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Quando elas olham

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Ana Marta olha e faz um inquérito à paisagem do Porto Santo, através da suas imagens depurada. Lucília Monteiro, olha para a paisagem e interpreta-a como um conceito, que tem de ser lido e reflectido. Ambas estas fotógrafas com percursos muito diferentes mostram o que é fotografia contemporânea, a ver na Casa da Cultura de Santa Cruz.

As palmeiras não são de cá, porquê este título?
Ana Marta: O título é uma metáfora para a ocupação do território. A palmeira como uma espécie importada que faz o contraponto com o dragoeiro, que é endémico e ainda faz o retrato do Porto Santo, no inverno. Quando geralmente é abandonado pelos madeirenses, que só se lembram que a ilha existe no Verão. Eu fui precisamente em Janeiro, em que nem sequer há barco e o desemprego aumenta mais, porque lá tudo é sazonal.

Quais foram as tuas preocupações em termos de trabalho fotográfico?
AM: Eu venho da arqueologia e isto é um trabalho baseado nessa disciplina científica e na sua metodologia, de olhar para o território. Antes de ir para o Porto Santo, estive a olhar para o mapa da ilha e dividi tudo por áreas e dias. Tinha uma lista de locais para fotografar e depois lá fui encontrando outras coisas que me faziam sentido captar em termos de imagens, que fui fotografando. Houve uma edição de meses, este é um trabalho que me interessa muito em fotografia que é fotografar de forma objectiva, mas a edição ser subjectiva, é o que esta nas entrelinhas das imagens.

Nestas imagens vê-se sobretudo o trabalho do ser humano sobre a paisagem e as pessoas que habitam nesse espaço.
AM: Como comecei por dizer a palmeira é uma metáfora para a ocupação do território pelo ser humano, por isso, mostrei a marca do homem nesse mesma paisagem. É também uma mistura de paisagem com estilo vidas, retratos, mas que se conjuga. O Porto Santo é também um espaço de memória. Durante dez anos não foi lá e quando voltei notei uma grande diferença ao nível da construção e deu-me vontade de fazer este trabalho mais a fundo. Acho que a ilha é muitas vezes desprezada e é pena. Tem muito potencial a vários níveis e é necessário ter cuidado. Isto é um inquérito à paisagem.

O que retiraste deste trabalho como fotógrafa? Dessa pesquisa, edição e selecção de trabalhos?
AM: O meu percurso pela fotografia tem vários anos, este trabalho é um marco, consegui juntar um pouco da arqueologia com a fotografia, usando um método de prospecção, a forma como foi fotografado, mas também nesta leitura subjectiva/captação/objectiva que provêm dessa ciência. Temos artefactos na arqueologia e tentámos chegar a um retrato do que poderia ter sido, mas isso é sempre subjectivo. Este é um trabalho que apesar de ser sobre o Porto Santo, não foi exposto na ilha. Era um desejo que tinha, antes de ser mostrado no "braço de prata", em Lisboa e aqui na casa da cultura de Santa Cruz, teria sido lógico apresentá-lo localmente. Infelizmente não fomos capazes de fazer acontecer e eu participei na bienal do Porto Santo, foi convidada, enviei este trabalho, mas este ano por vários motivos que não vale a pena mencionar, não houve este evento. Acho que algumas pessoas também não o entenderam, o público se calhar não esta muito habituado a ver fotografia contemporânea, estão mais acostumados ao pôr-do-sol e a família feliz na praia, neste trabalho só tenho uma fotografia do mar. Temos sempre o imaginário da ilha que é praia e eu fiz um trabalho virado para dentro. Mais realista, no meu ponto de vista, infelizmente, na altura, as pessoas não o entenderam. Contudo, gostava que esta exposição fosse para o Porto Santo para que as pessoas de lá que participaram no projecto pudessem vê-lo.

