Mas, como foi ao encontro desses artistas desconhecidos? Ou são eles que vê até à Culturgest?
MW: Sou eu que vou ao encontro deles. É preciso viajar, estar atento, observar, é necessário fazer trabalho de campo e em certos momentos provocar o encontro com o artista, por exemplo, no seu atelier e depois fazer a proposta de uma exposição. As coisas em termos simples requerem muito trabalho, o estar alerta, focado, concentrado, mas as escolhas fazem-se a partir das experiências que se vai tendo ao trabalhar com muitos artistas. As escolhas não devem ser feitas, a meu ver, por catalogo, ou revista, não é folheando a "arte fórum", ou a "frieze", ou a "muse" que se fazem escolhas do que é arte contemporânea. Os catálogos são importantes neste processo de investigação e familiarização com o trabalho dos artistas, mas a experiência concreta das obras é uma condição para mim, sine qua nom, para me interessar. A regra de ouro foi sempre não convidar alguém cujo trabalho não conhecesse muito bem. E em vários casos há um processo que se desenrola de diálogo com o artista, de aprofundamento do conhecimento que se tem, de uma reflexão sobre o seu trabalho. Isto não tem grande ciência, ou mistério, é preciso ir à luta, de ir lá para fora. Quando entrei para a Culturgest tinha um conhecimento muito insipiente do que se passava no mundo da arte contemporânea internacional.
Qual foi então o principal desafio que enfrentou quando começou a sua carreira como curador na Culturgest?
MW: É justamente fazer todo um trabalho de adquisição de experiência, de conhecimento e de construção de uma relação com o trabalho de uma multiplicidade de artistas. Eu não tinha essa familiaridade e essa experiência concreta. Quando chego à Culturgest tinha apenas ido ver uma bienal de Veneza, tinha passado três semanas em Nova Iorque, via as exposições que se apresentavam em Portugal, era um frequentador assíduo do museu de arte contemporâneo de Serralves no final dos anos 90, que tinha de longe a melhor programação de arte em Portugal e que eu ia avidamente ver. Mas, isso não chegava, o que tinha a possibilidade de ver cá era insuficiente para estar apetrechado de modo a poder construir uma programação. Foi também um processo que se foi desenvolvendo a par e passo, acumulativo e de não pôr o carro á frente de bois, de ser paciente e que não tem fim, porque continua ainda hoje.
Essa relação do público com esses novos artísticos também evoluiu?
MW: É assim, nós na Culturgest gostaríamos de chegar a um público mais alargado e mais heterogéneo possível, mas é um facto que este tipo de programação acaba por atrair um público relativamente reduzido. Não é porque não façamos um esforço para chegar a mais gente, porque o fazemos e temos essa vontade, mas depois pagamos um preço, eu diria até elevado, por escolher esse caminho, é mais espinhoso. Parece-me que é muito evidente que somos prejudicados ao nível da cobertura jornalística e mediática daquilo que fazemos em termos de exposições. Até ao nível do acompanhamento feito pela chamada crítica de arte, porque os próprios críticos não conhecem o trabalho dos artistas que propomos e apresentámos e o processo de familiarização com o trabalho de um artista não é instantâneo e imediato, requer esforço e eles defrontam-se constantemente com esse aspecto.
Uma das críticas mais frequentes é que a Culturgest apresenta uma programação exclusiva de artistas holandeses e depois belgas.
