Foi essencial esse aspecto no espectáculo, "dance bailarina dance"?
CA: Essa foi uma proposta muito específica, feita pela directora da companhia, que me propôs criar sobre os musicais do anos 40 e 50. Nesse projecto participou um músico com quem trabalho há muitos anos e somos grandes cúmplices, tanto do ponto de vista afectivo, de amizade e do profissional. A música faz parte integrante mesmo quando ela não existe. Mas, não depende apenas do som, posso começar por aí, tudo depende, eu gosto de trabalhar música original, estudei composição e sou sensível à música. Ela ajuda-me a abrir caminhos para aspectos coreográficos e tenho muitos colaboradores e amigos músicos. Estou sempre a aprender e há uma ligação, uma interacção que me impede de colocar algo em primeiro plano em detrimento do outro, às vezes, sim pode começar pela música. Fiz um trabalho como Victor Rua em que começámos realmente a improvisar aos dois musicalmente, em que ele me fornecia uma série de desafios para que eu criasse música e todos esses parâmetros que foram surgindo musicalmente, depois foram trabalhados em estúdio e mudei o termo de tocar para o termo dançar e movimentar o corpo. A música para mim é essencial, não apenas o sonoro, mas em termos de construção, como se pode ter o mesmo vocabulário e a mesma imaginação, quer seja na dança, ou apenas em movimento.
Focou a sua visão muito pessoal da dança e de tudo o que a envolve, o facto de sua mãe ser bailarina influenciou-a de certa forma?
CA: É claro que influenciou, eu nasci e com 3 anos fui para o estúdio de dança sem como nem porquê. Estava lá, era feliz lá e comecei a mexer-me com ela e até os 17 anos. Nunca me questionei porque dançava, para mim era algo natural e muito prazenteiro e que me dá uma felicidade muito grande. Isso tudo vem dela e do meu contexto familiar.
Alguma vez não quis ser bailarina?
CA: Não, quanto muito queria ser outras coisas, mas bailarina ou pelo menos ter este contacto com o meu corpo é mesmo uma coisa muito essencial. Faz parte e inclusivamente sinto-me fragilizada quando o meu corpo não esta conectado comigo, a idade, as responsabilidades levam-me cada vez mais a ser menos bailarina e mais coreografa e mais professora, mas tenho de manter esse contacto com o meu corpo, porque ele me devolve a minha própria identidade e aquilo que sou. É uma relação que todos devíamos ter, este contacto com o nosso corpo, que é algo muito salutar e que nos conecta connosco próprios, faz parte.
Esta parceria com o grupo "dançando com a diferença" não é nova, porque a vossa ligação remonta ao ano de 2001. Este II encontro do "normal na diferença" o que acrescentou em termos de discussão sobre os diferentes corpos?
CA: Acrescenta as nossas opções e porquê o fazemos, de onde é que isso vêm e como é iniciado. Houve, contudo, um sem número de questões que ainda ficaram em aberto, não é apenas em duas horas que se pode explorar essas manifestações do porquê. Esta minha relação com o grupo tem-me vindo a abrir como outras relações, com outras diferenças de comunicar, de descodificar algumas linguagens, ter outros sentidos e níveis. É muito interessante quando estou a verbalizar aquilo que quero que os bailarinos façam, ou que se debrucem sobre e o meu vocabulário é entendido de outra forma. Por isso, tento chegar a essas pessoas, ou de deixar liberdade para aquilo que é entendido, ou da maneira como é percebido, para mudar os seus cérebros para o que Aldous Huxley chamava os antípodas da mente, ou seja, dar uma volta de 360 graus. Achei também super interessante, o que disse a Flávia Cintra, se "calhar o que é bom para ti, não é o para mim e se calhar o que tu vês, não é o que vejo", essas questões fazem ao mesmo tempo ter uma relação com o mundo e com os outros, que é de conseguir criar e fazer arte com outra matéria, com outra percepção, ou sensibilidade. No fundo somos todos deficientes de alguma forma, nós todos temos aspectos invisíveis que são muito fortes e frágeis. Ao mesmo tempo escondemos essas fragilidades, mas há outros que as mostram e se calhar a sua força interna é muito maior. Vivemos num mundo tão grande e vasto e cheio de diferenças que eu acho pedagógico e importante sermos confrontados com diferentes realidades, com diversas formas de ver as coisas, porque nós dão liberdade.
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