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O homem sonha, a obra nasce

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É a sexta edição do Funchal Film Festival. Um evento que, apesar das limitações financeiras, tem uma programação ambiciosa agendada para este ano. De destacar, uma retrospectiva à obra do cineasta brasileiro Roberto Frias, uma homenagem ao britânico Terry Jones e muito, muito cinema europeu e nacional, como nos conta o seu director, Henrique Teixeira.

Qual foi a evolução do Funchal Film Festival desde a primeira edição até a sexta?

Henrique Teixeira: Eu continuo achar que este é um festival modesto. É pequeno, no entanto, olho para atrás e rio-me do que já fiz. De facto houve uma evolução. Eu lembro-me que na primeira edição eu não tinha dinheiro sequer para legendar os filmes e houve alguns em que os espectadores ouviram a língua original. Assim, é difícil. Não atrai público e é impensável acontecer. Era preciso arriscar. Correr o risco de ser criticado e as pessoas acharem que não valeria a pena. De facto, apesar destes sobressaltos viram que havia um projecto com pernas para andar. Eu lembro-me que foi possível trazer a custo quase nulo a actriz Vitória Abril. Ela ajudou a abrilhantar o evento, porque é uma cara conhecida por ser uma chica Almodovar e foi uma mulher, durante os três dias que cá esteve, de uma energia incrível, um vulcão como os espanhóis dizem. Deu nas vistas, abrilhantou o festival e teve muita gente a apoiar e a desejar a sua continuidade. E assim foi. O segundo festival aconteceu com mais algum apoio e as empresas privadas verificaram que poderia haver aqui um veículo para a promoção dos seus produtos. As duas entidades envolvidas na organização que, são a Câmara Municipal do Funchal e a secretaria regional do turismo e cultura, também começaram a apadrinhar este evento de uma forma cada vez mais visível. Esta sexta edição é diferente pela redução dos apoios financeiros, mais nada. Corta com imensas ambições que tínhamos para este evento, mas recentemente apareceu o apoio extraordinário de um grupo hoteleiro, Porto Bay que ajudou a viabilizar a realização deste projecto. Temos que ajustar e adequar a programação aos actuais apertos que decorrem da realidade que vivemos. Isso é visível no júri, que de cinco elementos passou para quatro. Na secção dedicada ao cinema regional, também houve alguns cortes.

Em termos de programação algo mudou?

HT: Não, basicamente a programação é rigorosamente a mesma. Temos a competição internacional de longas e curtas-metragens. Há uma retrospectiva dedicada a um realizador de topo no Brasil, que é o Roberto Faria e temos algumas situações pontuais, como uma sessão vínica, apoiada pelo instituto do vinho madeira e uma sessão de abertura, com a homenagem ao Terry Jones, com a vida de Brian e não menos importante secção de cinema animado dedicado ao público infantil. É fundamental que os miúdos venham ao cinema e ao teatro municipal. Além de um workshop que temos preparado com a ajuda da little film academy.

Recentemente numa entrevistas afirmastes que o FFF’06 só ganhou projecção depois da participação em Cannes. Sem esse tipo de promoção um festival destes não subsiste?

HT: Os festivais têm ser constantemente promovidos. Tem de se auto-divulgar em permanência. Nada melhor do que o mercado europeu em Cannes. Durante o festival de cinema, acontece um evento denominado de mercado de filmes, a indústria profissional está toda lá instalada, são cerca de 12 mil acreditados que durante seis dias, é um formigueiro de produtores, realizadores e distribuidores que, promovem as suas produções. Nós de uma forma muito simples, sou eu numa bolsa a tiracolo, tento accionar reuniões para mostrar o material reunido aqui na Madeira. Explicando, motivando o interesse sobretudo das produtoras internacionais para trazerem os seus filmes cá.

Então há diferenças significativas desde a primeira edição?

HT: Completamente, porque na primeira edição nos apelámos muito ao interesse das distribuidoras nacionais, ou seja, as empresas que colocam os filmes nas salas e tem os direitos de autor adquiridos no nosso país e mesmo assim chegámos a alugar cópias para mostrar nesse primeiro ano. Tínhamos um site para efeito, foram enviados 17 filmes e nenhum deles era passível de ser mostrado ao público. A partir da promoção do festival em Cannes, no ano seguinte, as submissões aumentaram para uma centena de filmes logo de imediato e nesta 6ª edição recebemos um total de 400 trabalhos que foram enviados entre Maio e Outubro.

Faz sentido criar mais um festival de cinema em Portugal?

HT: Na Madeira faz sentido. Aliás acho que a ilha é a localização ideal para ter o grande festival de cinema de Portugal. Tem as condições próprias em termos de logística, de beleza e de clima. É um destino turístico por excelência. Conheço os outros festivais que se realizam ao nível nacional e não tem rigorosamente nada a ver, o luso-brasileiro, o do Fundão, o Avanca e o Vila do Conde, que já existem e compara-los com o da Madeira. Só o Fantasporto, com mais de 30 anos, tem um grande renome lá fora. O conceito de ilha é romântico. Eu acho que é muito mais apelativo e atractivo para as pessoas quererem ir até uma região turística ver um festival de cinema e participar nele.

