Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

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Um sério malandro da comédia portuguesa

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Ele não se considera um comediante à séria, mas faz comédia. Ele não se considera cantor, mas diz que canta tão bem como a Cesária Évora. Ele não é muito observador, mas transforma o que vê em piadas. Ele diz que não é jornalista, mas escreve artigos. Ele gostar mesmo, gosta de falar sobre sexo, mas… Ele é o António Raminhos um parvo que fala com muita graça sobre coisas sérias.

Qual é a génese deste espectáculo? Eu sei que vais falar de coisas parvas.

António Raminhos: (risos) Os temas não são parvos, eu é que sou. Eu é que eu acabo por transforma-los, porque é o tipo de humor que faço. Não faço humor de observação, transformo as situações em algo irreal, pouco lógicas. O espectáculo é todo um pouco assim, a ideia é abordar vários temas, um pouco de tudo. Farmácias, a igreja, a irmã Lúcia, a internet, o facebook, essas coisas todas que não resultam da observação, mas sim de eu pensar em coisas parvas, como por exemplo, eu tenho uma emprega de limpeza e se ela fosse anã como é que ela ia limpar lá em cima nos móveis? Esse tipo de coisas. Acaba por cair no ridículo e às vezes são tão parva as associações que as pessoas riem-se da parvoíce da situação.

É o teu primeiro espectáculo?

É o meu primeiro a solo. Eu só faço coisas minhas, escrevo tudo sozinho. O stand up caracteriza-se muito por isso, a maior parte que representa também escreve. Também há casos em que se escreve para outros representarem, mas tudo o que eu faço é idealizado por mim. Basicamente são todas minhas e muitas surgem no palco.

Então há espaço para o improviso?

Sim, se a coisa estiver a correr bem. Geralmente, há. Principalmente com as casas cheias, a pessoa sente-se motivada e acaba sempre por acrescentar mais parvoíces a aquelas que já leva consigo. Ainda por cima, neste espectáculo há um welcome drink, as pessoas quando entrarem vão ter um wiskizinho, vão mais animadas, eu próprio em palco vou beber, portanto eu próprio não sei o que vai acontecer.

Estilo Cesária Évora?

Sim, mas não canto tão bem, ou se calhar até canto. Quando ela já esta a meio do espectáculo ficamos os dois parecidos.

Há algum tema tabu, um que tenhas um certo receio de abordar por causa da reacção do público?

Não, há temas que não toco, porque simplesmente não me lembrei de nada. Existe um que é mais susceptível junto do público que é a Igreja. Lembro-me da última vez que vim cá, já não me recordo se foi em 2008 ou 2009, em que fiz um texto sobre Jesus Cristo em que dizia que ele era gay. A primeira reacção das pessoas foi iiiiifffffff. A sala de repente fica muito, muito fria e aí tenho que chamar logo à atenção, calma, vocês tem que acompanhar o meu raciocínio e depois no fim vai sair parvoíce e as pessoas acabam por aderir. Lá está, desmistifico, não estou a ofender, Até porque sou católico, dei catequese e tudo. Portanto, não estou para ofender credos, nem estratos sociais, nem nada do género. Estou apenas para brincar com as situações.

Qual desses temas do te espectáculo é sempre recorrente?

Há um recorrente para todos que é o sexo. Eu falo muito de sexo, porque só falo daquilo que não sei (risos). É o típico português, fala, fala e faz aquilo que digo e neste caso que não faço! O sexo é um tema partilhado por todos, porque mexe com noções que dá para brincar.

Notas alguma diferença entre os públicos? O madeirense é diferente?

