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Um grito de liberdade

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A Associação Portuguesa de Investigação Arqueológica (APIA) foi criada por um grupo de jovens arqueólogos com o objectivo de desenvolver projectos de investigação nessa área. Um grito de Ipiranga que visa também, criar espaço para a discussão científica sobre certos tabus que ainda subsistem no nosso país, como é caso dos achados arqueológicos dos Açores, anteriores à colonização portuguesa.

Como é que surgiu a APIA?

Sérgio Pereira: A APIA foi criada há doze anos, foi um grito de revolta de um conjunto de jovens arqueólogos que não tinham espaço para trabalhar na comunidade científica. As verbas que existiam para pesquisa eram sempre para os mesmos. Não havia espaço para os mais jovens, era tudo tendencioso. Houve então um grupo de pessoas que se reuniu e criou uma associação com o objectivo de dar esse apoio na área de investigação arqueológica e paralelamente estabelecer parcerias com empresas para angariar verbas, ou seja, canalizar esse dinheiro para desenvolver projectos de pesquisa, um papel que deveria ser assumido pelo Estado. De facto, existiam bolsas, através do chamado plano nacional de trabalhos arqueológicos que muito raramente eram atribuídos aos mais jovens e os poucos que eram aprovados, vinham atribuídos sem verbas. Ir para campo sem qualquer apoio financeiro é quase impossível, nas escavações há sempre despesas.

Então como tornaram o projecto sustentável?

SP: Tivemos que criar o que nos chamámos de arqueologia empresarial. Criámos um grupo de pessoas vocacionadas para salvamentos e acompanhamentos arqueológicos impostos por Lei e realizamos estudos de impacto ambiental para parceiros privados. O lucro obtido através desses trabalhos ao invés de ser divido entre os sócios como acontece em qualquer sociedade, em primeiro lugar, é canalizado para recompensar monetariamente as pessoas que trabalhavam nos projectos e o excedente é aplicado em bolsas de pesquisas. É a forma sustentável que permite realizar trabalhos científicos. Oferecemos bolsas de mestrado e doutoramento, que posteriormente são publicados em revistas e congressos internacionais da especialidade, porque nos permite uma divulgação dos resultados, que é imediata, para a comunidade científica global. Em Portugal, essa divulgação só acontece passado três, quatro anos.

Um dos projectos que a APIA tem vindo a desenvolver é na Serra da Estrela, em que consiste o vosso trabalho naquela zona?

SP: Esse projecto na Serra da Estrela surgiu com o Nuno Ribeiro através da sua tese de doutoramento, que identifica arte rupestre entre o rio Seia e o Alva. Esse estudo deu início à uma série de investigações que apontavam, a existência, segundo locais, de algumas dezenas de sítios arqueológicos. Neste momento estão identificadas 700 áreas com arte rupestre. Todo este levantamento e identificação só foi possível através dos estudos de impacto ambiental que ajudou a fornecer dados para essa pesquisa e todo o dinheiro era investido em prospecção, contratar pessoas de outras áreas, como sejam geólogos e antropólogos para conseguir elaborar um projecto mais abrangente em todas as disciplinas, ou seja, multidisciplinar.

O centro de interpretação de arte rupestre, que foi criado há 4 anos, foi fruto desse trabalho. É uma espécie de base para todo o levantamento que é desenvolvido em toda aquela zona. É um deambulatório e escritório para todos os projectos desenvolvidos naquela área. Todos os processos de investigação passam por lá, ou seja, os 700 sítios inventariados e estudados de arte rupestre e também os restantes, os monumentos funerários e minas antigas romanas ou da idade do ferro. Neste momento, são cerca de 1.100 sítios, já devidamente catalogados.

 

 

Tenho conhecimento que utilizam essa informação para criar roteiros, como desenvolvem esse objectivo?

SP: Existem roteiros elaborados por nós e as pessoas podem deslocar-se até centro de interpretação, ou consultar o site para o efeito. Há vários percursos elaborados que, permitem visitas de uma hora, ou um dia inteiro que consistem numa visita guiada, acompanhado por um arqueólogo por esses sítios arqueológicos assinalados pela APIA, que acabam também por contribuir para o desenvolvimento turístico da zona.

A outra vertente da associação, as bolas de estudo, recentemente elaborou o levantamento de múmias no território nacional, fala-nos um pouco sobre o tema. O que são essas múmias?

