desenvolve projectos artísticos que nos obrigam a redimensionar a nossa visão sobre uma ideia. São instalações, que traduzem um raciocínio empírico sobre um objecto. São vídeos que nos contam uma história alternativa engendrada pelo artista. São esculturas que reconstroem uma imagem do quotidiano.

Um dos aspectos que está sempre na sua arte é a tecnologia, o lado mais industrial do mundo, porque escolheu essa vertente para as suas instalações e em tudo o que faz?

Miguel Palma: A parte visivelmente mais técnica deve-se ao facto de eu ter uma fascínio pela construção e por aquilo que é pensado e projectado.

Mas, é o que está por detrás dessa mesma construção, o raciocínio, ou é objecto em si, os materiais, que o atraem?

MP: Em primeiro lugar, começa antes da imagem. É um trabalho que tem início na instalação. É por esse caminho que inicio o desafio de construir máquinas, automóveis e objectos mais ou menos funcionais. A minha paixão por uma aprendizagem científica que acaba por não existir, porque é tudo muito empírico. Trabalho com pessoas que sabem sobre o assunto, e que me ajudam nesse sentido. O trabalho do lonarte é uma representação técnica muito estruturada de uma paisagem invertida. Está na vertical, não na horizontal, não se vê muito bem, porque era assim que era suposto apresenta-la.

Porque o porto?

MP: É o local do encontro, da comunicação, antes de ter um porto, as embarcações atracavam na baía. Havia botes que transportavam as pessoas e as mercadorias até terra. Foi necessário construir um porto para a entrada e saída de navios. É à partida uma primeira porta de comunicação.

Mas, porque escureceu uma parte? De noite não há movimento nos portos.

MP: Mesmo nos navios que param, há sempre alguém a dormir num barco. Não? (risos) Ali, o escuro, tem uma conotação do dia e da noite, o limpo e o sujo. Nesta obra decidi abordar a ideia abstracta de uma construção naval, da tradição portuária. Todo este trabalho, embora não pareça à primeira vista, eu diria que, se não o conhecesse, é de um passado e um presente. Tem esse lado de uma relação que a Madeira tem o mar.

Procura sempre criar essa dicotomia nas suas obras?

MP: Eu realmente não sei e ainda bem, porque se soubesse mais, acho que não fazia tanto. Acho que estava quieto! (risos)

Acha, porquê?

MP: Eu acho que quanto mais sabemos, mais precaução e cuidado temos.

Em termos de arte, é disso que se refere?

MP: Não sei se o que faço é arte, porque eu sinto exactamente o contrário. Eu penso muito nas minhas coisas, mas há um lado de coragem, que não é nenhuma. É um andar para frente, de pensar, de surpreender e surpreender-me. Ser mais do que foi antes e tudo isso me faz avançar.

Sente isso quando termina uma obra, ou desde o inicio da criação da instalação?

MP: Sinto isso desde que acordo até quando me deito. Completamente!

Os meios que usa, o vídeo, a escultura e as instalações são muito contemporâneos.

MP: Eu tenho um armazém de lixo em casa. Eu tenho pessoas que encontram coisas para mim. Sabem o que me interessa, desde brinquedos até objectos adquiridos em bric a brac, ou antiquários. Eu dou temas e eles procuram. Depois vejo se me interessam. Eu colecciono uma espécie de alfabeto, já há muitos anos. Tenho um banco de imagens. Vivo com as coisas e elas estão no meu léxico.

Então como acontece esse processo? É uma frase ou olha para o objecto e cria a partir daí?

MP: É as duas coisas. Se calhar há uma terceira que não me estou a lembrar, há uma grande mistura de histórias.

Gosta de saber a história dos objectos, isso ajuda?

MP: Sim, algumas vezes. Agora ando atrás de um álbum de fotografias sobre um português que fez uma viagem entre Lisboa e Copenhaga em 1932, antes de Hitler entrar no poder e antes da guerra em Espanha. Ele fez uma travessia com uns amigos, era médico e a sua história é linda. Encontrei cartas que ele escreveu à Morris, a marca, onde ele descreve a sua experiência com o carro, o que tinha achado bem e mal e as alterações do automóvel ao longo do percurso. A partir deste relato posso construir uma história.

