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O novo renascentista

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Definir a sua obra artística é como abrir uma caixa, podemos encontrar de tudo, ou quase nada depende apenas da nossa perspectiva pessoal. Manuel Carmo é multifacetado, não conhece fronteiras, nem limitações físicas ou do pensamento. É o autor de um trabalho multidimensional que se repercute nas diversas plataformas que utiliza e que aprofunda através da fundação que tem com o seu nome.

No seu trabalho como artista plástico há um claro apuramento das linhas, esse processo ocorreu naturalmente ou foi alvo de uma reflexão?

Manuel Carmo: Como tudo na vida pensámos que dominámos os processos, mas não. Decorrem naturalmente, temos a ilusão do controlo, mas na realidade o controle é muito pouco, sobretudo no meu ponto de vista artístico, na minha obra plástica houve uma depuração, foi dizendo cada vez mais com menos. Na realidade se me perguntar se eu sou um artista plástico eu dir-lhe-ei que gosto de ser considerado como um autor. Eu lembro-me que aprendi há muitos anos que nós só devemos falar quando temos alguma coisa a dizer. Então, o que é que faço na minha carreira de autor? Se eu tenho alguma coisa para dizer tanto posso dize-lo escrevendo livros, como posso dize-lo fazendo esculturas, fotografias, instalações, vídeo e pintando. À medida que os anos vão passando, a minha experiência vai-se aprimorando e o meu próprio pensamento vai ficando mais claro, ou até porque não mais complexo, ou mais simples dependendo dos assuntos. Eu sinto também que a escrita que o faço dos diferentes materiais também se vai alterando.

A escolha das cores também obedece essa precisão ou não? Também houve uma evolução na paleta que utiliza.

MC: Eu tenho algumas cores preferidas, o preto e o branco pela dicotomia que isso representa e pela simplificação que implica. Não que eu não goste das zonas cinzentas, mas acho que só conseguimos trabalhar bem essas áreas se nos colocarmos no preto e branco. Infelizmente a maior parte das pessoas coloca-se hoje em dia nos cinzentos e isso acaba por ser coisa nenhuma e acabámos por não entender a realidade. Só conseguimos entender essa verdade que é muito mais cinzenta do que preta e branca se não tivermos no cinzento, se estivermos no cinzento é mais difícil, temos de estar fora para a poder entender.

Então considera a sua obra bidimensional?

MC: Não, nada de bidimensionalidades. O ser humano tem uma grande vantagem sobre todos os outros seres, nomeadamente em relação aos animais irracionais que são os que nos estão mais próximos, é que somos mais inteligentes e então dividimos as coisas para as entender. A divisão mais simples é por dois, é o preto e branco. Não conseguimos ver o todo, a totalidade, apenas vemos uma parte e isso faz com que quando me falam de bidimensões eu não sei, prefiro falar de multidimensões, que pode ser apenas uma, não me faz confusão nenhuma, ou seja, são todas aquelas com que as nossas capacidades e com a nossa experiência conseguimos ver e viver com. O meu trabalho é bidimensional? Não, o meu trabalho não tem dimensão, ou então tem a dimensão que na altura achei que devia ter, ou a que as pessoas que observam acham que têm. Não estou muito preocupado em definir tão categoricamente o meu trabalho.

Então considera-se um artista mais impulsivo ou mais cerebral? Parece-me que é mais cerebral.

MC: Sou muito cerebral, mas sou um ser humano muito emocional. É esta confusão do meu pensar muito Cartesiano. É do meu ser muito emocional que nasce a obra.

Define a sua postura como gestualista o que pretende veicular ao colocar-se nessa categoria?

MC: Significa que eu deixo que estás duas formas que estão presentes em mim, a parte cerebral que abunda e a emocional que inunda se expressem de uma forma gestual, que os traços nasçam sem que eu interfira. Na minha pintura eu pinto de cima para baixo, não me pergunte porquê. Sempre foi assim, o que não quer dizer que tenha de ser sempre assim, por enquanto tem sido desta forma. O gestualismo é não deixar muito que o cérebro, nem a emoção interfira na mão, mas sim que ambos interfiram nesse processo.

Não é uma contrição já que se considera como um artista mais cerebral?

MC: Não, eu não disse que era um artista mais cerebral. O que disse é que o meu cérebro abunda nas minhas intervenções e a minha emoção as inunda. As duas estão em permanente conflito se quiser, ou em complementaridade. Eu faço tudo com emoção e cabeça. O resultado pode ser mais cerebral do que emocional, mas nem tudo o que parece é.

Utiliza como forma de expressão preferencial a pintura, contudo usa outras linguagens estéticas e artísticas, sente-se à vontade em todas?

