Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

h facebook h twitter h pinterest

O actor da marioneta

Escrito por 

 

Edgar Fernandes iniciou-se no teatro na Ilha da Madeira no grupo de Teatro escola "o moniz" onde ganhou por dois anos consecutivos o prémio de Melhor Actor. Trabalhou no Grupo de Teatro Profissional Teatro Experimental do Funchal e actualmente é um dos membros do Teatro de Marionetas do Porto.

Este ano faz vinte anos de carreira, olhando para atrás esta é a carreira com quem sonhou quando começou?

Edgar Fernandes: Não, mas no bom sentido. Pensava que estava a meter-me numa aventura louca, que nunca conseguiria fazer carreira, felizmente sempre estive no activo, nunca estive nenhum período sem trabalho.

Foi importante ter saído da ilha nessa altura?

EF: Foi, se não estou em erro sai em 1996. O teatro, naquela altura, era muito reduzido. Hoje há algum desenvolvimento até porque tem o grupo teatro-escola e o teatro experimental do Funchal, mas senti a determinada altura que estava a estagnar e que necessitava de mais formação para poder evoluir como profissional, senti que era isto que queria fazer e havia mesmo essa necessidade de sair.

Mas, foi apenas uma questão de evolução natural em termos profissionais, ou também sentia que estando numa ilha não teria as oportunidades, os desafios desejáveis posteriormente?

EF: Não, foi mais pela formação. Até porque faço questão de um dia, não muito longe, de voltar a Madeira. Sempre foi o meu canto. Apesar de estar no Continente há 17 anos sinto-me muito madeirense e ao contrário de muitas pessoas que querem sair da ilha, eu quero voltar, porque quero poder desenvolver e ajudar pessoas que tal eu como não tiveram formação e a possam ter sem sair da Madeira.

É artista, professor, faz dobragens para cinema animado, é actor no Teatro de Marionetas do Porto (TMP), em qual destas vertentes sente um maior prazer como profissional?

EF: Estão todas ligadas a interpretação. Basicamente é algo de que gosto bastante, que é interpretar. Posso dizer que de todas estas áreas aquela em que sinto mais prazer é no Teatro de Marionetas do Porto. É uma companhia onde já cá estou há 13 anos e foi o meu professor de interpretação, João Paulo Seara Cardoso, que me instruiu profissionalmente como interprete e que me ajudou a aperfeiçoar ainda mais a minha interpretação. Daí que sempre me senti realizado, apesar de que nas restantes vertentes sou feliz, sinto-me completo no TMP.

Como é ser actor num teatro de marionetes?

EF: É muito especial, esta companhia tem um percurso bastante interessante, porque nenhum dos actores tem formação de marionetista. Somos todos actores. O que define o TMP é que não é um teatro de marionetas, ou seja, um marionetista escondido por detrás de um cenário, mas estamos sempre presentes. O público consegue ver a marioneta e o actor, até porque o boneco como é feito de madeira ou de fibra não tem qualquer expressão física e nós conferimos essa parte humana a marioneta. É isso que me interessa bastante e motiva.

Numa peça de teatro há um texto, ensaios e o encarnar o personagem, num dos espetáculos do TMP, apesar de haver também um palco e uma história para contar, como é que decorre todo esse processo como actor?

EF: É feito exactamente feito mesma forma como seria num espectáculo sem marionetas, porque é como disse, o TMP é uma excepção a regra, desenvolvemos um trabalho inovador. Começámos com o actor, antes da marioneta, porque leva algum tempo para que a marioneta seja construída. Um espectáculo demora 3 meses e meio a ser montado. O trabalho de pesquisa sobre a personagem é começado com o nosso corpo. Depois a pessoa que fabrica a marioneta consegue através do nossa expressão física construí-la mais facilmente, trabalhámos a tempo inteiro na companhia.

E também têm um encenador.

EF: Sim, até 2010 tínhamos como director o João Paulo Seara Cardoso que infelizmente faleceu nesse mesmo ano. Neste momento, a Isabel Barros é a nova responsável, mas todos na companhia, porque somos interpretes, os sete, também, somos criadores. Há uma pessoa a dirigir obviamente, mas todos fazemos parte da encenação, da criação de espectáculos.

Como é que procedem à escolha dos textos? É diferente porque se trata de marionetes?

