Existe uma possibilidade num futuro próximo de estender esse projecto para os arquipélagos, ou não?
JZ: Pelo menos a vontade e a ideia de o fazer existe, sendo que certo que precisámos de alguns recursos que não são muito para o fazer. Basicamente o que eu e a minha equipa necessitámos é de ter um bolseiro a trabalhar alocado ao assunto para dividir o seu tempo entre a realidade da Madeira e dos Açores e algum trabalho de arquivo que pode ser feito também no continente. Estamos a falar de um recurso que não é um encargo muito grande, um bolseiro custa 1,000 euros por mês e estamos a falar de 12 mil euros por ano. Do meu ponto de vista, e sou suspeito para falar, só há mais-valias que se podem tirar deste tipo de informação, como por exemplo, para a protecção civil que tem acesso a estes dados de forma a poder diminuir o risco.
Os desastres naturais então em Portugal estão ou não a aumentar?
JZ: Não.
Então as condições ambientais não têm peso nesta matéria?
JZ: Tem. Tudo tem peso nesta matéria. O que acontece é que não temos mais pessoas a morrer por causa das cheias, ou instabilidade de vertentes do que no passado, isso não existe e os nossos dados demonstram isso claramente. O que não significa que o clima não esteja a mudar. Elas têm sempre peso.
Mas, recentemente foram publicados dados cientÃficos dando conta que estas alterações do clima tenderão a piorar nos próximos anos.
JZ: Isso o que significa é que nos temos de preparar para o pior.
Mas, tem ou não pesou no caso das chuvas e das cheias em Portugal?
JZ: No caso dos dados da precipitação não o é. Quem estuda mudanças climáticas prevê para o território continental no que diz respeito à chuva um efeito que pode parecer contraditório, mas não é, haverá menos chuva no total, mas mais concentrada em perÃodos curtos, ou seja, que haverá maior possibilidade de haver mais cheias repentinas. O que não é uma boa notÃcia, nem essa, nem nenhuma. Portanto, se essas modificações já estão a transparecer na estatÃstica, eu acho que ainda não. Não é claro ainda, mas o que os dados nos mostram de forma clara é a intervenção do território e principalmente as asneiras que vão sendo feitas em termos de seu ordenamento.
Então o que se nota aqui, o que pesa nos dados a que se refere, as morte e os danos materiais se devem, sobretudo à intervenção humana.
JZ: Claro, e desajustada em alguns casos.
Afirmou que um dos pontos é a construção. Então que falha no geral?
JZ: O que falha em termos de construção é a escolha correcta dos sÃtios para construir, devidamente selecionada tendo em conta como é evidente a função que o edifÃcio que se vai projectar irá ter, ou seja, construir em linhas de água não é uma boa solução, quem opta por fazer isso esta a fazer um incremento brutal na exposição ao risco, enquanto não chove, enquanto o caudal da ribeira não aumenta, não se passa nada, mas há uma altura em que vai transbordar como aconteceu na Madeira em 2010 e nessa altura paga-se a factura, como se pagou e com custos sociais, económicos e humanos elevados.
Uma das conclusões de "disaster" é que o maior número de ocorrências ocorrem junto das bacias dos rios, com particular ênfase em Lisboa, porquê?
JZ: Pelo que dizia há pouco, pela exposição.
Pelo maior número de pessoas que ocorrem as cidades?
JZ: Sim e a construção em sÃtios desajustados, não é só na Madeira.
O Algarve aparece nos dados em dados mais recentes.
JZ: Sim, porque a construção é mais recente. O incremento da construção no Algarve esta associado ao turismo e começa depois da década de 70, na maior parte dos casos, o Algarve turÃstico tem apenas 40 anos, na Madeira ainda começou mais cedo.
Então quais são as vantagens claras para os gestores de risco deste tipo de informação?
JZ: Desde logo ficam a saber, mostrámos e sinalizámos claramente, nomeadamente para a protecção civil, onde é que num concelho qualquer houve um incidente no passado e temos essa informação disponÃvel de borla para todos os locais do paÃs. Todas câmaras podem ir buscar essa informação do seu território e podem verificar os sÃtios sinalizados onde houve mortos, ou evacuados, porque nestas coisas há um velho principio onde um desastre já sucedeu vai tornar a acontecer, é uma questão de chover o mesmo que antes. Isso ajuda, porque se sabem onde são os locais de risco, sabem exactamente no mapa se tiverem assinalados todas as zonas onde houveram inundações e deslizamento de vertentes. A protecção civil tem obrigação de funcionar por antecipação e tirar as pessoas desses sÃtios. As casas não será tão fácil, não há dinheiro para o fazer, temos que tirar as potenciais vÃtimas no momento em que esta prestes a acontecer uma determinada precipitação, é uma obrigação.
Mas, todos esses dados já não deviam estar incluÃdos nos planos directores municipais, através dos ditos mapas de risco e ainda que incluÃam Ãndices de construção?
JZ: Mas, na maior dos casos não estão.
Disse também que toda esta informação é importante para as pessoas, como é que elas a podem descodificar?
JZ: As pessoas conseguem saber. Sabendo o que são cheias, não creio que o cidadão comum seja tão pouco informado que tenha poucas capacidades para apreender informação que lhes diz respeito. Quando sentem que pode ser útil ou indicadora recolhem esses dados. Os cidadãos também podem aceder a essa informação. Em alguns casos temos problemas, porque o nosso Estado é paternalista e acha que é um assunto técnico que deve ser resolvido pelas instituições credenciadas e participação pública é pouca. Pense só nisto se as pessoas todas fossem mais informadas, se soubessem, se lhes fosse indicado o perigo de certos sÃtios com regularidade, e o nosso objectivo é que haja uma maior cultura de risco nas pessoas, de tal forma avançada que fossem elas próprias a recusar-se a comprar casas nesses mesmos sÃtios, isso resolvida o risco. Poderia haver empreendedores, no limite, interessados em construir e autarcas dispostos a permitir, mas se os cidadãos daquela mesma localidade fossem mais esclarecidos recusavam-se a comprar. Assim, o próprio mercado se ajustaria à realidade e se deixaria de construir aÃ. Esse era o cenário ideal.