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O realizador de sonhos

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Com uma carreira na moda que completou um quarto de século, Hugo Santos não se quer ficar por aqui, vai em busca de sonho, uma nova fase do seu percurso profissional, que passa pela apresentação de toda a evolução do bordado Madeira nas suas colecções e no reconhecimento deste labor ao mundo.

Fale-me um pouco destes vinte e cinco anos num meio como é a moda?

Hugo Santos: Tenho 50 anos e trabalho nisto há vinte e cinco anos, pode-se dizer que é quarenta, porque nasci e vivi neste meio, a minha mãe e o meu pai tinham uma fábrica de bordados. Inicialmente erámos quatro filhos ligados as artes e eu era o mais novo e queria ser arquitecto, ou ir para as belas artes, mas acabei ficando por aqui, naquilo que era uma empresa familiar, quase caseira. Eu sempre quis enaltecer o artesanato, apliquei o bordado na moda com o objectivo de valoriza-lo mais um pouco, de maneira que fosse feito com maior qualidade.

A carreira que construiu acabou por ser aquilo que sonhou?

HS: Eu tinha-me proposto encetar esta carreira por metas. Comecei com uma base que era a minha mãe e o bordado, mas foi um percurso practicamente feito do zero. Neste momento eu estou na fase que deveria estar. Dos 25 anos até os 40 anos de idade sabia que tinha de trabalhar para construir um atelier, então fi-lo. Depois sabia que tinha de fazer uma aprendizagem e descobrir como colocar o bordado e faze-lo da melhor forma nas peças de vestuário e acho que estou a chegar lá, porque já experimentei muitos tecidos, vários materiais, tentando sempre o que será a melhor opção.

Depois de explorar estes materiais já se encontra numa fase em que os domina por completo?

HS: Sim já sei. É a procura de não perder as origens e tentar dar a volta usando diferentes tipos de aplicações. Eu já fiz, no passado, peças muito sofisticadas, agora estou a voltar para o linho. Tento redescobrir uma blusa tradicional que se irá transformar num produto mais comercial, mas que não fosse igual ao original. Eu considero que as minhas roupas já têm uma nova técnica. O desenho é feito da mesma maneira, o que se altera é o como, tentar que o modelo tenha moda, que seja actual.

Esse aspecto que procura resulta de uma imposição do mercado, ou são as clientes que o exigem? Ou é apenas o Hugo que entende que este é o caminho da evolução?

HS: Resulta de uma procura por parte das pessoas, mas também é algo muito meu. É o olhar e não querer dar um passo muito à frente sem ter o que considero ser uma verdade, a melhor solução, de forma a sentir-me realizado, para sentir que evolui. As pessoas chegam aqui com o sonho, mas eu tenho que dar uma resposta mais actualizada, através de uma nova técnica, com uma forma mais recente de aplicar os materiais, é a minha obrigação descobrir boas soluções.

Notou que ao longo do tempo essas mulheres acompanharam esse percurso? Ou seja, são mais atentas ao design de autor?

HS: Eu penso que sim, há um grupo de pessoas que estão atentas, elas estão sempre a querer ver, aliás foi cá na Madeira, que valorizaram muito esse trabalho. Uma forma de atingir novos mercados era ir à procura dessas madeirenses pelo mundo, porque elas iriam rever-se nesse sonho. Não há ninguém que não tenha tido na família alguém que bordava, fosse ela uma mãe, uma avó ou uma tia. Nós somos os mais exigentes, porque desde sempre convivemos com o bordado. Estamos capacitados para dizer se isto evoluiu ou não. Eu lembro-me quando comecei havia pessoas muito críticas em relação ao meu trabalho, que me diziam que não ia sair bem e depois quando confrontadas com o resultado sublinhavam que afinal tinha boa execução. É por isso que faço uma tentativa de fugir do artesanato, ao mesmo tempo que não fujo. A minha tentativa é não perder o design, o ponto, a forma de trabalhar, mas que eu ganhe num aspecto que não seja apenas artesanato, que passe a ser algo mais erudito e de maior qualidade. Parece que é fácil, mas não, eu estou a 25 anos a tentar.

E agora qual é a nova fase para o Hugo Santos?

