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Em busca de recordações

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16 Investigadores, historiadores, da área de estudos da arte, antropologia e turismo, psicologia e geofísica, estudos de cultura no enfoque no discurso literário e artístico, coordenados por Ana Salgueiro, pretendem responder a pergunta qual a " (Des) memória de desastre? Cultura e perigos naturais, catástrofes e resiliência, Madeira, um caso de estudo" até 2014.

O que esteve na origem deste estudo?

Ana Salgueiro: Acima de tudo o facto de considerar que a investigação não tem de estar radicalmente afastada do que são os problemas da vida quotidiana. Quando falo de um estudo estou a referir-me as áreas das ciências sociais, das artes e das humanidades, porque as pessoas cometem o erro de considerar que a investigação que é feita desenvolve um conhecimento superficial, que não interessa, que não rentável, como no caso da economia e as finanças. O que essas pessoas esquecem é que há a criação de conhecimento que pode efectivamente dar bons frutos até do ponto de vista financeiro, porque se evitam gastos. Por outro lado, o projecto esta estructurado em três linhas de acção, uma para a investigação científica propriamente dita, outra direcionada para os projectos artísticos e uma terceira que prevê o desenvolvimento de iniciativas em escolas. Trata-se de uma tentativa, por via desses projectos, de criar uma cultura mais resiliente, que motive atitudes mais adequadas junto dessas mesmas comunidades. Há um outro objectivo que é considerar que a arte em paralelo com a investigação científica pode ser também um poderoso contributo na busca de respostas para os desastres naturais, como o é no caso particular da ilha da Madeira.

O que foca concretamente neste estudo? Já que são muitas questões a abordar sobre esta matéria dos desastres naturais e foi criada uma equipa interdisciplinar para o efeito.

AS: Exactamente esse é um dos problemas como os quais nos vamos ter de confrontar. Este é um projecto e disse muito bem multidisciplinar e transdisciplinar dentro do possível. A metodologia adaptada não é igual para todos, ou seja, não se impõem que todos trabalhem da mesma forma, consoante as nossas áreas da investigação a metodologia e os estudos serão diversos. Aquilo que nos procuraremos fazer é um estudo sobre a memória dos desastres naturais na Madeira, essencialmente uma recordação cultural, construída através de múltiplos instrumentos, binómios artísticos e não artísticos, que ao longo do tempo vão sendo construídos pelas populações e também pelos visitantes. Temos por exemplo, uma colega que irá trabalhar o discurso da representação da ilha em língua alemã, narrativas de viagem, mas também eventualmente algum material que tenha a ver com a divulgação turística, digamos assim. Portanto, o nosso trabalho vai olhar para os fenómenos e objectos de ordem cultural, ver como é que a memória desses eventos foi cristalizada e foi sendo recriada ou apagada ao longo do tempo.

Uma das vertentes do estudo é a arte. Como é que se encontra esse tipo respostas nas manifestações artísticas?

AS: Já há. Tive a oportunidade de fazer um trabalho de análise e estudo sobre "arte de portas abertas" que é precisamente um projecto que nasce em 2010, no ano do desastre de 20 de Fevereiro, mas que pelo que consegui aferir ele não nasce, ou melhor, não começa a ganhar forma com a catástrofe, mas acaba por ganhar maior dinamismo devido a destruição que aquele zona sofreu na altura. Assim, todos os fenómenos e objectos artísticos integrados nesse projecto tiveram momentos em que houve essa integração dos desastres naturais na Madeira. Nomeadamente, uma das portas onde houve uma certa reflexão sobre os fenómenos de aluvião, ou pelo menos pode ser lida nessa vertente, a instalação de 2012 abordou um pouco os incêndios que assolaram a ilha no verão passado.

Ao longo dos séculos a Madeira teve sempre aluviões que destruíram bens materiais e mataram pessoas e animais, basta consultar alguns dos documentos históricos, ou mesmo o elucidário madeirense e as ilhas de Zarco.

AS: Essa constatação é muito pertinente, mas a que fazer a diferença entre o que é a histografia e os estudos de memória. Nós temos historiadores a trabalhar connosco, que estão a desenvolver uma investigação sobre precisamente a memória e não a história, porque muitas vezes esta última relega para segundo plano, ou ignora por completo, os recursos de narrativas, de eventos de desastre neste caso, para quem quer conhecer estes fenómenos. Portanto, não vamos centrar-nos na análise de documentos, de relatos, narrativas de desastres que ficaram escritas de forma oficial, mas também vamos abordar, os discursos que permaneceram na sombra e que se calhar são interessantes do ponto de vista de análise científica e poderão apresentar respostas para alguns dos problemas com que as populações locais e a protecção civil se confrontam. Como responder ao desastre? Ao estudarmos estas memórias vamos em busca aos problemas que desencadearam esses desastres, da memória das respostas que foram dadas ao longo do tempo a esses mesmos eventos.

