A carreira de Paulo de Carvalho pode ser descrita como profícua e diversificada em termos musicais. Do seu repertório fazem parte temas que reflectem momentos importantes da história portuguesa, mas muitos mais havia por descobrir se não fosse o silêncio...
Vamos falar deste percurso de mais de 50 anos de carreira. Houve algo que não fez ao longo do tempo que gostaria de ter feito.
Paulo de Carvalho: Verdadeiramente são 52 anos. Sim, gostaria de fazer tudo. Fazer música com quem gosto, é fundamentalmente isso, com gente da música internacionalmente e não só. Também fazer finalmente o tipo de música que gosto, sem ter qualquer tipo de problemas que tem a ver com a sobrevivência muitas vezes.
E os músicos ao nível nacional?
PC: Já practicamente cantei com todos. Da Mariza, da Rita Guerra, do Carlos de Carmo e quando falámos disto corremos o risco de ser injustos. É uma vida a cantar com companheiros da profissão.
Tem duas facetas que mantém em paralelo que é cantar e compor, existe alguma que prefira fazer recorrentemente?
PC: É assim, nada do que faço é separável da pessoa que sou. Dir-me-a gosto mais de fazer músicas ou de cantar? Gosto das duas, tanto gosto de cantar como de escrever letras para canções, agora depende para quem, o quê e qual é o objecto que cada companheiro pede em termos de música. Para mim não faz sentido compor para fazer CD's, porque eles não passam em lugar nenhum. As músicas só são conhecidas através do "youtube" e de outros canais da internet. A miudagem esta a aproveitar muito bem isso, porque discos não se vendem. Portanto, eu acho que sou uma boa prova do que estou a dizer, porque quase dois em dois anos gravo um álbum e ninguém os conhece, estão na prateleira para quando alguém se lembrar que eu existo.
Mas, o Paulo é crítico das rádios em Portugal.
PC: Não, eu sou crítico em relação a algumas rádios e da forma que as nacionais acabam por funcionar, porque alguém decidir quem é que vai estar dentro do computador para depois uma pessoa na cabine colocar a música que lá esta pode ser injusto. Quando havia programas de rádio de autor, que agora há cada vez menos, eram eles que decidiam o que lhes interessava colocar. Actualmente, são pessoas que nem conhecemos e decidem qual é a música do cantor, ou artista. Dou-lhe um exemplo, na Antena 1 que é dita uma rádio de grande protecção da música nacional, que eu saiba tenho três músicas, uma do último disco que fiz, que rara vezes passa e depois tenho outra velha, que é "depois do adeus" e a "nini dos quinze anos", dá a sensaçao que já morri há uns trinta anos. É disso que me queixo e não me venham dizer que essas músicas que são melhores das que canto hoje, porque não o são. Existem discos meus que não são conhecidos, porque as pessoas não o põem, o público só pode gostar do que conhece.
Quando olhámos para atrás existe um trabalho discográfico de certa forma marcante, de 1985, que é "desculpem qualquer coisinha" que é um disco diferente, na altura polémico. Considera-se um cantor de fusão?
PC: Completamente. Eu acho que a música se fez para misturar e culturalmente gosto muito de trabalhar com gente de África, do rock e é isso que tenho feito a minha vida toda. Talvez esse possa ser o motivo para que não entendam bem o que ando a fazer. Eu não sou um incompreendido, o país culturalmente não é grande coisa.
Quer dizer que se reeditasse esse disco novamente, qual acha que seria a reação do público?
PC: Não faço a mínima ideia. Se calhar não era a novidade que foi na altura, 1985 não é 2014. Depois por outro lado, foi uma surpresa verem-me a cantar fado. Eu já tinha cantado antes, mas aquele por motivos que não consigo controlar, é o disco mais ouvido e tocado. Mas, fado já o tinha cantado e continuo, só que o meio em que nós vivemos, que é a música, é complicado e quer nós queíramos ou não, há novas formas de censura e uma delas é o silêncio e isso se tem passado muito comigo e com outros músicos. Silenciarem o trabalho que vou fazendo é uma forma de censura. Sinto-me censurado nesse aspecto.
De todos os discos que já editou qual é o que de alguma forma o define como cantor e compositor.
PC: É um disco meu com textos só de mulheres e que se chama "Mátria". Ninguém conhece. É um disco de 1992, 93. Vão desde Mafalda Veiga, a Dulce Pontes, a Ana Zanatti, a Maria Rosa Colaço, Maria Barroso, a Rute e a Né Ladeiras.
É curioso que tenha escolhido esse álbum, porque não escreveu nenhuma das letras.
PC: Não escrevi, justamente a ideia foi pedir a mulheres para escreverem e muitas delas nem eram poetas. Tinham textos nas gavetas, muitas vezes nem sequer em forma de verso, ou poema, por exemplo, o texto da Maria Barroso do qual tirei algumas linhas que faziam sentido e fiz uma cantiga. Muita gente ficou espantada, porque não eram poetas. Agora, porque muita gente não conhece esse disco? Não faço a mínima ideia. Uma pequena história sobre um dos temas que esta nesse disco que era o da Dulce Pontes acabou por estar também cantada mais tarde num disco do Ivan Lins, que é um grande amigo, que ganhou um Emmy. Mas, isto ninguém sabe em Portugal, ou diz, pronto, eu estou nesse disco, ganhei um prémio por assim dizer. São coisas que vão acontecendo e chama-se vida, que vai-se vivendo.
Agora, passados estes 52 anos vai lançar um novo álbum?
PC: Não, vou lançar músicas. Estou a aprender com o meu filho, cujo nome artístico é Agir, que é mais fácil fazer duas ou três músicas e coloca-las nas redes sociais e esperar que as pessoas sintam necesidade de ouvir. Isso é capaz de ser melhor do que gravar discos, que é uma despesa enorme e não servem para nada.
O público português é também silencioso?
PC: Não, o público português, como qualquer um, só gosta do que conhece, se não conhece não tem forma de gostar. É isso que se tem passado. Eu, enquanto pessoa do meio musical, não me posso queixar do público português, as pessoas continuam a saber quem eu sou e continuam a conhecer o meu nome. Agora, o meu trabalho não conhecem porque lá esta, os meios de informação estão sempre a falar do mesmo, do "depois do adeus", dos "meninos do Huambo", da "nini dos quinze anos" e para aí. A partir disso nada é conhecido, por isso, é que digo que o silêncio é uma nova forma de censura.