
Paula Luiz mais do que é uma actriz é um veículo de criação, que através da sua experiência de vida, das pessoas que encontra no seu percurso e as viagens que faz transforma tudo em aprendizagens que procura veicular junto dos seus alunos e da sociedade actual na sua escrita.
O que te levou a seguir a carreira de actriz, num país de precaridade para os artistas de todos os géneros?
Paula Luiz: É complicado explicar, porque costumo dizer que não foi eu que a escolhi, foi a profissão que me escolheu a mim. Quando era mais nova não sabia muito bem o que queria ser, com 15 anos foi para o liceu e acabei por escolher ciências, porque pretendia seguir medicina, até queria seguir psiquiatria, mas coincidiu com o facto de ter começado o meu curso de teatro e aí eu compreendi que havia um mundo inteiro por descobrir do ponto de vista criativo. Foi muito engraçado perceber que tinha imensa energia que estava retida, que tinha de ser trabalhada de outra forma e de ser expandida. Apaixonei-me logo pela representação e comecei a prosseguir os estudos teatrais em simultâneo com a escola. Aos 17 anos já tinha feito algumas peças de final de curso, continuei a fazer a minha formação, em workshops em Nova Iorque, sempre gostei muito do tipo de exercício americano, a sua linguagem e reagi sempre muito intuitivamente a escola deles, gosto muito desse tipo de ensino, do Stella Adler e já trabalhava profissionalmente quando fiz um casting para televisão. Tinha 20 anos, era precoce, mas chamaram-me e foi fazer a minha primeira novela e foi muito forte, porque foi a primeira e pela personagem que era muito rica. Mostrei o meu trabalho de uma forma mais versátil, a Eduarda era uma rapariga que tinha um atraso mental e tive de fazer um trabalho mais profundo e mais corajoso. Adorei, as pessoas eram fantásticas, depois foi progredindo, fiz "o Anjo Selvagem", o "teu olhar", fiz novelas para outra estação de televisão que foi "vingança" onde também gostei de participar e "chiquititas" e umas séries e publicidade. Depois o teatro foi ficando sempre ali parado, porque a realidade é que quando fazemos televisão é difícil conciliar tudo, porque trabalhámos 12 horas por dia e chegar à noite e ainda fazer um espectáculo no teatro é quase impossível, quando temos textos para decorar para o dia seguinte. Agora mais recentemente o que tenho andando a fazer teatro, escrito e encenado por mim, a dar aulas, porque adoro, é uma paixão que descobri em 2009, ou seja, ajudar as pessoas a descobrir o seu melhor potencial, a tal criatividade, a tal energia que esta ali e que precisam de explorar.
Vamos recuar no tempo, porque num determinado ponto da tua carreira decidiste voltar ao teatro e deixar os outros meios?
PL: Surgiu naturalmente, ou seja, quando se esta em televisão por vezes trabalhámos em dois ou três projectos de seguida e de repente há uma pausa, porque há uma mudança na vida, no meu caso o que aconteceu, foi essa paragem da TVI para a SIC e são etapas naturais no nosso percurso de vida, que na altura não nos questionámos muito, mas acontecem. Então, retorno ao teatro, foi um voltar as origens, porque quando temos muitos trabalhos seguidos de repente deixámos de ter capacidade de autoanálise para parar e pensar, calma, será que estas a ir tão longe no trabalho artístico como querias? E acho que o trabalho de teatro devolve esse lado saudável do vou esquecer o que já fiz e vou voltar ao espaço vazio, o Peter Brook falava muito dessa questão: como é trabalhar num espaço vazio, sem adereços? De criar tudo com o nosso corpo. E esse regresso é quase voltar aos 15 anos que foi quando descobri o teatro.
Um desses projectos de que falas foi o monólogo "as mulheres de água"? Que te atraiu nesse projecto? É muito intimidante estar sozinha em palco e enfrentar o público.