Onde é que encontram essas respostas?

AS: Por exemplo, daí da importância dos fenómenos artísticos, relatos de viagem e objectos de arte. Procurámos abordar essas narrativas e a partir dos nossos trabalhos elaborar uma cronologia dos períodos de desastre na Madeira e vamos também ver em que medida la produção cultural, seja ela mais oficial, ou menos, deixou marcado, ou escrito em algum lado, sobre esses eventos. E se reparar no título do estudo aparece a palavra desmemória, o silêncio, a ausência de narrativa é também objecto de estudo.

Falou também do ponto de vista psicológico. O tipo de memória que fica naqueles que de alguma forma foram vítimas desses desastres. Como é que abordam esta vertente mais dolorosa?

AS: Temos três profissionais da área da psicologia. É uma questão que, para além da memória, pode fazer algum exercício de reflexão sobre alguns dos mecanismos biológicos e psicológicos que estão implícitos nesse processo de lembrar ou relembrar e essa também é uma nossa preocupação, porque pessoas como eu, que não tem formação nessa área, sentiram a necessidade de saber como é que as coisas funcionam, do ponto de vista terapêutico que pode ou não ser feito, porque vamos trabalhar com jovens e crianças que é a nossa terceira linha de acção. Se nós vamos procurar fazer esse trabalho convém estarmos solidamente acompanhados por investigadores dessa área que nos poderão indicar quais os caminhos mais indicados a seguir.

Já possuem alguns dados que possam avançar?

AS: É assim, o projecto está a começar mesmo agora. Há um trabalho de preparação que só agora esta a começar, até porque os investigadores que estão involucrados neste projecto não estão dedicados exclusivamente ao estudo, já que não recebem qualquer salário, ou compensação financeira. Vão desenvolvendo-o em paralelo com a sua actividade profissional e só agora estamos a começar a produzir algum do trabalho que é necessário. Estão previstos quatro eventos de divulgação dos resultados obtidos. Duas conferências ao nível regional, em Fevereiro de 2013 e no próximo ano, a 20 de Fevereiro de 2014 e um coloquio internacional em 9 Outubro deste ano e 9 de Outubro de 2014 justamente no dia em que se comemora o do aluvião de 1803 e não foi por acaso a escolha destas datas, onde poderemos dar a conhecer alguns dos resultados.

Este é um estudo pioneiro ao nível regional, mas em termos nacionais pode-se afirmar o mesmo?

AS: Eu só comecei a trabalhar nesta área em 2012, é nova para mim. Tenho conhecimento de outros estudos afins, mas não iguais, porque não circunscrevem um caso específico, como é o da Madeira. Mas, de alguma forma são parecidos, embora tenham a suas especificidades. Até o final do ano passado o centro de estudos e promoção de cultura tinham um sobre o mesmo tema, o nosso projecto é herdeiro desse estudo, que tinha como base a representação dos desastres não apenas naturais e exclusivamente emocionais, mas também localizados nos espaços culturais e que tinha como cerne uma reflexão sobre esse tipo de eventos. E tenho o conhecimento de um outro, desenvolvido ainda, pelo instituto de geografia e ordenamento do território da universidade de Lisboa, completamente diferente do nosso, em que um dos objectos de estudo acaba por ser os riscos naturais. O seu objectivo é analisar publicações periódicas ao nível de todo território nacional, inclusive ilhas, é uma espécie de história, ou cronologia de desastres, porque consideram que essa informação poderá ser fundamental para caracterizar zonas mais vulneráveis com ocorrência desse tipo de eventos.

Depois de todo este levantamento e estudo ser feito, como é que pode de facto ser um instrumento de auxilio para as populações e a proteção civil?

AS: Eu acho que vai depender de muitos factores. Antes de tudo vai depender da nossa capacidade de motivação junto das populações e da reacção delas, da sua disponibilidade para ouvir o que temos para dizer. Eu julgo que é através precisamente da arte e da prevenção na escola que alguma desta informação poderá passar. Por outro lado, seria um dos nossos objectivos, mas não depende de nós e sim dos organismos oficiais ao nível regional que são responsáveis pela situação de riscos e de situações de emergência, facultar toda a informação junto dessas instituições e já contactámos algumas nesse sentido. Se elas quiserem divulgar esses dados no exercício das suas funções, através dos seus planos de emergência, terão toda a legitimidade para o fazer.

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