Vai construí-la como?

MP: Para já é preciso dinheiro. Mas, ultrapassado esse constrangimento, a ideia é fazer a mesma viagem num automóvel e levar no reboque o modelo idêntico do carro original, eu vou passar pelos mesmos sítios que o álbum da altura mostra e registar essa segunda viagem, um segundo álbum, um diário fac-símile oitenta anos depois.

Está neste momento a desenvolver um novo projecto artístico fale-nos sobre isso.

MP: Tive um convite para uma peça de arte pública em Liverpool. Está numa fase de estudo, mas tudo indica que será feito. Não conhecia bem a cidade, compreendi que foi bombardeada de uma forma brutal na segunda grande guerra e quando se passeia pelas ruas, as pessoas não tem consciência de que os edifícios novos ocupam o espaço deixado pelos prédios antigos, foram bairros inteiros que desapareceram do mapa. Portanto, não tem nada ver com o trabalho que vou fazer. O tema é sobre contentores. É um projecto de arte pública, o P28, que tem feito mostras em Lisboa, Alcântara e no CCB, desta vez pretendem mostrar o meu trabalho na bienal de Liverpool. O meu vai ser transformado num grande aspirador, com uma capacidade de aspirar o ar e de o fazer passar sobre um filtro muito grande, de 2,40 metros de altura por 2,40 metros de largura. Nesse filtro existe o desenho da cidade de Liverpool e zonas por onde o ar passa e que deixam manchas ao fim de umas semanas. As partículas que ficam projectadas vão construindo uma espécie de pintura nova. Vão limpando a cidade.

É uma visão também ela ecológica?

MP: Também. Estou a limpar a cidade de uma forma parva. Durante 3 meses com a quantidade de metros cúbicos de ar que são filtrados, calculando a área da cidade, eu limparia se tudo aquilo fosse fechado e não houvesse vento, cerca de 8% da cidade. Com uma máquina que, por sua vez, tem ventiladores que gastam electricidade, por outro lado, estou a poluir. É difícil limpar, sem sujar. Fazer as coisas, sem magoar. É um conjunto de contradições inevitáveis.

Isso também é visível num projecto que desenvolveu nos EUA.

MP: Eu tenho feito uma série de residências desde de 2007. Esta vai ser a quinta ou sexta edição em que participo, é um local onde as pessoas partilham as suas experiencias.

São residências de que tipo?

MP: São residências artísticas, são lugares para onde o artista é convidado, trabalha, constrói ou não, faz o que entende com o seu tempo e normalmente, no final, faz uma exposição. Neste caso há uma conferência sobre o deserto, em Arizona, entre Setembro e Outubro, e eu tive um convite da universidade local para trabalhar sobre este tema. Com essa perspectiva, imaginei um carro de combate que filma o deserto e traz essas imagens para a cidade. É um lugar infinito. No Arizona, as pessoas não convivem por causa do calor. O sol pode atingir os 50 graus célsius, os habitantes locais vivem dentro de casa com ar condicionado. Não há uma vida social intensa, as pessoas protegem-se, dentro do carro ou em casa.

Porque o tanque de combate?

MP: Eu pensei num carro de guerra, porque o deserto me fez lembrar o Afeganistão, me fez lembrar Marte, lugares onde o homem se deve sentir muito isolado, mesmo para um soldado, não deve ser nada pacífico um lugar onde há só pó.

Não será porque não lhe é familiar?

MP: A guerra do Vietname era numa selva, assim como a da Guiné. Não sei, estou a divagar. Seja como for, peguei na ideia do carro e por coincidência o director explicou-me que muito próximo estava uma base militar com alguns desses tanques que não tinham ido para o Afeganistão e nessa universidade construíram o rover telecomandado que foi para Marte. Eles ficaram entusiasmados com a minha ideia, de ser uma espécie de enviado especial, depois filmo essa realidade e projecto na cidade. As pessoas partilham e vêem a minha perspectiva do deserto. Vou desenvolver esse projecto agora até Novembro de 2012.

http://www.miguel-palma.com/

Deixe um comentário

Certifique-se que coloca as informações (*) requerido onde indicado. Código HTML não é permitido.

FaLang translation system by Faboba

Eventos