MW: Isso é um facto, mas é também um reflexo condicionado de provincianismo, justamente porque em Portugal havia uma predominância de exposições de artistas consagrados e oriundos de determinados contextos. Eu achei que seria muito interessante dar atenção a artistas de contextos semiperiféricos, no caso, a Holanda e a Bélgica, e houve um período de cerca de três anos em que houve uma forte incidência nesse sentido. Esse ciclo fechou-se e abriu-se outro desde 2009 e que ainda se esta a desenrolar de exposições de artistas belgas. Mas, sabe qual é a ironia disto tudo? Na programação da Culturgest já houve mais artistas alemães do que belgas, mas isso as pessoas não questionam, ou não se apercebem sequer e o facto de haver esta estranheza e às vezes uma certa irritação dá muito que pensar. No fundo apresentámos o trabalho de artistas, depois há uma confusão entre artistas holandeses e belgas e ainda, artistas que são tomados por belgas e apercebo-me disso em conversa. Este denominador tornou-se uma questão caricatural da programação da Culturgest, para mim é uma política de programação. É incidir sobre contextos semiperiféricos, que de não nos conseguimos emancipar, se não nos inserimos noutros contextos semiperiféricos, se mantermos essa dependência dos contextos centrais, haveremos de ter sempre uma posição subordinada. É uma política que tem a ver com essa discussão sobre as periferias e semiperiferias, mim não me interessa apresentar os contextos da arte belga, ou da holandesa, agradam-me mais posições muito individualizadas, em alguns casos muito idiossincráticas provenientes desses contextos e portanto, não escolhi artistas apenas porque eram belgas, escolhi apenas este, aquele e o outro. Foram escolhas muito específicas, o mesmo para os americanos, que já tive em igual número que os belgas, mas isso ninguém questiona, u seja, naturalizámos o facto de em Portugal se apresentar o trabalho de artistas americanos ou alemães, mas estranha-se que se apresente com algum enfâse artistas belgas e holandeses, por isso, é que digo que isto é o reflexo do nosso provincianismo e da ausência de reflexão sobre a posição específica que ocupámos num contexto internacional da arte contemporânea. Não é por acaso que não temos nenhum artista português na documenta de kassel há três edições, em 2002 não tivemos, nem em 2007, nem em 2012 e creio que em 1997 na documenta comissariada pela Catherine David também não tivemos, mas não estou certo, porque somos semiperiféricos ou tendemos a ser mesmo periféricos e não temos essa consciência que devia ser aguda de como nos inserimos e participámos na arte contemporânea.
Agora que a programação cumpre 20 anos de existência, como toda esta experiência acumulada, que podemos esperar n futuro da Culturgest?
MW: As linhas de força da programação, as principais, de orientação mantem-se inteiramente válidas, os métodos como esses principios se podem operacionalizar é que pode mudar, por outras palavras, a estratégia mantém-se intacta e valida, depois a tradução em termos táticos é que pode mudar e de eu querer pô-los em jogo não quer dizer que a programação tenha de ser repetitiva, até porque temos trabalhado com imensos artistas singulares e nessa medida a programação é muito diversa, há a ideia que a Culturgest tem uma articulação interna unidirecional, acho que é uma percepção muito questionável, pelo contrário acho que é multidirecional e que irradia em várias direcções e que se ramifica constantemente. Quando faço um exercício muito simples de pensar quais foram os artistas que apresentámos a longo destes anos, apresentámos as coisas mais díspares, às vezes contraditórias entre si, de posições artísticas, mas há muito uma ideia que se tem vindo a arreigar que a Culturgest tem uma programação monocórdica, monótona e não é verdade do meu ponto de vista. Eu vejo como desenvolvendo um processo constante e de ramificação.
Quando me pergunta pelo futuro da Culturgest há uma variável, estas coisas fazem-se consoante as condições que existem para as fazer e em 2012 tivemos um pequeno corte no orçamento e em 2013 tivemos outro fortíssimo, hoje as condições do ponto de vista orçamental são mais ingratas do que eram em 2011 e portanto há constrangimentos com os quais não nos deparávamos nesse ano. A programação em que estou a trabalhar em 2014 e 2015, num caso de um ou outro projeto já para 2016, é uma programação concebida tendo em consideração esta variável que não pode ser ignorada que é orçamento permite fazer, que se acha que faz sentido realizar e é curioso, porque há algumas ideias que surgem devido a esses constrangimentos orçamentais que são muito interessantes, são projectos muito empolgantes, se calhar em condições de desafogo não surgiriam, isto não quer dizer que em tempos de cortes orçamentais são bons porque obrigam a pensar em outro tipos de projetos, não são sempre indesejáveis, mas apesar de a Culturgest estar ligada à Caixa Geral de Depósitos e receber seu financiamento através dessa instituição, a Culturgest não é tio patinhas, nem nunca andou a nadar em dinheiro e existe um enorme escrúpulo na maneira com se gastava dinheiro e se continua a verificar. Um dos factos que me agradou é que Miguel Lobo Antunes, que é uma pessoa ulta escrupulosa e prudente na gestão do dinheiro, nesse ponto de vista a Culturgest é irrepreensível, ou seja, a gestão orçamental não é menos rigorosa do que era anteriormente e volume de actividades reduziu-se por consequência dessa limitação orçamental. Também me parece digno de sublinhar da parte dos diferentes programadores, da administração, um empenhamento em absoluto em não comprometer os parâmetros de qualidade, não caímos na tentação de empobrecer a programação.





