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Os visionários da contemporaneidade

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Inestética é um grupo que transcende o significado da palavra teatro, vai para além disso. É uma companhia vanguardista, que coloca em cena espectáculos multidisciplinares que impedem a indiferença, que cultivam o pensamento crítico e acima de tudo, que mostram uma criatividade inquietante.

O grupo chama-se inestética e contudo, nota-se uma preocupação no vosso trabalho no sentido contrário, ou seja há uma grande inquietação estética. Podes explicar essa contrição?

Alexandre Lyra Leite: O teatro é uma contradição, é uma provocação. É colocar sistematicamente coisas em causa. O nome inestética surge de uma linha que queríamos seguir de grande rigor estético, muito vanguardista, com grande cuidado e que tem a ver com toda a concepção do espectáculo que é multidisciplinar. O nome em si é já uma provocação para o espectador que é vem ver algo inestético e provavelmente encontra o oposto.

Notei que para além dos espectáculos a partir de textos de outros autores. Tu escreves peças para teatro. Essa escrita surge pela necessidade que sentes por textos específicos para o tipo de encenações que realizam no inestética?

ALL: Penso que resulta da linguagem que utilizámos. Eu estudei cinema e talvez esse facto e o de ter fundido o meu trabalho teatral com uma série de linguagens das artes visuais, cénicas e cinematográficas resultou em projectos muito específicos. Por vezes, eu não encontro os textos com os tons certos, com um certo ponto de vista, a visão certa e por isso acabo por escreve-los. O que não quer dizer que, não tenhamos feito adaptações, por vezes, de autores consagrados. É o caso de Frank Kafka e do Edgar Allan Poe. Eles têm a ver com o nosso imaginário fantástico, que vive muito da imagem e da criação de ambientes.

Porquê colocas os teus textos online?

ALL: Devia colocar mais.

Parece outra contradição, qualquer pessoa pode copiar.

ALL: Eu ficarei super contente se alguém pegar num texto meu e ser capaz de interpreta-lo desde que me avise. Que mande um email. Mas, vou colocar mais.

Outra faceta do grupo é o design, como é que isso tudo se encaixa?

ALL: Tem tudo a ver com uma lógica de encararmos um projecto como uma experiencia multifacetada. Tudo faz parte da experiência. Desde o aspecto da bilheteira, à música que se colocámos antes, tudo faz parte da atmosfera que se cria para o espectador e para encontrar um determinado objecto artístico. E portanto, tudo deve estar interligado e deve haver um rigor nesse aspecto.

Como então poderíamos definir o fazem?

ALL: Fazemos espectáculos multidisciplinares ou transdisciplinares. Por v vezes, fortemente teatrais, mas não totalmente no sentido clássico. O teatro agora também se esta a transformar.

Nos vossos projectos, nomeadamente na “zona de conforto”, pretendem criar uma sensação de repulsa no público que assiste, ou visam demonstrar a própria repulsa do artista quando confrontado com a temática abordada?

ALL: Eu penso que é um jogo duplo. Estabelece-se um jogo perigoso e daí da reacção que temos obtido. É o sair da zona de conforto do público que se sente algo desconfortável, parece que por vezes, estamos a sugerir o riso, mas não é isso, as pessoas riem-se mas depois param e começam a fazer leituras da mensagem que estamos a passar. Por outro lado, estamos a por em causa o conforto dos próprios intérpretes, o que não é habitual no teatro, há uma grande exposição ao aceitar o jogo, que também o é no limite. Isso passa para os espectadores, pelo menos é o que eu me apercebo, pelas várias reacções que tenho visto.

A impressão que tive é que as pessoas não se apercebem do impacto perante o que acabaram de ver. Qual a percepção do público no final?

ALL: Têm sido uma experiência super interessante. As pessoas ficam muito atentas ao que está acontecer, apesar de que o que está perante os seus olhos é um espectáculo minimalista de repetições e atitudes. O feedback tem sido interessante. Já recolhemos opiniões muito diversas. Há pessoas que pensam que estamos a referir-nos à situação actual do país, outros revêm-se na humilhação que sentem no seu local de trabalho, tem sempre um ponto de vista emocional, individual. O facto é que há muitas leituras. Não termos utilizado palavra neste projecto foi intencional por ser uma metáfora mais abrangente, mais ampla. Se usássemos palavras acho que seria algo muito limitado. As pessoas ao sair comentam coisas muito diversas e não quisemos limitar por isso, queríamos que as pessoas levassem imagens fortes para casa, que pensassem um bocadinho o que tinham visto. O porque de sorrirem num determinado momento e ficarem angustiadas em outros. Afinal, eles estavam a falar de quê? E aí surge a visão pessoal. Cada espectador terá a sua.

Para este festival do “amo-te teatro” sabemos o que trouxeram, mas o que levam desta experiência?

ALL: Nós voltámos para casa sempre mais ricos. Primeiro, porque temos a oportunidade de ver o trabalho de outros grupos. Isso é interessante, são outras propostas, outras linguagens. É sempre enriquecedora essa experiência. Depois estabelecemos uma rede de contactos que permite potenciar colaborações futuras. Conhecemos pessoas de outros locais que poderão vir desenvolver projectos, como aliás já fizemos no passado. Os intercâmbios surgem com naturalidade, mas acima de tudo é uma partilha. Quando encontrámos alguém que gosta tanto de teatro, é uma afinidade, um motor que nos une e entusiasma e sabemos que há outras pessoas que vibram com o mesmo que é fazer teatro.

Como é que o grupo inestética se encaixa numa localidade como Vila Franca de Xira? Só poderia ser possível fora de um grande centro urbano?

ALL: Eu acho que as nossas referências culturais e estéticas tem a ver com uma visão mais cosmopolita, mais urbana. Trabalhámos para um público iminentemente urbano, que é o que vai a Vila Franca de Xira e que nos acompanha. Mas, isso não significa que a linguagem do teatro não seja universal. Este projecto “zona de conforto” queremos leva-lo a várias zonas do país. É muito universal. O público o verá sob o seu ponto de vista. Depois Vila Franca é muito próximo de Lisboa e muitos dos nossos actores vivem nesta localidade, ou na zona metropolitana da cidade e de alguma forma sentimos que a matriz da nossa linguagem tem muito a ver com isso, com essa proximidade da grande urbe e das coisas que oferece.

Dá o tom ao vosso trabalho?

ALL: As referências acabam por nos influenciar. O trabalho que fazemos é também aquilo que vamos lendo, assistimos e os locais que queremos visitar. Tolda de alguma forma, se fossemos uma companhia inserida num meio muito rural, faríamos outro tipo de teatro. Não significa que não possamos dar esse carácter de universalidade, no fundo as emoções são universais. Há a angústia, o riso e o medo.

Passados quase vinte anos de existência, notas que há um maior respeito pelo teatro por parte do público e das instituições?

ALL: Penso que acima de tudo quem nos respeita é o público. As instituições nem por isso, falando de uma forma geral. As entidades públicas que atribuem apoios temem no fundo o teatro. É um desconforto, porque ele questiona. Temos tido apoio é verdade. Agora estamos a viver um momento muito difícil, temo pelo futuro do teatro em Portugal principalmente para as companhias mais pequenas, mais independentes como a nossa, avistassem tempos muito difíceis e sei que não somos os únicos.

http://www.inestetica.com/

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