Como surge o convite para a tua participação no projecto duas velocidades?
LucÃlia Monteiro: A minha participação surge por convite de Duarte Santo, que escreveu uma tese de doutoramento sobre a paisagem em alta velocidade e convidou uma série de artistas plásticos e fotógrafos para desenvolverem um trabalho, inspirado na sua tese, a que chamou paisagem em duas velocidades. Eu desenvolvi um projecto, que no fundo reflecte o que ele afirma de vermos a paisagem sempre a correr, quer nas auto-estradas e vias rápidas, há uma perspectiva diferente de olhar para essa mesma paisagem. Então decidi desenvolver uma ideia a partir do ser madeirense e estabeleci um paralelo entre a velocidade da minha infância e a contemporânea. Decidi criar uma instalação com 20 carrinhos de cana-vieira que eram o brinquedo da minha infância, onde a velocidade era outra, podÃamos brincar nas estradas, quase não havia trânsito e eu e os irmãos encontravámo-nos com os nossos amigos na rua e brincavámos com esses carrinhos de pau, essa era uma velocidade mais calma, com menos stress e com maior liberdade. A velocidade contemporânea das vias rápidas decidi representá-la com o mesmo material da minha infância que é a cana vieira, que é uma planta que invade a montanha e um pouco a paisagem e fiz esse contra-ponto, através de uma planta que irrompe também por essa paisagem que se constrói, quer seja nos pilares ou nas paredes de betão, porque apesar de no momento da construção dessas obras a cana-vieira ser destruÃda, mas passado uns dias já esta a rebentar. Então foi buscá-la como um sÃmbolo deste mundo onde vivemos a grande velocidade, de construção desenfreada, para andarmos o mais depressa possÃvel e também quis realçar que apesar de tudo a natureza é ainda muito poderosa. No fundo é uma crÃtica a este mundo que se constroà com grande velocidade e muitas vezes andámos a correr não sei bem porque, que nem parámos para respirar. É também um alerta, destruÃmos a natureza, porque nos considerámos uns super-poderosos, fazemos da paisagem o que queremos e usámo-la nas novas tecnologias, mas no fundo ela continua a mandar, continua a ter mais força.
Notei que as fotografias embora sejam da tua localidade, Santa Cruz, o facto é que poderiam imagens de outras zonas da ilha, ou até de paisagens em que a construção ganha espaço à natureza.
LM: Exactamente. Pode-se dizer que o trabalho do Duarte Santo é universal, porque no fundo o mundo vive em alta velocidade e eu quis que a minha mensagem fosse para todos, não quis que fosse algo muito especÃfico, que reflectisse só a Madeira. Esta questão da construção e da velocidade tem o seu lado negativo, mas também positivo e é global. Por isso, não identifico muito a localidade, os sÃtios de uma forma óbvia. Eu até preferi que a mensagem fosse subjectiva para dar alas à imaginação das pessoas, para pararem, olharem e se questionarem, o porquê desta foto ser assim?
A tua fotografia no fundo é conceptual.
LM: Sim, eu decidi fazer um trabalho mais conceptual. A minha fotografia foge ao cliché dos enquadramentos, lido com conceitos no fundo para fugir à banalização da imagem. É um projecto fotográfico de maior reflexão, é menos óbvio.
É também como forma de distanciar-se da fotografia amadora, já que hoje em dia a fotografia banalizou-se de tal forma que toda a gente é um fotógrafo em potência?
LM: Exactamente. Hoje em dia, há um excesso de imagem e que faz com que haja uma corrida para ver as imagens, ninguém se detém para ver fotografias, mas elas tem de ser lidas. Se reparares numa exposição as pessoas vão passando e dizendo, "olha, que giro", mas as minhas fotos não são giras. Outro dos objectivos foi esse, o fugir dessa banalização, que é o de uma fotografia que se passa e não se para para ler. A minha fotografia faz uma reflexão e pretende obrigar as pessoas a pensar, porquê ela fez isto? E espero que tenha conseguido.