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Feiticeiro da calheta

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O filme de Luís Miguel Jardim é uma obra ficcionada sobre a vida de João Gomes de Sousa, reconhecido poeta popular madeirense que viveu na localidade da Calheta, na primeira metade do século XX. Esta longa-metragem é uma homenagem a esta personalidade, mas não só, é também um retrato sobre a vida rural da ilha da Madeira numa determinada época e as suas idiossincrasias. É um projecto cinematográfico desenvolvido e produzido por pura paixão, que contou com a participação de mais 400 pessoas e uma banda sonora original, do compositor madeirense João Augusto Abreu.

Como é que alguém que não tem nada a ver com cinema lhe ocorre fazer um filme sobre o “Feiticeiro da Calheta”?
Luís Miguel Jardim: Eu tenho como formação base direito, mas faço cinema já há alguns anos no Liceu Jaime Moniz, pelo menos nove anos. O “Feiticeiro da Calheta” não aparece do nada, existe um trabalho de experimentação que tem sido desenvolvido ao longo dos anos e creio que este filme é minha quinta longa-metragem, já fiz alguns documentários, o que o distingue é que é uma produção independente. Não acontece sem mais nem menos. A temática surge por um desafio lançado pela professora Eva Natália e pelo Eugénio Perregil, não resulta de uma nota biográfica, é filme de ficção quer das vivências do chamado “Feiticeiro da Calheta”, quer do João Gomes de Sousa.

Vamos falar deste argumento que não se limitou a abordar esta personalidade, mas que reflecte de certa forma um período específico da ilha da Madeira e há muitos regionalismo nas falas.
LMJ: Exactamente. O “Feiticeiro da Calheta” tem uma série de subtemas, um deles a colonia, que era um regime da exploração da terra assente numa relação manifestamente injusta entre o senhorio e o colono. É um traço histórico que nos marcou e que nos deve envergonhar, por isso, não deve ser esquecido, deve ser relembrado. Para além disso, há também a questão dos afectos, a relação entre pais os filhos e tive esse cuidado com as personagens do feiticeiro e da filha. Na prática não sei se terá sido assim ou não, no entanto, foi esta a linha principal que introduzi no guião da história e que para mim foi o traço mais marcante, esta relação de amor entre pai e filha.

O argumento também revela várias características de estratificação da sociedade madeirense naquela época.
LMJ: Além dessa estratificação que manifestamente passava pela questão da colonia, também tivemos a preocupação de ir buscar algumas profissões da época que entretanto foram abandonadas e tentámos salientar esses traços característicos quer no aspecto económico, quer no social.

O guião tem também muitos regionalismos que já não se utilizam, houve uma pesquisa nesse sentido?
LMJ: Houve um grande trabalho de pesquisa, feito pela Paula Trindade, que é uma das actrizes, pelo Francisco Faria e também um conjunto de pessoas que estiveram a trabalhar nessa área de recolha de informação sobre esses regionalismos. É um trabalho de pré-produção que é necessário fazer antes de começar a filmar.

Disseram-me que o filme demorou um ano a ser rodado. Isso inclui essa pré-produção?
LMJ: O filme demorou um ano e sete meses e isso inclui esse trabalho de pré e pós-produção.

Há planos maravilhosos da ilha, sobre as várias fases da vida rural madeirense. Foi filmando ao longo desse ano e sete meses essas diferentes épocas de colheita? Ou foi tudo encenado?
LMJ: Não, tudo o que vê é real, exceptuando alguns efeitos sonoros que são colocados nas pós-produção. O que acontece é que usámos color branding nas imagens.

O filme tem uma vertente muito cómica, mas também foca outra questão mais dramática que é o suicidio que era algo muito comum nessa época na Calheta?
LMJ: A questão do suícidio é transversal ao longo dos anos na ilha da Madeira, não apenas na Calheta. Acontecia com regularidade e eu penso que era um fenómeno que estava associado a situações de pobreza extrema, de endividamento, de vícios, nomeadamente, devido ao álcool.

Embora, seja um filme de ficção, é baseada numa personalidade real e há a célebre cena do cordão de ouro que pertence a filha do “Feiticeiro da Calheta”, Maria de Jesus.
LMJ: O cordão de ouro não pertence à Maria de Jesus. A nossa ideia inicial era usar o original, mas não foi possível pelas condições políticas na Venezuela. Utilizámos uma peça de ouro muito antiga que pertence a uma das actrizes, a Paula Trindade. Embora, o feiticeiro tenha o sonho de dar um colar de ouro, no guião em função da narrativa em vez de oferecer um, dá dois, um à sua filha e o outro à filha do amigo que faleceu.