EF: É feita da mesma forma. O TMP realiza por ano, um espectáculo para adultos e um para a infância. Até 2010 os textos eram originais do João Paulo Seara Cardoso, eram através do improviso em que criava peças para os mais novos. Para o público mais maduro, excepcionalmente partimos dos clássicos, já encenámos "Macbeth" de Shakespeare, "os encantos de medeia" de António José da Silva e outras peças, mas por norma, os espectáculos surgem de improvisos nos ensaios e a partir daí criámos textos.

Qual é a fórmula de sucesso do TMP? Há muitos grupos, ou teatros sem público e vocês ao longo dos anos sempre conseguiram manter uma actividade regular.

EF: Tem muito a ver com a vontade de remar todos para o mesmo lado, eu sei que é uma frase feita, mas somos sete na companhia e desde a produção, a interpretação, a construção de marionetes, todos acreditámos neste projecto, porque é muito inovador. Nesta companhia os actores não só trabalham a interpretação, como também fazemos experiências com multimédia, dança e música e acho que o sucesso esta aí. Por norma, o teatro de marionetas é visto como uma arte menor, que é só para crianças, mas nós não. A pessoa que assiste pela primeira vez as peças tem essa agradável surpresa, porque são espectáculos para pessoas, quer sejam crianças ou adultos e com a mesma dignidade, quer fosse com ou sem marionetas. Ainda agora montámos um espectáculo " o senhor hic", em que criámos marionetas em 3D, deixavam de ser manipulada por nós e assim tentámos cruzar as várias linguagens da arte.

Sendo um artista, um profissional como é que vê o mundo das artes em Portugal?

EF: Neste momento está muito complicado confesso e estou com muito medo, talvez pela política que esta a ser aplicada no nosso governo, na Europa e no mundo. Infelizmente os nossos governantes ainda não se aperceberam que a cultura é das áreas mais importantes para o desenvolvimento de uma sociedade e verifico que cá esta a ser vandalizada como é caso escandaloso da Casa da Música, que é um investimento brutal, que acolhe espectáculos provenientes de todo o mundo e que neste momento teve um corte de 30% no seu orçamento anual. No TMP estamos em stand by até Março que é quando os subsídios são atribuídos, mas continuámos a ter um trabalho diário, porque felizmente temos agendados muitas digressões. Grande parte da nossa receita provém desses espectáculos que mostrámos fora de Portugal.

É o suficiente para manter o TMP de forma sustentável?

EF: Essa não é uma pergunta de resposta muito fácil, se tivermos em conta o público do TMP, seria possível, mas não nos mesmos moldes actuais, porque o nosso trabalho é muito intensivo, são oito horas nesta companhia. Teríamos que ter uma segunda profissão, mas era possível. Agora vamos inaugurar o primeiro museu de marionetas do país, vamos ser a primeira companhia de teatro com o nosso próprio espólio exposto e de salientar que é particular, porque não temos nenhum apoio oficial do Estado.

É nas vossas instalações?

EF: Não, é aqui perto, na rua das Flores, num edifício que foi alugado e restaurado, será inaugurado no próximo dia 3 de Fevereiro.

Há algum espectáculo que ao longo da sua carreira o tenha marcado mais?

EF: Sim, é o espectáculo que estou a fazer, é um solo, um monólogo, que era feito pelo João Paulo Seara Cardoso, que se estreou há vinte anos e após a sua morte sucedi-o. É muito especial para mim, porque não o tive a dirigir-me, todo o processo de criação surgiu através de um DVD. É de alguém que admiro imenso e foi uma pessoa muito importante na minha vida e um desafio incrível. Sugou tudo de mim, o sentimento, a emoção, a interpretação, é o personagem da minha vida e vou faze-lo em Fevereiro. Eu gostava de leva-lo para a Madeira, mas não tem sido fácil, não tenho obtido feedback. Há uma pessoa interessada que eu vá até aí apresenta-lo, mas não tem conseguido reunir os apoios necessários. Os espectáculos têm os seus custos, mas existem complicações logísticas, no entanto, o cenário cabe todo numa mala. A peça chama-se Capuchinho Vermelho XXX, é para adultos, onde não tenho marionetas, tenho objectos, posso dar um exemplo, o lobo mau é um frango que vou buscar todos os dias ao talho. (risos) É um trabalho muito interessante!

https://www.facebook.com/pages/Edgard-Fernandes/247732558574905

http://www.marionetasdoporto.pt/

 

Deixe um comentário

Certifique-se que coloca as informações (*) requerido onde indicado. Código HTML não é permitido.

FaLang translation system by Faboba

Eventos