SP: Sim, uma das bolsas de mestrado que apoiamos foi sobre a evolução de biologia humana que consiste no estudo das múmias portuguesas. São corpos que não foram modificados pelo tempo, incorruptos, a quem a tradição popular atribui capacidade de realizar milagres e alguns até são adorados pelo povo como santos. A APIA apoiou esse estudo e a primeira fase do trabalho de campo que, consistiu na análise macroscópica do material. Actualmente, estamos a apoiar duas teses de doutoramento, uma de arte rupestre e a segunda, que é sobre os concheiros de Mugue. São sítios arqueológicos onde podemos encontrar moluscos e objectos confeccionados em silex, do período mesolítico, a cerca de 7 mil anos atrás.

Fala-nos agora um pouco dos potenciais achados nos Açores? De que se trata?

SP: Tudo começou com uma viagem de férias do nosso actual presidente, o Nuno Ribeiro aos Açores que, detectou potencialidades de interesse arqueológico naquela zona. Ao investigar com maior afinco as histórias da ocupação de algumas ilhas do arquipélago começou-se a perceber que na própria história de Portugal, há indícios que houve uma ocupação muito anterior à portuguesa. Existem moedas que foram encontradas na ilha do Corvo, algumas delas são fenícias e que foram adquiridas por um museu espanhol, houve até uma estátua equestre de que só se conhece um esboço. Algumas estruturas, que se crê serem funerárias, foram até apontadas pela população local que as utiliza para guardar gado. Não posso afirmar se foi temporária ou não, mas foi anterior aos portugueses.

Fenícios nos Açores?

SP: Porque não? Da mesma forma que afirmámos essa possibilidade, também tem de haver alguém que prove o contrário. As hipóteses são para serem testadas. Existem correntes marítimas que passam ao largo da ilha do Corvo e das Flores provenientes do Mediterrâneo, que podem ter propiciado esse desembarque fortuito ou não, mas é preciso escavar para provar ou refutar essa hipótese. Até uma análise da constituição física das pessoas, da sua anatomia, da evolução biológica é um indicador das características das gentes que passaram por ali. Todos esses estudos e inventários deveriam ser feitos.

A APIA contactou a Secretaria Regional de Cultural dos Açores, no sentido de estabelecer uma parceria para obter às permissões legais necessárias e algum apoio financeiro. A arqueologia é uma ciência e como tal é necessário  desenvolver investigações para testar, comprovar, ou refutar  hipóteses. Neste caso, existem alguns indícios que podem  apontar para uma ocupação anterior à Portuguesa. Existem relatos na  história que aliados a testemunhos materiais que podem fortalecer essa  questão. Na arqueologia portuguesa existem  alguns tabus e os Açores é um desses casos. Não há verdades absolutas. Alias, com a evolução de novas tecnologias e metodologias o  que hoje é considerado X, amanhã pode ser Y e a arqueologia existe para  isso, para esclarecer e também para  construir e desconstruir hipóteses, teorias e mitos.                                                                                            

Qual é o balanço que fazem do trabalho desenvolvido pela associação nestes últimos doze anos? Qual é a evolução natural da associação?

SP: A intenção é continuar a financiar mais pesquisas e criar espaço para novas temáticas de investigação até mesmo na Serra da Estrela, onde ainda há muito ainda por fazer, especialmente as estruturas funerárias. Tudo também depende da situação financeira do país. É necessário dinheiro para levar á cabo estes estudos, a APIA precisa de parceiros para obter essas verbas que gerem lucros para conseguir financiar os projectos de investigação. Neste momento há uma estagnação muito grande. No entanto, não estamos parados. Existe a possibilidade de uma parceria com o Brasil, mas nada está decidido ainda. Estamos também a ajudar a organizar o Congresso Internacional de Arqueo-Astronomia que se vai realizar em Setembro, no nosso país.

O que é a arqueo-astronomia?

SP: É uma ciência que nos auxilia no estudo da arte rupestre. Analisa as orientações dos astros e as associações que estas gravuras tinham com o solstício de verão e com as luas cheias. Há uma série de ligações em termos de religiosidade, da pré-história e das sociedades actuais que são determinadas pelos astros. Existem algumas, na Serra da Estrela, que foram escolhidas a dedo, porque tem uma orientação Nordeste-Sudoeste, que está relacionado com o nascer e o pôr-do-sol.

http://www.apia.pt/

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