Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

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O senhor fantástico

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Ele é engenheiro informático, artistas plástico, formador, promotor de eventos, desenhador de banda desenhada e poliglota. Só lhe falta mesmo tocar um instrumento. É o senhor dos sete ofícios, uma autêntica força da natureza, que encara a sua vida como uma missão em que é preciso dar mais alguma coisa ao mundo. Seu nome? Roberto Macedo Alves.

Provéns de uma área científica, que é exacta, mas ao mesmo tempo és um artista, que é o universo privilegiado da criatividade, como conjugas essas duas facetas?

Roberto Macedo Alves: Eu preciso dessa conjugação para viver. Quando era mais jovem tinha dois amores. (risos) Sempre gostei de desenhar, ainda tenho desenhos, dos três anos de idade, que a minha mãe guardou. Possuía livros de banda desenhada (BD) desde antes de saber sequer ler, desde 1978.

Aprendestes a ler sozinho?

RMA: Dessa parte não me lembro, mas a minha mãe diz-me que sim. Na escola já assinava o meu nome, enquanto aprendíamos as letras.

Voltemos aos teus dois amores…

RMA: Primeiro gostava da BD, tentei desenhar desde sempre. Aos dez anos de idade encontrei um escritor de ficção científica chamado Isaac Asimov, descobri os robots e a cibernética, foi nos anos oitenta, aí decidi, quero fazer parte do futuro. A partir desse momento sempre quis ter um computador. O primeiro foi um Macintosh em 1986. Não havia melhor, desmontei-o uma semana depois de tê-lo, voltei à loja para me ajudarem com as peças que sobraram e funcionou de novo. Aliás ainda o ligo a corrente, trabalha e tenho as disquetes. Nunca tive coragem de deita-lo fora. Tenho uma prateleira com esse modelo, um Imac, o primeiro dos coloridos, o segundo melhor computador alguma vez feito e agora tenho o plano. Eu sempre quis fazer parte deste mundo, em que computadores falavam entre si, com máquinas avançadas, foi a partir dos 14 anos e chegou a um ponto em que tive de escolher: as artes, em que lia e desenhava, ou a informática.

Mas, nessa altura fazias tiras de banda desenhada?

RMA: Sim, começou com Júlio Verne, as vinte mil léguas submarinas, aos nove anos de idade. Achei o autor glorioso porque falava da Madeira. Eram os picos mais altos da Atlântida. No pico Ruivo viam-se umas conchinhas que eu associava aos livros. Li tudo sobre este autor até não haver mais, aliás, “o raio verde”, contém nas páginas quase todas as descrições das paisagens da ilha da Madeira, das suas praias de calhau e da vegetação. Era tudo fascinante, porque se tratava de uma publicação do século XIX. Adaptei também os livros do Sir Conan Doyle com dez anos. Li tudo sobre o Sherlock Holmes, os livros de ficção científica do professor Challenger e as publicações históricas. Com catorze anos transpunha os livros de Asimov para banda desenhada. Tenho uma obsessão com os autores de que gosto, leio tudo. Depois acabou e voltei a ler tudo em inglês, comecei pela BD, com a ajuda do dicionário. Eu comprava os livros em português, mas descobri um quiosque que os vendia em inglês e mais que havia um desfasamento de quatro anos entre as duas versões. Nas aventuras do homem aranha em Portugal, ele ainda era um herói solitário, nas americanas ele já estava casado com a Mary Jane há vários anos, só que estavam em inglês, eu não percebia metade do que lá estava e começou assim. Actualmente, o meu inglês é tão fluente como o português e o espanhol, só preciso de um interruptor mental para mudar.

Depois como começou a pintura?

RMA: Antes da universidade tive de optar, ou escolhia ciências ou arte. Como gostava das duas coisas e era muito complicado escolher, comecei a pensar em enveredar pelas ciências, se seguisse informática, ao mesmo tempo podia estudar arte pela minha conta e risco. Era mais fácil em termos de estudo, do que o cenário ao contrário. As ciências implicavam matemática, equações e cálculos e não tinha como saber se estavam correctos se os fizesse sozinho, em termos artísticos conseguia aprender com alguns livros e muita prática. Dos livros que tenho em casa, os de arte são cinco vezes em maior número do que os de informática. Cheguei a fazer adaptações dos meus super heróis preferidos da Marvel, como o homem aranha. Mesmo assim esses desenhos eram ranhosos, faltava-lhes prática. Comecei a andar com um caderno para todo o lado.

