Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

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Os mil mundos

Escrito por 


Dércio Pereira é um artista autodidacta por necessidade intrínseca. Os seus desenhos advêm de uma linguagem muito pessoal que transmite ao mundo de forma espontânea, com especial enfase para a banda desenhada.

Eu sei que és um autodidacta, então como é que começa essa tua paixão pelo desenho?
Dércio Pereira: O desenho já é inerente a mim. Desde os quatro anos que desenho, é parte integrante da minha vida, é talvez a única linguagem que consigo veicular para o exterior da forma correcta. É sempre descritiva, lanço para fora a parte mais profunda de mim, não é autismo.


É como se fosse a tua linguagem.
DP: É um momento diário de expressão, com várias caligrafias e assim vou criando a minha própria linguagem.
Quais são os artistas que te inspiraram ao longo dos anos?
DP: Desde os sete anos, o Hugo Pratt. Comecei a ler e não fazia ideia o que era a maçonaria e por isso achei estranho e indecifrável o livro, fora a poética deste autor que é ela toda cabalística, pode-se dizer assim. É inspirada em elipses e um turbilhão de informação que gera uma poesia muito bonita quer literariamente, quer graficamente.


A banda desenhada é uma das componentes que exploras na tua arte.
DP: Sim, eu ainda não concretizei nenhum projecto completo, não tenho a certeza se algum dia vou materializar algum. Tenho esquizofrenia e lido com uma dispersão de pensamento. Por isso, não sei se algum dia vou concluir alguma banda desenhada, começo sempre projectos, mas nunca os acabo. Há uma certa frustração por ser tão perfeccionista e basta uma página falhar que já é o suficiente para parar.


Então qual é o teu processo criativo?
DP: É um caderno diário de tudo o que é desenho. São figuras abstractas, ou figurativas. É como se estivesse a falar com uma outra pessoa que não esta presente. Quando estou desenhado é como se estivesse num jogo e não posso trair as minhas próprias regras. Tenho que tornar coesa essa abrangência do desenho, do meu trabalho, isso torna-se bastante difícil quando colocas uma meta tão elevada. Quando consigo é muito enriquecedor.

Tivestes alguma vez alguma formação em desenho?
DP: Não, tive formação multimédia, mas o desenho é inerente a mim. Antes ia até a antiga faculdade de belas artes, tinha contacto com os artistas, mesmo sem ter aulas de estética, já conhecia alguma coisa. O que acho que foi importante foi ter aprendido o máximo com as pessoas à minha volta. Quando tinham uma opinião critica, era constructiva e isso ia criando em mim novas percepções e novas maneiras de olhar. A leitura também ajudou bastante ao longo dos anos.


Os teus trabalhos são uma abstração da própria realidade, ou dos mundos que tens dentro de ti?
DP: É uma abstração dos mundos que tenho dentro de mim. Eu vou criando, não sei em que direcção, mas é intuitivo. Aos 12 anos tive contacto com a cultura zen, através de um livro e achei fascinante o que fazem em termos de contemplação, o que fazem antes de pegar num papel e caligrafarem o poema. É um processo onde não pode falhar nada nesse mundo. Achei tudo isso fascinante. Daí ter abolido o lápis por completo. Passar a trabalhar em esboços com a caneta.


Dirias que essa é uma característica do teu traço?
DP: Não sei definir o meu trabalho, tenho referências da banda desenhada, embora não a faça. Gosto da dinâmica da geometria e toda a explosão que a BD pode ter. Eu uso-a no abstracto no sentido em que é mais estranho para o exterior. Muita coisa já foi feita em termos de desenho, é o esqueleto de uma obra, muitas vezes. A partir desse esqueleto é que vemos o que é a obra em si, não completa ou acabada, o que considero acabado no trabalho dos outros artistas. Para mim é um bloqueio não conseguir perceber como chegaram lá, tinha de vê-los a partir do desenho, por isso é que Alberto Jacometti é importante, a sua fluidez, os seus traços contínuos para tentar descobrir a forma em termos de desenho, embora seja mais reconhecido pela escultura, a parte de desenho é muito precisa. É um artista que me marcou bastante em termos de trabalhar o esboço, assumi-lo como linguagem final, é um pouco expressionista e não sei em que corrente ele se enquadra, sei que teve impacto em mim e em passos rápidos ajudou-me a construir uma figura sem tirar a ponta da caneta, do giz, do lápis de cera da tela e fazer retratos fabulosos.

 

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