 

 

 

Como surge o convite para a tua participação no projecto duas velocidades?
Lucília Monteiro: A minha participação surge por convite de Duarte Santo, que escreveu uma tese de doutoramento sobre a paisagem em alta velocidade e convidou uma série de artistas plásticos e fotógrafos para desenvolverem um trabalho, inspirado na sua tese, a que chamou paisagem em duas velocidades. Eu desenvolvi um projecto, que no fundo reflecte o que ele afirma de vermos a paisagem sempre a correr, quer nas auto-estradas e vias rápidas, há uma perspectiva diferente de olhar para essa mesma paisagem. Então decidi desenvolver uma ideia a partir do ser madeirense e estabeleci um paralelo entre a velocidade da minha infância e a contemporânea. Decidi criar uma instalação com 20 carrinhos de cana-vieira que eram o brinquedo da minha infância, onde a velocidade era outra, podíamos brincar nas estradas, quase não havia trânsito e eu e os irmãos encontravámo-nos com os nossos amigos na rua e brincavámos com esses carrinhos de pau, essa era uma velocidade mais calma, com menos stress e com maior liberdade. A velocidade contemporânea das vias rápidas decidi representá-la com o mesmo material da minha infância que é a cana vieira, que é uma planta que invade a montanha e um pouco a paisagem e fiz esse contra-ponto, através de uma planta que irrompe também por essa paisagem que se constrói, quer seja nos pilares ou nas paredes de betão, porque apesar de no momento da construção dessas obras a cana-vieira ser destruída, mas passado uns dias já esta a rebentar. Então foi buscá-la como um símbolo deste mundo onde vivemos a grande velocidade, de construção desenfreada, para andarmos o mais depressa possível e também quis realçar que apesar de tudo a natureza é ainda muito poderosa. No fundo é uma crítica a este mundo que se constroí com grande velocidade e muitas vezes andámos a correr não sei bem porque, que nem parámos para respirar. É também um alerta, destruímos a natureza, porque nos considerámos uns super-poderosos, fazemos da paisagem o que queremos e usámo-la nas novas tecnologias, mas no fundo ela continua a mandar, continua a ter mais força.

Notei que as fotografias embora sejam da tua localidade, Santa Cruz, o facto é que poderiam imagens de outras zonas da ilha, ou até de paisagens em que a construção ganha espaço à natureza.
LM: Exactamente. Pode-se dizer que o trabalho do Duarte Santo é universal, porque no fundo o mundo vive em alta velocidade e eu quis que a minha mensagem fosse para todos, não quis que fosse algo muito específico, que reflectisse só a Madeira. Esta questão da construção e da velocidade tem o seu lado negativo, mas também positivo e é global. Por isso, não identifico muito a localidade, os sítios de uma forma óbvia. Eu até preferi que a mensagem fosse subjectiva para dar alas à imaginação das pessoas, para pararem, olharem e se questionarem, o porquê desta foto ser assim?

A tua fotografia no fundo é conceptual.
LM: Sim, eu decidi fazer um trabalho mais conceptual. A minha fotografia foge ao cliché dos enquadramentos, lido com conceitos no fundo para fugir à banalização da imagem. É um projecto fotográfico de maior reflexão, é menos óbvio.

É também como forma de distanciar-se da fotografia amadora, já que hoje em dia a fotografia banalizou-se de tal forma que toda a gente é um fotógrafo em potência?
LM: Exactamente. Hoje em dia, há um excesso de imagem e que faz com que haja uma corrida para ver as imagens, ninguém se detém para ver fotografias, mas elas tem de ser lidas. Se reparares numa exposição as pessoas vão passando e dizendo, "olha, que giro", mas as minhas fotos não são giras. Outro dos objectivos foi esse, o fugir dessa banalização, que é o de uma fotografia que se passa e não se para para ler. A minha fotografia faz uma reflexão e pretende obrigar as pessoas a pensar, porquê ela fez isto? E espero que tenha conseguido.

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