No metro, desenhava as pessoas que estavam à espera na paragem, a ler o jornal. Desenhava tudo o que gostava. Tenho mais de 50 cadernos de esboços. Só depois de ter gasto muito papel, de gastar centenas de folhas, é que iria consegui obter um resultado do qual não me ia envergonhar. Mesmo assim não chegou, porque embora a posse das pessoas fosse natural, nunca é imponente. Precisa de algo com mais impacto, comecei a ler os grandes mestres. Tinha lido um livro do Giorgio vasari, uma biografia sobre a vida dos grandes pintores, escultores e arquitectos. Falava de Leonardo Da Vinci, Miguel Ângelo e de todos os grandes artistas de pintura. Li que eles aprendiam a desenhar copiando uns dos outros. Foi uma revolução. Comprei um livro de Miguel Ângelo, reproduzi os desenhos todos da capela sistina a lápis, para ver qual era a estrutura em termos de anatomia, dos braços e as proporções. Depois cheguei a conclusão que com ele não conseguia desenhar mulheres. Passei então para o Leonardo, mas mesmo assim, só consegui dominar a figura feminina com Delacroix. Mais tarde já na faculdade, passei horas sem fim nos museus de arte sacra, na Gulbenkian e no Centro Cultural de Belém estava lá quase todos os fins de semana. Divertia-me imenso com as ciências, a noção do exacto, mas ao mesmo precisava de soltar a cabeça e libertar a criatividade, um complementava o outro. Hoje em dia ainda é assim. De manhã sou coordenador do departamento de informática da direcção regional de estatística e no final da tarde estou na loja, com desenhos, com os miúdos que chegam com os seus projectos de BD e planeámos eventos. Não conseguia viver sem um, nem outro.

Depois abraçastes uma vida profissional que te levou até Londres, porque é que voltastes à ilha?

RMA: Vivi uma temporada lá. Mas, de repente senti a necessidade de uma vida mais pacata. Preciso de voltar as origens, de paz e sossego. Andava sempre naquela correria toda e sentia-me escorrer. Olhei-me ao espelho, senti-me velho, abatido e gordo, parecia que tinha quarenta anos, acabei por voltar. Toda a gente me dizia, és doido, daqui a três meses estas de volta. Necessitava de estabilidade familiar, mas apercebi-me que isto era mais parado do que pensava e comecei a mexer-me. Tentei sempre trazer mais animação.

 

 

A primeira empresa que criaste foi aos 26 anos.

RMA: Era uma empresa de informática com mais dois sócios, no inicio era de fotocópias, mas eu achava que deveríamos mudar, porque começaram a aparecer os scanners e as impressoras multi-funções, isto foi em 2001. O conceito era tentar vender computadores marca branca a preço reduzido, mandávamos vir as peças e montávamos cá. Éramos uns miúdos que tinham pouca experiência. Depois começámos a criar sites, mas era muita coisa. As ideias eram boas, mas não conseguimos controlar tudo e acabei por vender a minha parte, achei que precisava de uma outra visão.

Desde o inicio quisestes ser empresário individual?

RMA: Sim, quando começas a trabalhar para ti, não queres trabalhar para os outros. É importante o trabalho que desenvolvo no escritório, mas não é o mesmo. Aos 26 anos essa empresa serviu como oportunidades de aprendizagem, eu nunca o vejo como fracasso. A ideia não funcionou, porque não se preparou tudo devidamente, nem havia equipa para tal e faltou o marketing. A culpa foi nossa, depois tive sempre aquela ideia de abrir uma loja de BD.

Começou então a 7 ª dimensão.

RMA: Como gostava de BD mandava vir muita coisa de Lisboa e do Porto, depois quando os meus amigos souberam, mandavam vir também. A certa altura, eram tantos os pedidos que já dava para abrir uma conta no fornecedor e fazendo as contas tendo em conta a margem de lucro, dava para alugar uma sala pequenina e começou assim. A 7ª dimensão era uma coisa de que gostava, porque se fosse algo que semi-gosto quando começassem os problemas a sério, ia-me fartar logo daquilo. O que acontece com muitas pessoas é que dizem, vou abrir um café, eu questiono: mas tu adoras café? Dou-lhe dois anos. Só mesmo quem adora o que faz prevalece, mesmo com adversidades.

Nesta aventura estás sozinho, porque não quisestes sócios?

RMA: Porque para teres sócios precisas que tenham todos a mesma visão. Se não, não estamos a puxar a empresa para o mesmo rumo. Daí que pensei, na altura, prefiro avançar sozinho. Decidi abrir uma livraria independente e toda a gente disse: és doido, só a minha mãe acreditou, ela disse-me: se o estás a fazer é porque tens alguma razão. Tudo começou na sala mais baratinha que consegui arranjar. Eu já tinha clientes fixos. Arranjei uma área no segundo andar, na rua Câmara Pestana. Mais tarde abri o espaço actual. Depois veio o pessoal da Magic. Mais do que um local para vender livros, é um ponto de encontro para convívio, um grupo que é uma espécie de uma comunidade. Aqui ninguém é excluído. Conheço todos os clientes pelo nome. É uma vantagem que tenho em relação á Fnac, mesmo depois da abertura desse espaço os clientes continuaram fiéis. A ideia é que seja especial, mais do que uma livraria, quero que seja um espaço onde há uma vivência. Temos que dar algo mais do que um produto.

Onde é que surgem as formações no teu percurso?