HS: Eu considero que nunca me apresentei e estou a preparar-me. Neste momento ando a arrumar a casa, organizar a minha cabeça, porque eu queria apresentar-me como nunca o fiz. A meu ver estou a recomeçar.

Vai mostrar a evolução de toda uma carreira?

HS: Queria fazer apresentação que pretendo montar daqui a um ano, quero mostrar todo esse percurso, através de uma exposição e marcar desta forma os meus 50 anos, porque me sinto mais capacitado. Já experimentei várias formas e ao apresentar-me pretendo dizer que bom ou mau foi tudo isto que descobri.

Como inicia o seu processo criativo? É através dos bordados, ou dos materiais?

HS: Primeiro funciona no imaginário. Eu acabo por ter uma vida que me permite estar sempre nesse processo. Depois à medida que as minhas clientes descrevem o seu vestido de sonho, eu vou desenhando, raramente trazem-me fotografias. Mesmo com imagens mentais muito definidas, elas estão aptas e abertas para algumas alterações que vou introduzindo. Todos os dias penso nisto. Ao longo da minha carreira nunca tentei mudar muito os pontos, ou inventa-los. Um dos meus processos para que o bordado se mantenha com qualidade, é saber que as linhas são mais grossas do que antes, as agulhas tem outros formatos e as nossas ideias acabam por funcionar de outra forma. O bordado Madeira é igual ao resto do mundo, na medida em que existem desenhos que não são assim tão diferentes de outras zonas do globo. A Madeira foi povoada por pessoas que sabiam bordar, o facto de estarmos numa ilha, com uma vegetação densa e muitas flores, isolada, ajudou a torna-lo diferente em alguns aspectos, houve tempo para fazer bem. Aponta-se uma senhora inglesa, miss Phelps, como fundadora do bordado Madeira, mas eu não a vejo como pioneira nesta matéria, o que acho que aconteceu é que sendo ela filha de um industrial ela nota que havia pessoas que bordavam com paciência, vê a qualidade das mãos, começa a trazer desenhos e a levar para a Inglaterra bordados de contorno como peças únicas. Havia nessa época muitos desenhos repetidos, tinha mais de bordado inglês. Depois aparece o papel vegetal e máquina de picotar com os alemães, que permitia desenhar com o carvão de forma mais livre, mais corrida, com desenhos mais delicados, tal e qual como na Europa. Eles trazem mais design, com mais movimento, mas depois vêm a primeira grande guerra e com ela a decadência do bordado, no fundo trata-se de produtos sempre em crise. Os madeirenses ficam novamente sós a desenhar, a investir, a produzir e é aí para mim começa o verdadeiro bordado Madeira, porque era imaginado, desenhado e produzido pelos locais. A falta de design dos padrões fez que com que o desenho se torna-se primário e denso, definimo-lo como naïf. A falta até de jeito para desenhar torna-o mais rico, pela necessidade de encher sempre os pontos, um processo que arrasta desde os anos 20 até os anos 50. Depois entrámos em novos mercados, como foi o caso do Brasil e aí começámos a produzir um bordado muito colorido, embora os brasileiros gostassem do original, queriam mais tons. Só tenho pena é que a Madeira respondeu sempre aos mercados e nunca fez valer a sua própria identidade. O que criámos foi a nova forma de bordar, porque os desenhos nem sempre foram os nossos. Por isso uma das coisas que defendo é fazer o que nos vai na alma. Eu não trabalho para ir para Paris, mesmo que nunca consiga, o sonho é de Paris vir até minha terra. Parece que não, mas um ideal maior. Eu já dei um passo para que o sonho ganhe asas, como não faço nada sozinho, há espaço para uma equipe, para criar um evento que fizesse como que o exterior viesse ao nosso encontro, porque não podemos ser nós o centro das atenções?

É isso que procura?

HS: Eu procuro fazer algo que nos pertença, que seja nosso, que declare que estamos vivos. Trabalho em função do sonho, porque sem ele desistia, tem de ser grande para poder dar o passo. Eu acredito que se trabalharmos muitos o restante vem por acréscimo. Sinto que as pessoas me conhecem fora de Portugal, mas era giro que se fala-se da ilha remetendo-a para os bordados e para alguém que tenta fazer algo mais moderno. Acho que esse era o verdadeiro sonho.

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