Faz sentido criar mais um festival de cinema em Portugal?
HT: Na Madeira faz sentido. Aliás acho que a ilha é a localização ideal para ter o grande festival de cinema de Portugal. Tem as condições próprias em termos de logística, de beleza e de clima. É um destino turístico por excelência. Conheço os outros festivais que se realizam ao nível nacional e não tem rigorosamente nada a ver, o luso-brasileiro, o do Fundão, o Avanca e o Vila do Conde, que já existem e compara-los com o da Madeira. Só o Fantasporto, com mais de 30 anos, tem um grande renome lá fora. O conceito de ilha é romântico. Eu acho que é muito mais apelativo e atractivo para as pessoas quererem ir até uma região turística ver um festival de cinema e participar nele.
A ideia de criar um festival de cinema na Madeira assentou de certa forma, na falta de oferta cinematográfica na ilha, completamente subjugada pelo cinema americano?
HT: Foi basicamente esse o motivo que nos levou a criar o festival. As salas comercias apenas mostravam e mostram o que eu chamo o fast food de Hollywood e é preciso contrapor toda essa oferta. É necessário mostrar as pessoas que há produções fantásticas europeias, mesmo aqui ao lado. Esse de facto é o interesse de oferecer ao público madeirense o contraste daquilo a que estão habituados. Acoplado a essa vertente, temos a componente turística que é muito interessante se for devidamente trabalhada, quer dizer apoiada.
Como director de um festival que já vistes muito cinema, o que notas em termos de produção nacional cinematográfica, há uma melhoria, uma evolução, ou ainda muito trabalho por fazer?
HT: Eu acho uma maior meticulosidade profissional na entrega de quem o faz. Noto que o aparecimento do digital veio facilitar a vida de jovens cineastas que não conseguem nenhum tipo de apoio financeiro, seja através do instituto der cinema e audiovisual, mas que conseguem criar com um baixo orçamento bons trabalhos. Arriscam porque acreditam nos seus projectos, nas suas capacidades e de facto produzem metragens com grande qualidade e alguma notoriedade no exterior, apesar da forte opressão a que são sujeitos pelo marketing do cinema americano que não deixa nenhum espaço para a colocação do cinema português em salas. Acho que as televisões deveriam apoiar mais. Houve uma altura em que a SIC tinha muitas co-produções, mostrava muito cinema nacional e hoje em dia não é assim tanto. Nota-se um retrocesso. Frequentemente aparecem produções nacionais no estrangeiro. É a partir desses festivais que surge a oportunidade de comprar os direitos de exibição desses trabalhos e isso acontece frequentemente em França, algum em Espanha e Alemanha. Tenho uma programação que não gosto de destacar. Gosto de fazer referências e nas curtas-metragens vão ter um filme o North Atlantic, que é uma co-produção entre Inglaterra e Portugal, o realizador é madeirense, o Bernardo Nascimento, que eu acho completamente delicioso. É um filme muito bem feito e que anda a colher um sucesso enorme nos grandes festivais mundiais. Foi premiado nos EUA. Isto mostra o quê? Que é possível criar um projecto com grande qualidade, com base numa notícia real, escrever um roteiro e com muita dedicação e pouco dinheiro fazer um grande filme.
Em termos de cinema europeu, até bem pouco tempo, se dizia que estava moribundo. Concordas com essa afirmação?
HT: Não, de maneira nenhuma. Eu não diria que está desaparecido, o que eu acho é que não tem visibilidade junto de nós e por isso, a justificação da realização de um festival, para mostrar o que se faz aqui ao lado. A mesma justificação para o crescimento da produção nacional também se aplica ao cinema europeu. A utilização da câmara digital, a sua facilidade de manuseamento, veio promover uma maior criação cinematográfica. É muito mais barata, a película morreu, desapareceu. Esbateu-se, por outro lado, a burocracia que exista entre autores e os canais para subsidiar os filmes. Agora quase se prescinde desse tipo de apoio. A mentalidade é: temos um projecto, vamos buscar financiamento em algum lado e não é preciso muito dinheiro para fazer uma grande obra. A produção cresceu tanto dos filmes bons, como dos maus. Há muito mau cinema, até porque aumentou a produção amadora. É uma questão de escala, nos recebíamos cinquenta submissões e só se aproveitavam seis filmes. Actualmente, são 400 filmes, dos quais 300 são maus e só se mostram os restantes, mas aumenta a escolha de fazer uma boa selecção. O cinema europeu está saudável. Pode-se também extrair elações através dos prémios europeus de cinema, é o Óscar da Europa, nota-se uma maior consistência, esta a tornar-se apetecível e há uma maior união dos cineastas europeus.
As novas tecnologias não ditarão a extinção dos festivais no futuro? As pessoas cada vez sacam os filmes da internet, vão menos as salas e os blogs acabam por substituir os especialistas e críticos de cinema.
HT: Eu acho que não está nada em risco. É uma pena e é crime a pirataria existir. Quanto a outra questão, um festival de cinema é diferente de uma ida a uma sala, que muito provavelmente terá um intervalo, que é algo inconcebível para este tipo de eventos, deixar a obra de um cineasta a meio. Em segundo lugar, há as presenças dos realizadores, de alguns elementos das equipas técnicas e artísticas que permite as pessoas ouvir palestras com estes profissionais, retirar dúvidas e depois existe uma atmosfera festiva que permite a inclusão de outras vertentes de expressão artística. É a sétima arte, porque abrange todas as outras formas de arte. É normal, em festivais de grande orçamento, ter música ao vivo, exposições e workshops, tudo tem cabimento no cinema. Este festival espero que para lá caminhe.