PL: Essa proposta foi muito interessante, porque surgiu no convívio com um amigo encenador e outro escritor, de repente falou-se, vamos criar algo, vamos fazer um monólogo, Paula queres? E eu acho que nesse aspecto não pondero demasiado, o pensamento é bom, mas há ocasiões em que temos de reagir logo e partir para a aventura. Foi uma ligeira inconsciência, isto dos monólogos tem de haver uma certa irreflexão para os fazer, porque senão a pessoa paralisa. Foi também um projecto que se candidatou a várias bolsas e ganhou tudo para podermos faze-lo cá no teatro da comuna e levar à peça ao festival internacional de "hoje é hoje", em Moçambique e o festival da Venezuela, na cidade de Barcelona. Todas as entidades que puderam apoiaram para torna-lo possível. Estive com o embaixador português na Venezuela que gostou da peça e é muito bom saber que o nosso trabalho merece ser mostrado e bem representado e que as pessoas aderem. Somos um povo muito sem-fronteiras, temos o mar.
Mas, para além do facto de estares em palco sozinha, o que te trouxe mais este personagem a ti como actriz?
PL: A personagem era muito diferente de mim, energeticamente, claro, que ela tinha um lado frágil, mais sensível e de força que também tenho, essas cambiantes gerava proximidade, mas ela tinha estágios de raiva, de revolta, de indignação e era um pouco mais mordaz que eu, Paula, que não tenho essa faceta. Eu vivo mais em paz do que aquela personagem, ela tinha uma história trágica de vida e não a conseguia ultrapassar. Aquele espectáculo era a tentativa dela tentar sublimar, sublimar. Era um texto lindíssimo do Luís Carlos Patraquim, que é um escritor luso-moçambicano. Era muito poético, o que trazia alguma dificuldade, porque é mais fácil expressar-nos numa linguagem mais corrente, do que com uma poetização tão bonita. O desafio era maior em termos de trabalho, de percepcionar e pensar: Isto é lindo! Que imagem isto transporta! Há todo esse trabalho. Por outro lado, teve um aspecto muito positivo que foi tentar ter o domínio de tudo o que se faz em palco, e quando estamos sozinhos é que percebemos quanto dominámos algo, até lá, eu acho que nunca tinha tido essa sensação a 100% de tudo o que estava a fazer. Cheguei a ter uma branca e dar a volta e ninguém se aperceber nada, eu continuei, deu-me até vontade de rir e brinquei com aquilo. É um domínio quer fica acrescido porque é nosso, só nós estamos lá sozinhos, a única hipótese é dominar o que estamos a fazer, senão, não vale pena.
Um outro registo teatral completamente foi "o crime na casa museu", porque quisestes fazer esse trabalho, o que te atraiu nesse projecto?
PL: Essa peça é anterior "as mulheres de água". Mas, atraiu-me logo a proposta do Michel Simeão, que foi o encenador, simpatizo imenso com ele. Ele disse-me que era género "cluedo" e sempre gostei do jogo, em que se tem de descobrir quem é o assassino e a personagem era muito engraçada, porque depois tinha um momento poético. Era uma mulher muito sensível, havia toda a componente histórica, era na casa museu de Leal da Câmara, eu era a esposa, tínhamos os trajes da época e adorei esse projecto.
Neste momento estas a apostar na formação de actores.
PL: Estou a apostar em vários lados, ou seja, eu acho que quanto mais avanço no tempo e não na idade, mais percepciono que o ser humano tem um potencial enorme. Aquilo que achámos sobre nós, não se remete apenas a isso, podemos ser cinco ou seis coisas ao mesmo tempo. Até podemos definir a profissão mestra, mas depois temos imensas coisas para explorar e cheguei a conclusão que antes de ser actriz, professora e escritora, eu sou uma criativa que pode ir para as áreas que assim desejar. É como me sinto, porque dá-me imenso gozo estar em cena, como estar fora a ajudar pessoas a encontrarem pessoas o seu caminho artístico, eu não sou professora, sou orientadora para encontrarem um espaço criativo. Gosto de estar mergulhada no computador a escrever personagens e inventar histórias, mas também não deixei a ciência, sou fã da física quântica e deste novo pensamento, que é a espiritualidade quântica e da medicina natural, portanto tenho formação em fitoterapia, é outro lado que gosto de trabalhar.
Tens todas essas vertentes, mas vem-te como actriz de televisão, sentes que há um certo preconceito?
PL: Não, eu nunca o vi como um preconceito. Eu acho que me rotularem como actriz de televisão é um bom sinal de um trabalho que desenvolvi ao longo dos anos, é uma consequência de uma acção, se efectivamente trabalhei como actriz de televisão é normal que as pessoas me associem e fico muito feliz pelo trabalho que desenvolvi para atrás. Espero é continuar a desenvolver-me para frente, mas é algo que agradeço a todas as pessoas que me ajudaram a crescer como actriz e desde já as que vem ai para ajudar-me a construir este processo. Vou lançar em Fevereiro de 2014 um romance, o meu primeiro, pela primeira vez vou dar-me a conhecer como escritora.
