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Os cabeças no ar

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São uma associação cultural sediada em Valongo que visa fomentar eventos multidisciplinares em todo o Concelho. Promovem o gosto pelo teatro através de formações dedicadas aos mais jovens. Encenam espectáculos audaciosos com vista à valorização do trabalho artístico e da proximidade com o público. Apesar de aparentemente andarem com a cabeça no mundo da lua, estes artistas têm os pés bem assentes na terra.

Como surgiram as cabeças no ar e pés na terra?

Hugo Sousa: Nós temos uma formação superior comum a todos, por isso, decidimos apostar na criação de um grupo de teatro diferente do que havia aqui em Valongo. Cá, só existe uma companhia de teatro profissional e vários grupos amadores. Decidimos criar uma companhia profissional também, e que disponibiliza-se formações, que era uma grande lacuna no Concelho e promove-se espectáculos com um outro cariz que não havia até aqui. Eram basicamente a cópia de outros tipos de projectos artísticos. Isto foi em 13 de Fevereiro de 2009 e neste momento já estamos a avançar para fora de Valongo.

Essa estreia aconteceu no Teatro Latino, no Porto, porque essa sala?

HS: A escolha recaiu nesse teatro porque já tínhamos passado por lá com outros espectáculos, inseridos em outras companhias. Era uma das salas que nos agradava na cidade do Porto. O Rivoli foi também outros dos espaços que equacionámos, devido a sua centralidade, próximo da baixa, mas nunca obtivemos qualquer resposta, após várias tentativas de contacto nesse sentido. O teatro latino foi então o espaço escolhido, porque conhecíamos o Óscar Branco, ele cedeu-nos a sala e nós alugámos de imediato esse espaço. A nós, como um grupo menos conhecido na cidade, interessava-nos essa sala, porque era no centro do Porto, possui as condições que necessárias para a peça. Era também uma condição importante, que não fosse muito grande e que fosse de fácil acesso. Teríamos à nossa disposição espaços gratuitos, mas não no centro da Invicta. O público da cidade é um pouco preguiçoso, acho que só se deslocam para o centro para ver um espectáculo e aí sentem-se seguros, quando envolve uma deslocação a periferia já é tudo muito complicado. Nós somos uma companhia de Ermesinde, que fica a 12 quilómetros do Porto, e os portuenses não vêem cá. No entanto, quando fizemos o espectáculo no teatro latino, muitas pessoas que residem em Ermesinde foram ver a peça “o doente imaginário”.

O doente imaginário foi um sucesso em termos de público?

HS: Sim, tivemos salas cheias, excepto em dois dos dias, que chegou a meia casa, e foi por “culpa” dos jogos de futebol. Foi óptimo ter tanta gente, não contávamos com tanta, esperávamos público sim, mas nunca casas cheias. Os restantes espectáculos esgotaram sempre, tivemos até problemas com a bilheteira por causa das reservas. No facebook tivemos muita gente a reclamar, a falar mal porque não conseguiram ver a peça. Estamos por isso a pensar fazer a reposição do espectáculo, não nos próximos meses, mais à frente, porque muita gente se queixou de já não haver bilhetes.

Disseste a pouco que são um grupo de teatro distinto, onde marcam pela diferença?

HS: Começámos pelas actividades para criança para não serem tratadas como “deficientes mentais”, serem inferiores. Usamos textos mais fortes e trabalhámos em conjunto para a montagem dos espectáculos. Tendo presente o que eles pensam, o que acham e do que compreendem do mundo em redor. Ao mesmo tempo que fazemos as formações com as crianças no final inserimos esses ensinamentos num espectáculo onde elas participam.

Outra forma como marcámos pela diferença, é através dos espectáculos performativos. Dou o exemplo do circo que montamos na rua, só com palhaços e que não é muito usual em Valongo. Os grupos de teatro tem por norma algum repertório, ou algum trabalho interno, escrevem os próprios textos, enquanto nós apostamos num teatro mais de rua, com tempos mais compactados, de quinze a vinte minutos no máximo. O Portugal dos Cabeçudos é um desses exemplos, montámos uma tenda cenográfica, na via pública, como se fosse no tempo de Dom Henrique, era um espaço em que entravam apenas dez pessoas de cada vez para ver os espectáculos. Os actores estavam sempre a trabalhar durante uma tarde inteira, ou seja, de quinze em quinze minutos havia uma apresentação da história de Portugal com bonecos. Assim, este compactar do tempo e a proximidade com o público resultam muito melhor. E tornam-se diferentes por esse motivo. A peça de Moliére que levámos a cena, foi importante no sentido de promover o nome, por isso a aposta num espectáculo mais popular, para atrair o público e que se associe esse evento a uma marca, que é cabeças no ar e pés na terra, aí já podemos apostar mais fortemente nessa diferença.