RMA: No seguimento da missão da sétima dimensão. No fundo é permitir um espaço de refúgio. Aos poucos comecei com os miúdos que precisavam de ensino, com os workshops de BD. Fiz o curso de formação para formadores e comecei também a dar formação em informática com métodos pouco habituais. Punha o pessoal a saltar e lá pelo no meio assimilavam conceitos. O feedback era muito bom e gostava de ver como as pessoas aprendiam e conseguiam aproveitar os seus conhecimentos. Eu ficava todo contente. (risos)

Mas, como é que começastes com esses workshops financeiros? Notastes que havia uma lacuna no mercado?

RMA: Sim, as pessoas não têm noção de como gerir o seu dinheiro. Tu falas com elas e dizem, não sei onde foi parar o ordenado. A mim esse tipo de afirmações incomoda-me. Como é que não sabe? (risos) Sei quanto é que gastei em comida, em gasolina e quanto é que tenho para gastar até o final do mês. Mediante as categorias e os gastos que faço em cada uma delas, giro o meu orçamento. Se por exemplo gastei menos em comida, significa que este mês posso comer fora. As pessoas não sabem gerir. Dá-mos ideias em como poupar. Quando questiono os formandos, de quanto é que custa o teu trabalho por hora? Respondem invariavelmente, o total do ordenado do mês. Eu digo, não foi isso que perguntei e assim dão-se de conta, que nem sequer sabem quanto é que vale uma hora do seu trabalho.

Ensinas então as pessoas a gerir o seu dinheiro?

RMA: Isso é só uma das fases, daí o nome universidade financeira. Os formandos definem a sua missão, assim como fazem as empresas. A razão pela qual estamos no mundo. A tua é de índole cultural, razão pela qual tens a revista. Procurámos desenvolver essas capacidades nas artes, na música, no que queiram. As pessoas tem que parar para pensar em si, em focar, muitas não fazem a mínima ideia quais as áreas onde são melhores ou não. Fazemos um teste para determinar onde essa pessoa se enquadra e poder orienta-la nesse sentido, para o efeito definimos objectivos e como atingi-los. Falámos de motivação, estratégias de poupanças e investimento ao longo de um ano, cinco anos e projectos de dez anos.

Qual é a média de idades dos teus formandos?

RMA: Desde estudantes com 19 anos até os 50 anos. Começaram o ano passado. Era uma ideia que estava a amadurecer e foi com um amigo, o Eduardo Grácio até Londres, ao National Achivers Congress, são três dias em que ouves vários oradores, como Richard Branson, Tony Robbins, entre outros. São 10 mil pessoas reunidas num pavilhão só para ouvi-los falar dos seus percursos. Como ele tinha a mesma visão, a ideal, criámos uma formação que não é de todo idêntica ao que as pessoas estavam habituadas. A crise acabou por ser uma altura ideal para colocar estas ideias em prática. Tal como esta ideia pretendo abrir mais uma empresa de desenvolvimento infantil, o Gymboree

O que é uma empresa de desenvolvimento infantil?

RMA: É um espaço onde decorrem diversas aulas, estruturadas por cientistas americanos, no sentido de desenvolver as competências das crianças mediante a idade. Começa dos zeros aos seis anos de idade. São programas educativos testados, que até permitem que os miúdos comecem a andar aos nove meses é uma forma divertida de ajudar os pais num período crítico. As pessoas pensam que os bebés só comem e dormem, mas dos zero aos três anos são o período em que o cérebro dispara e os neurónios são constantemente bombardeados com informação. O objectivo é que atinjam o máximo do seu potencial.

Como chegastes depois ao conceito dos pechakuchas?

RMA: Descobri quem eram através de um livro sobre multimédia, é um conceito japonês. Pesquisei o assunto, entrei em contacto e disse-lhes que gostava de estabelecer uma parceria, assinei o contrato e realizei o evento cá.

Não tens velhos do Restelo?

RMA: Tenho, mas não ligo. Ouço isso também em relação aos workshop. Depois começo a pensar, o que perderia se os organizasse? Tempo e dinheiro, mas depois se não o fizesse remoía o assunto. Prefiro perder tempo e dinheiro, do que passar a vida a pensar o que aconteceria se tivesse feito algo.

Achas que a tua geração é pouco empreendedora?

RMA: Acho que devia ser mais. Nós temos o potencial agora com o advento das novas tecnologias de evoluir. No passado estávamos mais isolados, no meio Atlântico, uma ilha dentro de uma ilha, agora não. Com a internet posso contactar com o Japão, depois negociar as condições e passados umas horas assinar um contracto digital que me permitiu participar num evento global. A minha geração devia ser mais empreendedora porque agora já não esta limitada ao mercado local.

Não achas que isso advém das pessoas quererem um emprego?

RMA: É isso. As pessoas estão muito acomodadas. É mais confortável estar a trabalhar das nove as seis da tarde com a garantia de um ordenado no final do mês, do que correr riscos. Há uma frase que gosto de Eleanor Roosevelt, faz todos os dias algo que te assuste. Nos workshops da universidade financeira eu noto que há muitos jovens, eles sentem que tem um potencial que pode ser rentabilizado. São uma geração diferente. Mais activa.

http://roberto.setimadimensao.com/

http://www.robertomacedoalves.net/

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