Quanto as pessoas que participaram no filme, há muitas personalidades da sociedade madeirense, como é que foi esse convite, porque lhe ocorreu trazer essas pessoas para o filme?
LMJ: Muitas destas pessoas estão ligadas a vida política e não só da nossa terra, como é o caso do João Carlos Abreu que já participou em outras produções minhas, porque é uma personalidade sempre ligada à cultura e cada vez que o convido ele diz logo que sim. O Carlos Lélis também tem muita experiência ao nível da representação e teve uma companhia teatro. O Alberto João Jardim entra na filme através do pedido de uma das nossas actrizes, a Fátima Marques, que é muito amiga dele, ela fez-lhe esse desafio e ele aceitou, porque como já estava afastado da vida activa política, tinha mais disponibilidade e a ideia avançou, a sua única condição foi ver antes o guião com as suas falas. Eu tive mesmo a preocupação de pedir-lhe para deixar crescer a barba para ter um ar mais rude, mais campestre, algo que ele nunca tinha feito antes. Tivemos o representante da República, o Eríneo Barreto, que achou imensa graça ao convite e fez essa pequena participação e as filmagens são no palácio de São Lourenço. Todas estas personalidades aceitaram, porque gostaram da ideia do filme, abordar o modo vivendis da sociedade madeirense e das suas tradições. Porquê foram convidados? No caso do Alberto João Jardim houve dois motivos, a notoriedade que o filme alcançou teve outro impacto e não tenho dúvidas disso, porque tivemos tempos de antena em vários meios de comunicação social generalista do país. Foi também uma justa homenagem ao homem, eu estudo muito à história da Madeira, fiz um filme chamado “Águas” e agora o “Feiticeiro da Calheta” e o que se nota é que a ilha foi abandonada ao longo de muitos anos pelo poder central, e quando Alberto João Jardim chega as nossas reivindicações são ouvidas em Lisboa e mesmo em termos de condições de vida tudo melhorou muito, claro que houve coisas que não foram bem feitas, mas no filme houve um texto muito próprio para encaixar naquela pessoa, esse papel só podia ser dele.

Outra homenagem que fez e houve uma certa justiça em devolver ao “feiticeiro da Calheta” a origem do famoso bailinho da Madeira.
LMJ: O bailinho da Madeira, pela informação que tenho e é a opinião corrrente das pessoas da Calheta, é que provêm do Feiticeiro, as pessoas que o conheceram e a própria filha com quem falei também o confirmou, todos são unânimes, não há dúvida, a génese dessa letra e música é do João Gomes de Sousa. Como ele era amigo do Max acabou por mostrar-lhe o tema e há a história que se conta de que alguém ouviu na telefonia a versão do bailinho do Max contou ao feiticeiro e o João Gomes de Sousa foi até o Funchal esperar pela chegada do Max no barco e ele deu-lhe algum dinheiro, muito pouco pela canção. O que eu pretendo mostrar é que ele é o criador de um género, a letra que ele escreve não corresponde a versão actual. O actual bailinho da Madeira resulta dos arranjos que o Max fez e se este músico não tivesse entrado nisto estou convencido que este tema não teria tido a dimensão que possui actualmente. O Max conferiu-lhe uma musicalidade e uma projecção que de outra forma sinceramente não teria tido, é uma opinião muito pessoal. Eu acho que os dois estão de parabéns quer o “Feiticeiro da Calheta” quer o Max, porque foi um trabalho que se complementou, não vejo que o que fiz levante alguma celeuma, são duas figuras que olham, os dois cada um à sua maneira para um tema, com diferentes visões e expressões musicais.

Tem a ideia de passar este filme pelas comunidades madeirenses no exterior. Mas, mesmo que sejam mostrado o filme já considerou que terá de legendá-lo?
LMJ: É assim, para as comunidades madeirenses não há essa preocupação, a questão da legendagem coloca-se quando se pensa no mercado nacional, que não é o que mais me apaixona, o que tenho em mente é primeiro acabar o circuito regional. Vamos tentar prolongar esta mostra do filme até a vinda de emigrantes para à Madeira até Agosto. É claro que já tivemos contactos, há convites para mostrar o filme nos Açores e no Continente, mas serão pensados na devida altura, agora estámos muito focalizados no circuito regional.

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