Sim, foi por isso que decidi fazer a minha estreia a solo cá na Madeira, porque as pessoas reagem muito bem e dão valor ao virmos cá apresentar o nosso trabalho. E nós também valorizamos essa receptividade das pessoas. Dá-me a ideia que é um público que percebe perfeitamente a comédia, que esta habituada a ela. E que a Madeira é uma ilha com várias apostas culturais que podem estar a acontecer todas ao mesmo tempo, porque há público. Trata-se de um público heterogéneo que gosta de assistir a espectáculos e a prova é que este não é no Funchal, é na Calheta. E está esgotado. E como está cheio vou ter que trabalhar! É uma desgraça, vou ter que me esforçar.

Dá para viver da comédia em Portugal?

Eu não vivo só da stand up comedy. Aliás, não é um rendimento. É a base da comédia, é o que mais gosto de fazer é a base daquilo que faço para o 5 para a meia-noite e para as revista que escrevo, para outros projectos que tenho. Eu faço-o, porque é a forma mais pura de comédia, porque a reacção das pessoas é ali no momento. Eu faço uma piada e eles ou riem-se ou não e eu vou ter que me desenrascar. Na comédia em Portugal estão a surgir várias pessoas e não há o conceito de ser bom ou mau, há oferta para toda a gente. Antigamente tínhamos dois canais, a RTP 1 e a 2, toda a gente via o Herman, porque era só ele. Depois surgiram mais dois canais que permitiram abrir espaço para outras pessoas.

É diferente escrever sketches para um espectáculo do que para a televisão?

Sim. Uma coisa é: faz lá uma piada agora, e sê espontâneo agora. Quantas vezes, me disseram para escrever para sketches para daí a uma hora, porque olha, tivemos um problema. Ou escrever um sketch para uma emissão de nove horas de emissão em directo dali a quatro dias. Aí já custa ter piada…

Estas a remeter-te ao 5 para a meia-noite?

Sim, mas não só.

Em qual registo te sentes mais confortável? Porque em palco como referistes tens o impacto do público, mas não televisão não é tão imediato.

Eu fico mais nervoso em palco neste tipo de espectáculos, do que fazer um directo em televisão, porque na televisão nós temos as câmaras, é o momento, aquilo que fizermos esta feito e passou. Aqui é uma hora em cima do palco em que temos a reacção directa das pessoas que não acontece na televisão. E acaba por ser diferente, eu aqui tenho mais liberdade faço o que me apetece do que em televisão. Eu digo as asneiras que quiser, bem tenho limites porque não posso pegar fogo a nada, não posso partir nada que já me avisaram. E até há uns adereços que gostava de partir. Há coisas que posso partir, eu tenho um fascínio por fazer esse tipo de coisas, mas que em televisão não me deixam fazer. Na SIC tive um programa em que gostava de ter partido o cenário e eles não me deixaram, deixaram-me só desmontar, já não foi mau!

Achas que há espaço para jovens comediantes como tu, num mercado tão pequeno como é Portugal?

Eu acho que há espaço. E é uma conversa que se tem muito em Portugal e que tenho com os meus amigos que são comediantes, eu, por exemplo, ainda não me considero um comediante, apesar de viver da comédia. Tal como quando era jornalista, não me considerava ainda jornalista, porque para ser profissional não basta ter uma carteira profissional e escrever num jornal, é algo muito mais pessoal. É preciso senti-lo. E eu ainda não me sinto comediante. E nesta matéria é preciso uma certa humildade e não só aquela coisa de quero ser comediante, porque é muito moda. Não funciona assim. É preciso trabalhar, saber o que as pessoas gostam e estar preparado para criar e há algo muito horrível que é as coisas não estarem tão bem como queremos, não ter piada e isso também é horrível. O país é pequeno e há uma mentalidade portuguesa que já não se verifica que é: este gajo é bom, mas é só este gajo. Os outros não interessam, estão a imitar. O que não e verdade, o que se passa é que temos a mesma influência.

Estás a falar de alguém em particular?

