Procura sempre criar essa dicotomia nas suas obras?
MP: Eu realmente não sei e ainda bem, porque se soubesse mais, acho que não fazia tanto. Acho que estava quieto! (risos)
Acha, porquê?
MP: Eu acho que quanto mais sabemos, mais precaução e cuidado temos.
Em termos de arte, é disso que se refere?
MP: Não sei se o que faço é arte, porque eu sinto exactamente o contrário. Eu penso muito nas minhas coisas, mas há um lado de coragem, que não é nenhuma. É um andar para frente, de pensar, de surpreender e surpreender-me. Ser mais do que foi antes e tudo isso me faz avançar.
Sente isso quando termina uma obra, ou desde o inicio da criação da instalação?
MP: Sinto isso desde que acordo até quando me deito. Completamente!
Os meios que usa, o vídeo, a escultura e as instalações são muito contemporâneos.
MP: Eu tenho um armazém de lixo em casa. Eu tenho pessoas que encontram coisas para mim. Sabem o que me interessa, desde brinquedos até objectos adquiridos em bric a brac, ou antiquários. Eu dou temas e eles procuram. Depois vejo se me interessam. Eu colecciono uma espécie de alfabeto, já há muitos anos. Tenho um banco de imagens. Vivo com as coisas e elas estão no meu léxico.
Então como acontece esse processo? É uma frase ou olha para o objecto e cria a partir daí?
MP: É as duas coisas. Se calhar há uma terceira que não me estou a lembrar, há uma grande mistura de histórias.
Gosta de saber a história dos objectos, isso ajuda?
MP: Sim, algumas vezes. Agora ando atrás de um álbum de fotografias sobre um português que fez uma viagem entre Lisboa e Copenhaga em 1932, antes de Hitler entrar no poder e antes da guerra em Espanha. Ele fez uma travessia com uns amigos, era médico e a sua história é linda. Encontrei cartas que ele escreveu à Morris, a marca, onde ele descreve a sua experiência com o carro, o que tinha achado bem e mal e as alterações do automóvel ao longo do percurso. A partir deste relato posso construir uma história.
Vai construí-la como?
MP: Para já é preciso dinheiro. Mas, ultrapassado esse constrangimento, a ideia é fazer a mesma viagem num automóvel e levar no reboque o modelo idêntico do carro original, eu vou passar pelos mesmos sítios que o álbum da altura mostra e registar essa segunda viagem, um segundo álbum, um diário fac-símile oitenta anos depois.
Está neste momento a desenvolver um novo projecto artístico fale-nos sobre isso.
MP: Tive um convite para uma peça de arte pública em Liverpool. Está numa fase de estudo, mas tudo indica que será feito. Não conhecia bem a cidade, compreendi que foi bombardeada de uma forma brutal na segunda grande guerra e quando se passeia pelas ruas, as pessoas não tem consciência de que os edifícios novos ocupam o espaço deixado pelos prédios antigos, foram bairros inteiros que desapareceram do mapa. Portanto, não tem nada ver com o trabalho que vou fazer. O tema é sobre contentores. É um projecto de arte pública, o P28, que tem feito mostras em Lisboa, Alcântara e no CCB, desta vez pretendem mostrar o meu trabalho na bienal de Liverpool. O meu vai ser transformado num grande aspirador, com uma capacidade de aspirar o ar e de o fazer passar sobre um filtro muito grande, de 2,40 metros de altura por 2,40 metros de largura. Nesse filtro existe o desenho da cidade de Liverpool e zonas por onde o ar passa e que deixam manchas ao fim de umas semanas. As partículas que ficam projectadas vão construindo uma espécie de pintura nova. Vão limpando a cidade.
É uma visão também ela ecológica?
MP: Também. Estou a limpar a cidade de uma forma parva. Durante 3 meses com a quantidade de metros cúbicos de ar que são filtrados, calculando a área da cidade, eu limparia se tudo aquilo fosse fechado e não houvesse vento, cerca de 8% da cidade. Com uma máquina que, por sua vez, tem ventiladores que gastam electricidade, por outro lado, estou a poluir. É difícil limpar, sem sujar. Fazer as coisas, sem magoar. É um conjunto de contradições inevitáveis.
Isso também é visível num projecto que desenvolveu nos EUA.
MP: Eu tenho feito uma série de residências desde de 2007. Esta vai ser a quinta ou sexta edição em que participo, é um local onde as pessoas partilham as suas experiencias.
São residências de que tipo?
MP: São residências artísticas, são lugares para onde o artista é convidado, trabalha, constrói ou não, faz o que entende com o seu tempo e normalmente, no final, faz uma exposição. Neste caso há uma conferência sobre o deserto, em Arizona, entre Setembro e Outubro, e eu tive um convite da universidade local para trabalhar sobre este tema. Com essa perspectiva, imaginei um carro de combate que filma o deserto e traz essas imagens para a cidade. É um lugar infinito. No Arizona, as pessoas não convivem por causa do calor. O sol pode atingir os 50 graus célsius, os habitantes locais vivem dentro de casa com ar condicionado. Não há uma vida social intensa, as pessoas protegem-se, dentro do carro ou em casa.
Porque o tanque de combate?
MP: Eu pensei num carro de guerra, porque o deserto me fez lembrar o Afeganistão, me fez lembrar Marte, lugares onde o homem se deve sentir muito isolado, mesmo para um soldado, não deve ser nada pacífico um lugar onde há só pó.
Não será porque não lhe é familiar?
MP: A guerra do Vietname era numa selva, assim como a da Guiné. Não sei, estou a divagar. Seja como for, peguei na ideia do carro e por coincidência o director explicou-me que muito próximo estava uma base militar com alguns desses tanques que não tinham ido para o Afeganistão e nessa universidade construíram o rover telecomandado que foi para Marte. Eles ficaram entusiasmados com a minha ideia, de ser uma espécie de enviado especial, depois filmo essa realidade e projecto na cidade. As pessoas partilham e vêem a minha perspectiva do deserto. Vou desenvolver esse projecto agora até Novembro de 2012.