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A câmara nova

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Trata-se de um projecto de criação de música contemporânea portuguesa, no âmbito de uma residência artística, que teve lugar na Ponta do Sol colectivo, em regime intensivo que convocou e associou vários músicos e performers madeirenses em parceria com dois jovens compositores Rodrigo Camacho e Milena Mateus. Um trabalho criativo que culminou em quatro concertos interactivos.

Como Surgiu a Câmara Nova?
Rodrigo Camacho: Primeiro surge pela vontade de participar e criar iniciativas cá na ilha.Veio de dentro. Depois houve a possibilidade de obter apoios e a concretização e realização de todas as condições, a casa que foi cedida pela Câmara Municipal da Ponta do Sol, temos o apoio do Hotel da Vila e o juntar de vontades para algo de extremamente sensível que é criar música contemporânea não convencional. Temos muito material, com longas horas de ensaios e preparação com músicos de backgrounds completamente diferentes, sendo que isto é algo que acontece num habitat extremamente sensível, por isso, é de louvar como a organização tentou sempre conceder todos os nossos desejos e criar todas as condições para que tivesse funcionado.

Mas, como é que fizeram a selecção dos músicos? Que aspectos tiveram em consideração?
RC: Antes de abordar a escolha dos músicos, temos que falar da música original e no tipo de residência que se esta a fazer, Câmara Nova 2014 é um projecto de composição e de performance de nova música portuguesa, sendo que quando se fala deste temática temos de ser originais e não necessariamente inovadores com novo material na tentativa de se despregar de quaisquer directrizes das escolas de música consagradas, não numa de recusa, mas de complementação, de tentativa de acrescento.

Milena Mateus: O Francisco Loreto, que é professor no concervatório de música da Madeira, foi uma grande ajuda. Forneceu-nos uma lista, ou indicou o tipo de pessoas que estariam interessadas em participar num projecto desde genéro de composição e performance e a partir daí juntámos as pessoas.

Outro dos pontos em comum destes músicos é que estão a estudar música fora da ilha.
MM: Estão a estudar fora, ou a trabalhar no exterior.

 

 

É então um dos factores únitários?
RC: É um deles. Nós queríamos pessoas com vontade de criar nova música contemporânea portuguesa e pensar quem é que esta aí para o fazer? Abordámos grupos de performers já profissionais com um histórial de criação nessa área musical e demos também uma oportunidade a jovens músicos em rápida ascenção, em início de carreira, que sempre necesitam desta impulsão. Daí o contacto com o Francisco Loreto que foi um dos professores da maioria destes valores e que nos concedeu os contactos. Depois expusemos as condições, para quem era, para quê, durante quanto tempo e que produto se esperava no fim. Pensámos como um economista, ou seja, encontramos incentivos através de um portefólio relevante na nossa contemporaneidade, então fizemos a documentação de tudo, desde ensaios a concertos, para que no fim se tenha uma obra válida, de cada um de nós, quer para os compositores, quer para os performers.
MM: E em geral como registo já que é importante catalogar o que se faz, para haver uma referência no passado.

Como é que funciona o processo criativo neste caso? Há membros do grupo que apenas compõem e os restantes reproduzem?
MM: Neste projecto abrimos candidaturas para compositores, mas no final, nem toda a gente teve a oportunidade de participar, então fiquei como compositora, para além de organizar este encontro, o Rodrigo também é compositor, daí termos esta consciência de juntar estas pessoas e tentar criar um portfólio. Quanto às peças musicais, uma é da minha autoria e a outra é do Rodrigo.

RC: Em primeiro lugar, tivemos de nos esforçar a trabalhar em produção para que as coisas aconteçam, porque não existe uma institucionalização preparada em função deste produto e objectos, para que um compositor possa apenas compor. Fomos os únicos compositores com disponbilidade para participar neste projecto, com conhecimento desde o início de quem seriam os músicos, depois de estar preparada a lista.

MM: Começámos em Junho, foi um mês intensivo de composição, ao nível das várias vertentes de guião, de imagem e de vários tipos de possibilidades de interacção com o público. O Rodrigo trabalha muito com itinerância, existe muito movimento entre os músicos.