O Herman é uma pessoa que influenciou a todos. Eu tenho a felicidade de o conhecer e é alguém que gosto muito, com que converso muito, porque são gargalhadas atrás de gargalhadas. Por exemplo, eu lembro-me do fenómeno dos gatos fedorentos, em que era só eles e não havia mais nada. E continuava-se a fazer comédia. Havia os contemporâneos, mas dizia-se que eles estavam a copiar os outros, essa mentalidade portuguesa de limitar-se a visão. E há oferta para toda a gente. Eu posso gostar de um comediante que mais ninguém gosta e pode ser ao contrário. Eu acho que há espaço para todos.

Quando descobristes que querias fazer comédia? Porque pelo que acabastes de dizer começastes no jornalismo?

Sim. Isto do jornalismo para comédia é um saltinho (risos). Eu fui jornalista até 2005. Eu trabalhei no Independente e na Capital. Colaborava com outras publicações. O jornal fechou, fui para o fantástico mundo do desemprego e comecei a escrever um blog, no boom dos blogs, e os amigos começaram a gostar, eles disseram-me que havia algumas coisas com muita piada. Foi no tempo do “levanta-te e ri”, contactei o Carlos Moura, e ele convidou-me logo para um café e eu pensei estes gajos da televisão só querem flores (risos). Mas, afinal não, ele queria mesmo falar de comédia e começamos e ele é que me lançou no mundo da comédia. Ainda voltei a fazer um programa de televisão na RTP como jornalista, mas aí percebi que estava farto de aturar desaforos de não ser reconhecido pelo trabalho que estas a desenvolver. No jornalismo é para fechar páginas, para ocupar o tempo, porque o que vende o jornal é a publicidade e não o que nós fazemos e poucas vezes ouvia isso, está fixe, e eu gosto de ter o feedback das coisas. Depois tive a minha primeira aparição no “sempre em pé” do Luís Felipe Borges e aí comecei a dedicar-me mais a comédia. Depois sim, entrei no 5 para a meia-noite como um dos comediantes e guionistas do programa, sobretudo do Pedro Fernandes, trabalho na equipa dele.

Quem são as tuas referências em palco? Eu sei que o Herman é uma delas.

Sim, o Herman é referência para toda a gente. Gosto do Ricardo Araújo Pereira, não em palco, mas no estilo de comedia. As minhas referências são estrangeiras. Gosto muito do Conan O`Brien que não é um comediante é um guionista, que começou no “saturday night live”. O Dane Cook que é um comediante, provavelmente dos melhores da actualidade. E sobretudo um que é o Michael Gerber que é um comediante americano que já faleceu, era parecido com o Kurt Cobain, parecença física e nos vícios, não se suicidou, mas morreu com uma overdose. E é engraçado que já contactei a viúva dele e mande-lhe uma mensagem através do facebook a dizer-lhe que gostava do trabalho do marido e que me tinha influenciado muito, ela respondeu-me e andamos a trocar umas mensagens que é muito engraçado.

Costumas ter o feedback do público através das redes sociais, quando se trata da televisão?

Sim, sim. O 5 para meia-noite tem uma grande rede de fans no facebook e quando fazemos alguma coisa são colocados na net. Fazem muitos comentários.

Há algum sketch que te correu muito mal e a malta queixou-se de imediato?

Existe um outro que diz que não gosta. Houve um rapaz que dizia barbaridades e falava de cunhas. E um chorrilho de ofensas que não fazia sentido nenhum. E eu envie-lhe um email, pode haver quem não goste do meu trabalho e isso é ao gosto de cada um, estás no teu direito, mas essa coisa das cunhas não faz sentido nenhum e expliquei-lhe o meu percurso todo. Recebi um email a pedir desculpa. A net disfarça as pessoas. Elas escondem-se por detrás do computador. E acabamos por falar, ele é muito crítico e acho bem. Há um sketch que me lembro que foi fraquinho, um que imitávamos as SMS do Tiger Woods, que ficou sem graça nenhuma, mas acabou por ter graça pelo facto de não ter nenhuma. Mas, as coisas têm corrido bem e há mais as pessoas que gostam do que o contrário.

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