
É um dos fundadores do movimento de poesia experimental portuguesa. É um performer que procura abordar o conflito do processo artístico através de diferentes materiais. É um artista que transporta consigo o imaginário de um rochedo no mar e o interpreta sob a forma de obras de arte. É Silvestre Pestana, um madeirense que retorna as suas memórias atlânticas uma e outra vez através das suas instalações artísticas.
Como define a obra que criou para esta mostra?
Silvestre Pestana: É uma obra diferente provém de uma linha que é a fotografia. Vem na tradição dos primeiros performers dos anos sessenta. Nessa época ainda não havia essa designação para essas actuações sociais com problemas artísticos. Depois no regresso da Suécia em 1970 volto as belas artes e nos anos oitenta começa a generalizar-se esta corrente artística. Desenvolveu-se um processo e uma acção que é parecida com a teatral, mas a intriga não é psicológica como no teatro, mas sim utilizando materiais que constituem esse conflito artístico. Saí em 1969 da ilha para seguir belas artes no Porto e passados 40 anos sou convidado institucionalmente para participar num projecto e enviar um original para depois ser apresentado na sua dimensão e mais tarde ampliado. Coloquei-me então esta questão, o que tenho para dizer passados estes anos todos? Não queria só falar da minha obra, não queria ser um artista que envia a suas peças para qualquer lugar. Decidi criar uma obra inserida na tradição do performer, uma actuação artística relacionada com o corpo. A matéria da arte e da acção artística é a problemática do corpo e nesta obra apresento apenas o tórax. De um lado um jovem que saiu, com o corpo de 20 anos.
O que regressa é um homem com sessenta anos. Portanto, é o meu corpo, a minha silhueta, é a minha impressão digital, porque quem regressa é este homem e não o outro. Por outro lado, tinha de ter uma problemática de segundo grau, que era o conflito, ou referência que tinha de construir. Uma intriga se quiser. O que eu tinha para contar? É o espírito de um objecto que neste caso é um colete que serve para vestir no tronco, na parte desnudada. Sendo insuflável é para extensão, mas ao mesmo tempo é um salva-vidas. Eu tenho assim um colete com as cores básica da ilha que é o amarelo e o azul e o outro com as cores da bandeira nacional. Não estou a falar de Estados, ou políticos. Estou a frisar as cores identitárias. O que fica é uma memória de amarelos, azuis, verdes e vermelhos. Abro o leque, são insufláveis e são dirigidos as crianças, porque se reparar são pequeninos. Uma criança que já foi, o homem que vai embora e a criança que vier apanha aquele objecto de ar. Esta é a interpretação do artista. E começa aqui a ambiguidade da arte que é dez significações para o mesmo objecto. Uma obra de arte que seja nominalista, não atinge o grau de clareza. Como a ciência. No caso da primeira, ela atende a uma declaração, a informação de precisão é declamatória. Ou seja, isto é! A arte pode ser um leque de possibilidades. A mesma história pode ser contada com vários elementos que são propostas pelos artistas e que as pessoas lêem como querem.
É por isso que vemos na sua obra um conjunto tão diverso e díspar de materiais, como no caso das águas vivas, que usam néon?
SP: Sim, é isso mesmo. Serve para contar uma história. Como estou longe posso idealizar uma Madeira que não tive, ou que já perdi. A exposição mais importante que tive e que foi recentemente reconstruída na Gulbenkian, chama-se ilhas desertas. É alguém que esta no Porto e tem um sonho sobre as ilhas. A Cooperativa Arvore que me endereçou o convite na altura disse-me que dispunha de três salas. E eu percebi que tinha três ilhas. Os néones que está a falar e que muita gente gosta são as águas vivas, designação que na Madeira se dá as alforrecas. Muita da na minha obra, são memórias atlânticas, sem serem literais, eu não represento a ilha literalmente.
A ilha influencia-o sempre? Como no caso das águas vivas?
SP: As águas vivas é uma instalação é a reprodução que é um aquário toda coberta de vidro e que dentro tem aquelas formas em néon, são sete e são acompanhadas por uma música especial de Jorge Lima Barreto, chamado néon, néon, ele faleceu infelizmente a cerca de um mês. Quando digo que o meu repertório é atlântico, é ilhéu, mas sobretudo é o imaginário de um rochedo sobre o mar. Eu sou um artista que com António Aragão e outros fundou a poesia experimental portuguesa, e este homem está muito esquecido, por razões que as pessoas lá sabem. Bem, ele fundou um movimento mais importante do século vinte e aprendi muito com ele.
As águas vivas são um impacto muito poderoso da memória da água. É uma instalação que precisa de muito espaço e de música e por talvez por isso as pessoas dizem que é muito contemplativa. Ou seja, entra-se e fica-se bem. Eu não faço figuritismo. Eu tenho um repertório marinho. O que se vê não é imitação de objectos da natureza. São construções intelectuais dessa memória. O que me interessa na minha obra, como a música o faz é transportar sensações, emoções e repertórios que a pessoa tem e que já tinha guardado e ela abre essa caixa e diz: lembro-me disto! Não é literal. Eu sou artista profundamente madeirense, sem nunca falar da Madeira.
E as ilhas desertas? Fale-nos um pouco delas?
SP: Uma das salas foi a instalação de que já falei, a outra era feita com caixas de radiografia pintadas, animadas com luz, eram doze que agora fazem parte da colecção de Serralves. A terceira sala era uma colagem de poemas visuais. As obras existem. Um artista gosta que sejam mostradas ao público desde que haja boa vontade.
Estas obras estão na internet. Verifiquei que havia muita informação.
SP: Não, se pode por tudo na internet. Tem que haver um certo mistério. Há obras que convertidas para a internet, como é caso dos slides, ficam como uma obra digital de má qualidade. Este trabalho tem que ser apresentado como tal.
Como vê então o panorama artístico?
SP: Eu e um grupo de artistas, nomeadamente, António Dantas, Celeste Sequeira e Catarina Pestana, fizemos uma proposta durante oito anos, pagando tudo, produzindo e pagando para mostrar um fenómeno que é o “What is what”. Tínhamos o apoio único que era a utilização das salas do museu da arte contemporânea e mais nenhum. Trouxemos o melhor que pudemos. Chegou um momento que não era comportável, porque os artistas por muito empenho que tenham, não conseguem substituir o papel, as competências e os meios que dispõem as instituições do Estado. O que vejo é muito pouco. Dizem que não há verbas, mas isto de estar parado, também não tem custos? O povo madeirense responde ou não a este tipo de acções? Este é um bom exemplo, o lonarte é um bom projecto, pequeno, acarinhado e cuidadoso torna as pessoas disponíveis para a cultura. O povo madeirense não é inferior, ou não tem menos interesse pela cultura em relação a outros povos. É necessário criar condições, porque eles vêem como todos os povos e todos os públicos. Lamento que tenha a necessidade de dizer isto, porque se estivessem a acontecer coisas boas, este discurso era desnecessário.