MC: Sim, em todas. Tal como disse a pouco eu só faço uma exposição se tenho alguma coisa para dizer. Senão fico calado. Se me apetecer dize-lo em pintura, em fotografia, ou se me apetece dize-lo em livro faço-o tanto aqui como em Nova Iorque, até em música, porque também componho. A certa altura não tenho nenhuma fronteira. É por isso que nunca digo que sou um artista plástico, ou um músico, ou um escritor, sou sim, um autor, porque sou autor do que digo. Sabe faz-me muita confusão aqueles oradores intelectuais, eu fico até muito irritado, que numa conferência, ao longo de uma hora, citam tudo os que outros autores escreveram sobre uma determinada matéria e o próprio nunca diz o que pensa. Eu sou absolutamente o contrário, detesto citar pessoas, só gosto de dizer que penso. Sobre o trabalho dos outros, eu já li, amadureci as ideias e se alguém quiser saber sobre o assunto pode percorrer o mesmo caminho que pisei. Esta diferença entre mim e os outros é notória, é por isso que afirmo que sou um autor.

Vamos mudar um pouco de assunto e abordar uma outra faceta da sua vida que é a fundação. Um dos objectivos desta instituição é estabelecer o intercâmbio entre os artistas portugueses e americanos, fê-lo porque sentiu-se a necessidade de criar essa ponte, que até então não havia?

MC: Eu não fundei a fundação. Surgiu de uma conversa que tive com a Anne Edgar que é uma personalidade muito influente em Nova York e a certa altura como tudo o que nasce de uma conversa, nasce bem. Ela disse-me que tínhamos de criar uma fundação, quando ela dizia nós, referia-se a uma série de instituições artísticas e culturais a que ela esta ligada. Ela sublinhou, nós temos que ter o Manuel a trabalhar connosco e salvaguardar essa sua forma de pensar, abordar os temas e é aí que nasce a ideia. Se me permite a correção não nasce para estabelecer o intercâmbio entre os artistas de Nova Iorque e os portugueses, mais entre as atitudes, os comportamentos culturais entre os EUA e a Europa. Portugal inclui-se nessa panóplia de destinatários, mas a fundação não se preocupa em fazer comparações, isso não interessa nada, interessa sim, colocar em conjunto as atitudes e comportamentos dos dois países e ver o que dá.

Isso reflecte-se de que forma, através das bolsas é isso?

MC: As bolsas ainda não começaram, porque entretanto todo esse projecto foi afectado pela crise do dólar e do euro e isso tem um impacto, por isso esta ainda parado. Temos uma revista, a A, que é lançada simultaneamente em Nova York e Lisboa, vai apenas para mil pessoas em cada cidade, os temas de debate são tudo o que não vem nas revistas, desde estudos, opiniões, novidades e tudo aquilo que implique uma ligação entre esta cidade americana e a Europa.

Mas, engloba o mundo das artes?

MC: Não, se quiser artes do pensamento. Não há arte sem reflexão. A arte em si implica uma atitude.

Também é consultor do fórum europeu dos museus e responsável do museu da água em Coimbra. Tendo em conta o seu percurso profissional nesta área, o que acha que deveria mudar no panorama português em particular, contando com a crise, o que acha que deve ser feito para atrair mais pessoas aos museus?

MC: Já não responsável pelo museu de água de Coimbra, foi um dos seus fundadores e comissário durante 4 anos até o ano passado. Tenho uma resposta muito concreta, temos de abrir os museus. Tem de deixar de ser espaços de memórias antigas, onde se coloca em vitrines tudo aquilo que passou para podermos ver, mas passar a ser um espaço onde ser criem memórias novas. Em Nova Iorque os museus são espaços onde se pode ler, comer e fazer barulho. É algo que ainda não se faz de todo em Portugal, temos de ter mais espaços abertos, onde as pessoas falem. Os museus não devem ser apenas locais silenciosos onde se pode apreciar a nossa história passada, mas devem ser sobretudo espaços onde se possa discutir o nosso legado futuro. É esse o caminho, e não é uma questão de dinheiro. Os museus devem ser sítios de debate, aprendizagem e de tomadas decisão. A educação informal é uma das bandeiras da União Europeia e tem retirado da ignorância milhões de europeus. Somos o velho continente, vivemos mais das recordações do que da acção e os museus tem um papel fundamental nesta questão.

Para terminar, vamos falar um pouco sobre o livro que vai lançar, qual é a importância desta publicação na sua carreira?

MC: Para já é a coisa mais importante da minha carreira. A sua importância, contudo, é relativa, já que daqui digamos a dois anos terei outro projecto que também será fulcral. Este é uma caixa para pensar, dentro há 3 livros, um é sobre com o que considero os dois conceitos fundamentais para compreender os dez primeiros anos do século XXI, uma oscilação entre o inconstante e o autêntico. O segundo é uma reflexão sobre o como estamos a encarar neste século a questão da morte, as diferenças em relação ao século XX e as mudanças de comportamento. O terceiro é um livro de citações, por sugestão do meu editor, eu retirei dos dois livros frases minhas e criei aforismos é a primeira vez que tenho uma publicação que resume em frases soltas e retiradas do contexto inicial a forma como encaro a vida, a sociedade e o próprio pensamento.

É uma provocação?

MC: Tudo o que faço é sempre uma provocação.

É para estimular o pensamento crítico?

MC: É, três vezes é. (risos).

http://manuelcarmofoundation.com/msg.html

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