
A intervenção de conservação e restauro do retábulo e do cadeiral da Capela-mor da Sé do Funchal foi um projecto conjunto entre várias entidades públicas e religiosas que contou com o apoio técnico do Laboratório José de Figueiredo, através das restauradoras-conservadoras, Mercês Lorena, na área da pintura e Elsa Murta, na escultura e talha.
Qual é a importância deste retábulo ao nível nacional?
Mercês Lorena: É importante porque é o único que continua no seu local de origem, enquanto que no continente nas várias igrejas já foram desmanchados. Este dá mesmo a ideia de como eram os retábulos na época, montados em estructura retabular de talha e pintura. Além disso, antes não se via nada em termos das pinturas e agora tem-se uma visão completa, limpa e original.
Em termos das pinturas, eram diferentes de alguma forma, ou importantes no contexto em que se inserem?
ML: Nos outros altares que já nem existem as pinturas estão em museus. Na Sé, na capela-mor, estão retratas cenas evangélicas só que aqui temos a visão completa, onde estão colocadas e a leitura é feita da esquerda para a direita. O resultado final é excelente, as pinturas são muito boas, revelam que todas tinham muito do original ainda e mesmo os levantamentos dos repintes foi uma mais-valia, porque tornou tudo mais um conjunto e foi gratificante.
Elsa Murta: E aí conseguimos perceber que a talha é perfeitamente adaptada à pintura, foi um trabalho comum. No fundo é uma encomenda régia, para pintura e talha, cujos motivos decorativos, de escultura de pequena dimensão são colocada nos nichos, têm os mesmo indícios etnográficos, que integram, ou decoram todo o conjunto do retábulo. Conseguimos perceber que a técnica é mista, ou seja, não é o que em Portugal se faria na altura, mas é uma encomenda que, concerteza, foi com mão estrangeira, que faz este aspecto de gótico final muito à flamenga, mas foi feita também por nacionais.
Notei que no retábulo uma das pinturas foi substítuida, no terceiro patamar.
EM: É o último nível, o "ecco l'uomo" não pertencia ao retábulo, foi colocado posteriormente e adaptado com talha cortada de um antigo camarim da Sé e que foi retirado em concordância com todas as partes envolvidas neste projecto. Estava lá um negativo das formas de decoração arquitectónica que o retábulo possuía e foi decidido colocar uma substituição. É uma obra nova, tem a ver mais com o gabinete da DRAC (Direcção Regional Assuntos Culturais), mas como existia dentro do altar da consagração até muito pouco tempo uma cruz com cristo que era da tipologia da escola de Malim, é dentro dessa estética, embora não tenhamos uma marca, possuía a dimensão do que lá estaria e, por isso, em concordância com todos fizeram uma nova organização do espaço. Dentro da alegória etnográfica faz sentido ter sido colocada no lugar, faltava esse episódio de Jesus na cruz, já que possivelmente se tratava de um calvário e existe o registo e a documentação do retábulo nessa época, que descrevia Cristo no centro e São João e a Virgem Maria lateralmente.
O que retiram desta experiência profissional deste trabalho de restauro?
ML: Sobretudo o trabalho de equipa. É sempre bom, porque toda a gente colabora, traz ideia novas na conservação e restauro, as pessoas nesta área não podem trabalhar isoladas, desde a talha à pintura, é tudo uma mais-valia.
ML: Foi bom pelo conhecimento humano, dos profissionais que existem na ilha e que trabalharam muito bem, em conjunto, mas maioritariamente sós, porque fazíamos várias viagens regulares à Madeira e eles trabalharam isoladamente. São muito qualificados em termos profissionais e verificámos que as metodologias que utilizámos há 30 anos continuam a ser muito válidas e resultaram num bom trabalho final.