RC: Colaborámos em conjunto e com outros ensembles em Londres, onde somos coordenadores. Trabalhámos o texto e o contexto, para quem é, quando e onde. Desenvolvemos o conceito não como uma necessidade, mas como potência geradora de material. Então, tudo esta relacionado, a peça dela esta interligada à minha, não chamámos os músicos para que realizem os nossos "sonhos", colaborámos em conjunto, a narrativa é sobre eles, sobre nós, o espaço e o nosso lugar, por exemplo, somos todos madeirenses. Seria pouco inteligente e estúpido da nossa parte não mencionar a riqueza do nossa cultura. Usámos as apetências que ganhámos dentro dessa escola, que é a central europeia clássica, e adaptamo-las as nossas realidades. As coisas de maior interesse aparecem neste contexto, já que, se vamos trabalhar com fonética temos de ter pessoas inteiramente capazes de ler partituras altamente complexas, com material hipermatificado e de serem madeirenses de forma intuitiva.

MM: Este é um trabalho que nunca poderíamos fazer em Londres. Já estamos com estas pessoas, com esta história e linguagem que vamos trabalhar para fazer algo diferente.

Vão registar este trabalho todo e qual é o culminar de isto tudo?
MM: São quatro concertos.

Em termos das obras como vai funcionar?
MM: São duas peças, a do Rodrigo é maior , a minha depende da interacção com o público, pode ser infinita. Parece que é um pouco, mas é um repertório grande e rico. A obra é interactiva e baseado em 36 textos que retirei do jornal da Madeira, na última página de opinião. A partir daí apliquei vários processos de manipulação de texto para criar vários poemas e uma imagem que estivesse de acordo com cada um dos textos. Durante esse levantamento apareceram várias palavras-chaves, que eram repetidas imensas vezes, houve outros padrões que surgiram de erros ortográficos, às vezes tipos de frase e sinalética que foi usada e desse conjunto criei a parte musical. Depois, durante o concerto tanto a imagem, como o poema vão ser projectados, o público escolhe o texto e o poema e isso vai lançar a parte musical, neste caso o público é rei e decide o que vai ver, ler e ouvir. Eu gosto muito isso. Não quero basear todo este trabalho no Jornal da Madeira, quero que as pessoas vejam isto e se questionem, o que era aquela imagem? De onde vêm? E ver que tipo de discussão surge em torno desse contexto, eu não pretendo um debate político, nem tomar partidos, vamos só jogar esta pedra e ver o que acontece.

RC: Não é pouco, porque é uma obra e depois outra, há a possibilidade dos mesmos conceitos estarem interligadas. Será um concerto de 2horas e meia, que fala do ser, de um espaço que por acaso é uma ilha, que tem características desde geológicas, socias e culturais que definem os indivíduos da qual fazem parte. É como encontrar os mínimos múltiplos comuns entre as pessoas. É um projecto intensivo, de duas semanas de ensaios e quatro concertos.

Quero que me digam em termos pessoais o que cada um retira desta experiência?
RC: Como qualquer músico de cá, retiro uma grande peça para o meu portfólio, para qualquer tipo de performer, de qualquer tipo de escola. Apesar de ser sobre nós, é transversalmente respeitada e relevante para a contemporaneidade, numa cultura que é global, mas que não é equalizada, nem comprimida para ser a mesma coisa, desmitificando o que são as conotações negativas da palavra globalização. Terá também, uma quantidade invisível de novo capital cultural que extraio daqui, experiência na minha área, como maestro director de orquestra ensemble, onde tenho andado a trabalhar nestes dois anos e este é um dos picos de crescimento. Mais experiência como compositor que tem sido muito valiosa para perceber o que funciona ou não em determinados contextos e estas coisas necessitam de prática, que surge no processo formado e que pode induzir a um sucesso ou não, num determinado contexto. De uma forma ou outra trata-se de currículo histórico, que é o que a maior parte dos artista necessita hoje, passa por ser arte performativa e o registo é importante.

MM: Para mim, é uma oportunidade muito agradavél de trabalhar na nossa ilha, o que é sempre um prazer. Ter uma peça minha tocada por estas pessoas que são excelentes músicos é uma grande felicidade profunda. É também muito importante, porque trabalhámos durante noites inteiras, semanas a fio e quando se concretiza é um calor que sentimos dentro do peito. Outro aspecto muito importante é o enriquecimento do nosso portfólio, o potenciar novos projectos, criar redes para se continuar a fazer música na nossa ilha, porque merecemos e necessitámos de chamar mais pessoas jovens, porque não vamos mandar toda a gente para o estrangeiro.

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