Abordaste o romance, mas nunca escrevestes uma peça de teatro?
PL: Já escrevi seis.
Mas, nunca se fala essa tua faceta de dramaturga.
PL: Porque não se sabe. É um trabalho que acontece de uma forma mais invisível.
Em Portugal nunca se fala de autoras femininas para teatro.
PL: Não há, mas começa a haver, porque estou a trabalhar para isso.
Mas, colocastes essas peças todas em cena?
PL: Todas, porquê? Eu faço um formato de curso de iniciação para a prática teatral que para mim faz todo o sentido, uma primeira parte com os exercícios básicos para os alunos começarem a perceber quais são as ferramentas básicas do teatro, o que é criar. Baseio-me em Stanislavsky, gosto desse formato para criação e construção da personagem. Na segunda parte, começo a escrever uma peça para eles muito baseado naquilo que observo, que os alunos dão, o objectivo é retirar o melhor deles em cena e depois a terceira fase é o espectáculo em si e ficam três dias em palco. Já fiz "a alegria da caverna", "exoteristas" que é uma brincadeira, quase todas acabam por ser comédias, nos grupos aparece sempre essa energia. Nunca consegui fazer um drama, bem ainda fiz, "o adivinha quem" que foi baseado no "cluedo", era para ser uma peça mais dramática, mas eles deram-lhe uma tal volta que tornou-se também uma comédia. Escrevi ainda "caça talentos" e agora estou a preparar a quinta peça, estou na fase de escrita, que é "a casa assombrada". Não é visível esse trabalho porque é algo que faço com os alunos e que esta inserido na formação que desenvolvo. Neste aspecto exploro as minhas capacidades de dramaturgia, escrita e de encenação.
É curioso, porque todos os actores que entrevistei queixam-se que não existem dramaturgos portugueses, contudo tu escreves.
PL: É um trabalho que não é visível para as pessoas do meu meio, excepto uma peça chamada "os imortais por sete dias", aí foi eu a fazer, não foi escrita para os meus alunos. Até agora foi só um projecto que assumi como autora, encenadora, actriz e produtora e de repente dei-me de conta que assumi mais funções do que aquelas que deveria ter assumido, cheguei a essa conclusão, apesar de ter querido fazer essa experiencia por apenas duas semanas. O público gostou imenso, porque tocava as questões da vida para além da morte, começava no tal túnel que se atravessa, a chegarem a um espaço e questionarem o que era aquilo, havia a pessoa que revia todos os momentos bons da sua existência e aquilo era tudo quase experiências de quase-morte onde a minha personagem era a terceira vez que lá ia, porque já tinha tido várias idas. Baseei-me na experiencia da minha mãe que participou num livro sobre as experiências de quase mortes e todas elas são transversais, todas atravessaram o túnel e todas sentem essa sensação de paz e amor.
Agora vais lançar um romance.
PL: Chama-se "jogo da glória", vai ser lançado em Lisboa em Fevereiro de 2014, o romance no fundo é o retrato de uma mulher que quer sair do "status quo". Ela recebe em testamento com um convite para uma morada a que ela vai e a partir daí começa uma grande aventura. Nesse endereço é-lhe proposto fazer uma viagem em torno do mundo, mas para fazer essa grande travessia terá que passar por vários países e há vários enigmas, com todas as aprendizagens que daí advém. As provas são cifras com códigos secretos e ela tem de passar e tem uma ajuda, um apoio, que é um professor, um estudioso e filosofo, que no fundo nunca esta com ela fisicamente nas viagens, esta sempre em Lisboa, mas que consegue ajuda-la a decifra-las todas. É uma grande viagem de alma, ela passa por vários locais onde faz aprendizagens muito profundas sobre o que são os mistérios da vida. Todos estamos aqui, neste status quo e esquecemos de rasgar os horizontes e o que ela se propõe é ir rumo ao desconhecido, a novidade é redescobrir um estado que temos quando somos adolescentes que são: o mundo é um lugar espectacular onde podemos fazer tudo e nós esquecemo-nos disto a partir de uma certa idade em que nos instituímos.