A ideia de criar um festival de cinema na Madeira assentou de certa forma, na falta de oferta cinematográfica na ilha, completamente subjugada pelo cinema americano?

HT: Foi basicamente esse o motivo que nos levou a criar o festival. As salas comercias apenas mostravam e mostram o que eu chamo o fast food de Hollywood e é preciso contrapor toda essa oferta. É necessário mostrar as pessoas que há produções fantásticas europeias, mesmo aqui ao lado. Esse de facto é o interesse de oferecer ao público madeirense o contraste daquilo a que estão habituados. Acoplado a essa vertente, temos a componente turística que é muito interessante se for devidamente trabalhada, quer dizer apoiada.

Como director de um festival que já vistes muito cinema, o que notas em termos de produção nacional cinematográfica, há uma melhoria, uma evolução, ou ainda muito trabalho por fazer?

HT: Eu acho uma maior meticulosidade profissional na entrega de quem o faz. Noto que o aparecimento do digital veio facilitar a vida de jovens cineastas que não conseguem nenhum tipo de apoio financeiro, seja através do instituto der cinema e audiovisual, mas que conseguem criar com um baixo orçamento bons trabalhos. Arriscam porque acreditam nos seus projectos, nas suas capacidades e de facto produzem metragens com grande qualidade e alguma notoriedade no exterior, apesar da forte opressão a que são sujeitos pelo marketing do cinema americano que não deixa nenhum espaço para a colocação do cinema português em salas. Acho que as televisões deveriam apoiar mais. Houve uma altura em que a SIC tinha muitas co-produções, mostrava muito cinema nacional e hoje em dia não é assim tanto. Nota-se um retrocesso. Frequentemente aparecem produções nacionais no estrangeiro. É a partir desses festivais que surge a oportunidade de comprar os direitos de exibição desses trabalhos e isso acontece frequentemente em França, algum em Espanha e Alemanha. Tenho uma programação que não gosto de destacar. Gosto de fazer referências e nas curtas-metragens vão ter um filme o North Atlantic, que é uma co-produção entre Inglaterra e Portugal, o realizador é madeirense, o Bernardo Nascimento, que eu acho completamente delicioso. É um filme muito bem feito e que anda a colher um sucesso enorme nos grandes festivais mundiais. Foi premiado nos EUA. Isto mostra o quê? Que é possível criar um projecto com grande qualidade, com base numa notícia real, escrever um roteiro e com muita dedicação e pouco dinheiro fazer um grande filme.

Em termos de cinema europeu, até bem pouco tempo, se dizia que estava moribundo. Concordas com essa afirmação?

HT: Não, de maneira nenhuma. Eu não diria que está desaparecido, o que eu acho é que não tem visibilidade junto de nós e por isso, a justificação da realização de um festival, para mostrar o que se faz aqui ao lado. A mesma justificação para o crescimento da produção nacional também se aplica ao cinema europeu. A utilização da câmara digital, a sua facilidade de manuseamento, veio promover uma maior criação cinematográfica. É muito mais barata, a película morreu, desapareceu. Esbateu-se, por outro lado, a burocracia que exista entre autores e os canais para subsidiar os filmes. Agora quase se prescinde desse tipo de apoio. A mentalidade é: temos um projecto, vamos buscar financiamento em algum lado e não é preciso muito dinheiro para fazer uma grande obra. A produção cresceu tanto dos filmes bons, como dos maus. Há muito mau cinema, até porque aumentou a produção amadora. É uma questão de escala, nos recebíamos cinquenta submissões e só se aproveitavam seis filmes. Actualmente, são 400 filmes, dos quais 300 são maus e só se mostram os restantes, mas aumenta a escolha de fazer uma boa selecção. O cinema europeu está saudável. Pode-se também extrair elações através dos prémios europeus de cinema, é o Óscar da Europa, nota-se uma maior consistência, esta a tornar-se apetecível e há uma maior união dos cineastas europeus.

As novas tecnologias não ditarão a extinção dos festivais no futuro? As pessoas cada vez sacam os filmes da internet, vão menos as salas e os blogs acabam por substituir os especialistas e críticos de cinema.

HT: Eu acho que não está nada em risco. É uma pena e é crime a pirataria existir. Quanto a outra questão, um festival de cinema é diferente de uma ida a uma sala, que muito provavelmente terá um intervalo, que é algo inconcebível para este tipo de eventos, deixar a obra de um cineasta a meio. Em segundo lugar, há as presenças dos realizadores, de alguns elementos das equipas técnicas e artísticas que permite as pessoas ouvir palestras com estes profissionais, retirar dúvidas e depois existe uma atmosfera festiva que permite a inclusão de outras vertentes de expressão artística. É a sétima arte, porque abrange todas as outras formas de arte. É normal, em festivais de grande orçamento, ter música ao vivo, exposições e workshops, tudo tem cabimento no cinema. Este festival espero que para lá caminhe.

http://www.funchalfilmfest.com/

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