Há público para os vossos espectáculos? Qual é o tipo de pessoas que vão assistir?

HS: Há. No Porto, o público não nos conhecia e apenas foi ver a peça pelo nome, Moliére, este autor é um carimbo de qualidade, já conhecem mais ou menos o texto. Sabem que se vão divertir, que é uma comédia e não um drama e isso é fácil de “vender”. Nesse sentido digo que é popular, conhecem a história, o autor e já sabem que vão rir. O público que nos acompanha é diferente. Como temos muitas formações com crianças o que acontece é que elas nos querem ver em palco e como nunca podem ir sozinhas levam os pais. Eles acabam por gostar de ir ao teatro e falam sobre isso com pessoas que normalmente nem iriam ver uma peça. Temos o caso de dois casais que vão sempre ver os nossos espectáculos, nunca tinham ido ver espectáculos até a data, esse gosto surgiu através dos filhos. Isso é muito interessante, porque se trata de um novo público, que não ia ao teatro por preconceito, por desconhecimento e pela ideia de que as peças são muito chatas.

Achas que o teatro é apoiado como deveria?

HS: É uma pergunta difícil. Nós como grupo não temos nenhum tipo de apoio financeiro. O que nos sustenta resulta das formações para as crianças, porque tem uma aceitação grande. E daí temos conseguido canalizar dinheiro para as produções. Eu penso que o apoio que deveria ser dado, e daqui a um ano pode ser que esteja completamente errado, pelo Estado deveria ser em termos material, dotar os teatros de infra-estruturas adequadas, de forma que os grupos pudessem aceder essa rede de espaços gratuitamente. Encenando peças mais populares para poderem sustentar, os espectáculos com textos menos conhecidos que seriam pagos pelos outros. Por vezes, aposta-se nesse tipo de dramaturgia menos conhecida e que atrai menos público, mas que é apoiado com um subsídio de uma maneira dúbia. Outra solução seria que uma parte da receita do bilhete fosse devolvida no IRS. Causa-me um certo constrangimento falar sobre isso. Como podemos ser avaliados pela actividade do um ano seguinte, quando não fazemos ideia de qual vai ser a conjuntura do próximo ano? Ao nível artístico pode surgir uma ideia que nos motive a montar um espectáculo. Depois, a avaliação consiste em resumir em três páginas o que vai ser o projecto e depois não há um acompanhamento para verificar se o dinheiro está ser bem gasto e a própria qualidade dos espectáculos em cena.

É por isso que, apostaram nas formações e nos espectáculos para serem independentes financeiramente e artisticamente?

HS: Isso é o que gostaríamos, embora ainda não tenhamos chegado a esse patamar. O objectivo final é esse, por esse motivo falava a pouco de um apoio material. Funcionamos como uma empresa, nós vendemos um produto que as pessoas compram ou não. Em, Portugal há uma mentalidade que passa pelos convites, na peça que fizemos no Porto oferece-mos muito poucos, porquê? Porque menospreza o nosso trabalho, passa a ser uma brincadeira em troca de um papel. As pessoas não pensam que é disso que depende a sobrevivência do actor. Estão ainda muito habituadas a ir ao teatro de graça. A representação tem de ser vista como um outro trabalho qualquer que exige ser recompensado e que não se trata de um hobby. Fazemos este trabalho de uma forma séria e regular para atrair o público aos nossos espectáculos de uma forma encadeada, porque se trata de um serviço cultural.

Qual o vosso próximo projecto?

HS: Estamos a preparar um texto, “os dois perdidos numa noite suja”, de um autor brasileiro, o Plínio Marcos. Estamos a aborda-lo em termos de construção, trata-se de um dialogo entre dois desempregados, que vivem num armazém semi-abandonado e que lutam pela sua sobrevivência diária. Queremos partir desse texto e fazer um espectáculo só para duas pessoas, um actor e uma actriz, em vez de teatros, vão ocupar sítios abandonados, temos dois locais em vista com a autorização dos donos, e vamos levar o público lá para dentro.

Querem que o público tenha uma sensação de desconforto?

HS: Nós até gostaríamos que o público se sentisse confortável lá dentro. Essas duas pessoas vivem lá. Os últimos ensaios vão ser feitos no local, e passarmos o mais tempo possível lá, para torna-lo a nossa casa. Estamos a recolher materiais recicláveis e ofertas para tornar aquele ambiente o mais confortável possível, como seria no caso das personagens. Queremos que se sintam num ambiente acolhedor, mas a um passo da degradação, porque existem ali pessoas que vivem sem luz, iluminam-se com velas e comem coisas que os outros deitaram no lixo. A estreia está marcada para dia 20 de Agosto em Valongo, local onde pretendemos iniciar a temporada.

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