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O erudito musical

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A Associação de Amigos do Conservatório de Música Madeira, ao longo de quase duas décadas de existência, promove e divulga a música erudita na Madeira, através de ciclos de concertos com artistas de craveira internacional. Festivais de música clássica que acolhem grande aceitação por parte dos turistas e uma crescente adesão do publico madeirense. À frente dos destinos desta organização de utilidade publica, está o professor, erudito, músico e pianista Robert Andres, que defende um programa ambicioso e de grande qualidade como cartaz cultural da ilha e como veiculo de financiamento para o jovem talento nacional.

Quais são os objectivos da Associação dos Amigos do Conservatório da Madeira (AACMM)?

Robert Andres: Nós organizamos uma temporada de concertos de música clássica. No passado, abordámos projectos inéditos, ultimamente propússemos um festival dedicado a Liszt no mês de Novembro. Antes disso tivemos um ciclo integral para piano de obras de Chopin e de sonatas para piano de Beethoven. A nossa actividade não tem fins lucrativos. A AACMM organiza concertos e canaliza o lucro da actividade para bolsas de estudantes de música.

Quando deram inicio a estes ciclos de concertos tinham a noção que havia um público para este tipo de eventos?

RA: Quando a associação começou não havia muita actividade nesse sentido, em décadas anteriores havia um enorme dinamismo, através de sociedades de concertos e até havia um festival de Bach, mas não era uma temporada organizada. Esse foi o propósito da criação da AACMM em 1993, assumi a presidência em 97’ e desde esse ano tentámos organizar uma temporada anual com cerca de 8 aos 10 concertos, por esse motivo a nossa actividade mereceu o estatuto de instituição de utilidade pública. A nossa orientação é pedagógica e cultural. Insere-se no cartaz turístico da região, uma vez que os nossos concertos na sua grande percentagem são frequentados por um público constituído por turistas.

Qual é o balanço que faz da actividade deste ano que passou e anteriores?

RA: Apresentámos em inicio de Dezembro passado o nosso bicentésimo concerto, únicos no seu género, porque raramente repetimos a programação. São duzentas experiências musicais com artistas de calibre internacional, onde também existe espaço para os músicos residentes da ilha e sempre quando possível dá-mos à oportunidade de uma primeira apresentação aos jovens que se encontram no final da sua educação musical.

Ao longo destes anos nota que o público português tem vindo a aumentar?

RA: Tem vindo a aumentar, mas não é na percentagem que se desejaria. O público local é um problema que se coloca a todas as instituições que organizam concertos de música erudita, a meu ver, resulta da falta do hábito de assistir a eventos culturais no âmbito familiar. Depois há uma outra vertente, esses concertos não contam com qualquer tipo de apoios, tem de ser pagos, a cultura tem despesas inerentes, a qualidade custa dinheiro e não podemos dar-nos ao luxo, nem seria uma boa prática habitual, que fossem gratuitos. Foi uma falha do passado em que o publico estava acostumado a que à cultura fosse gratuita. Talvez assim seja quando se trata de um trabalho pedagógico que se vai apresentar, porque não envolve custos de viagens, de estadia e pessoas com um curriculum que contribuem para melhorar o nível cultural das populações e que obviamente tem de ser pagos. Isto tudo se repercute no preço do bilhete e muitas vezes acontece que o publico que vem dos países escandinavos e do Reino Unido, às vezes acham os preços elevados, embora não se importem de pagar o dobro, ou triplo, para ver esses mesmos artistas em Londres. É uma questão de perspectiva. Neste âmbito, só há duas vias, ou se apresenta uma programação com qualidade duvidosa, que não implique investimento, ou se tem de garantir e insistir na qualidade, mas tudo isto tem o seu custo. Outro fenómeno que é muito interessante aqui na Madeira, é que nós como associação, oferecemos um pacote para o ciclo inteiro, praticamente a 50% abaixo do preço de tabela e em ambas as ocasiões tivemos apenas uma inscrição. As pessoas aqui não se querem comprometer em Setembro, para o mês de Maio, por exemplo. O compromisso que se pretende assumir por alguma coisa por muito boa que seja é mínimo. Isto diz muito sobre os hábitos culturais.

O que tem agendado para este ano?

RA: Temos agendado no final de Janeiro o recital de um pianista italiano, no dia 29. No dia 14 de Fevereiro haverá outro concerto para piano, por um artista sérvio e no dia 4 de Março esta agendado um concerto de flauta transversal e piano, com dois artistas portuenses, Luís Meireles e Manuela Sousa Guedes. Para Abril e Maio estamos à espera de confirmação por parte do teatro Baltazar Dias das datas para confirmar o restante calendário.

Acha que as gerações mais jovens mostram um maior interesse pela música clássica, ou pelo contrário tende a diminuir?

RA: Acho que é muito difícil fazer esse tipo de avaliações gerais e sumárias. Difere muito do investimento que se faz em termos publicitários, há máquinas de marketing por detrás de certos artistas e por isso, costuma-se pensar que é uma questão geracional, que os mais jovens sentem uma menor atracção pela música clássica. No fundo o facto é que as novas gerações tem menor poder de investimento e mesmo que tivessem interesse, aliás, é um problema que se verifica ao nível regional, o seu poder de compra é muito baixo. É difícil para uma família inteira separar 60, ou 80 euros para ver um concerto. Isso tem também muito a ver com a conjuntura mundial. Claro que, nos grandes centros urbanos, onde vivem milhares, ou mesmo milhões de pessoas, que albergam todo o tipo de perfis de vencimento, de educação e de âmbito cultural, há uma maior abertura para o mercado musical. Nos meios mais pequenos como o nosso, é quase impossível ter uma cultura auto-financiada, quando depende de artistas vindos de fora da ilha e dos custos que isso implica.

Desviando-nos um pouco sobre este assunto, vamos falar um pouco sobre o livro que editou. Qual é a importância desta publicação para o ensino?

RA: Não é bem em termos de ensino. Este livro é uma continuação da minha dissertação em que redescobri um pianista, filósofo e teórico americano que se fixou na Europa, Frederic Horace Clark que tinha como o seu ídolo Liszt. Ele viveu grande parte da sua vida até à primeira guerra mundial na Alemanha e na Suíça. Foi o fundador, embora até a publicação deste livro tivesse passado despercebido, da técnica moderna pianística. Trata-se de uma área que envolve a pesquisa do corpo humano, da anatomia, das regras e leis para usar o corpo de forma ergonómica no piano. Escrevi sobre a sua vida, a sua obra e ele até chegou a construir pianos especiais. Era considerado um charlatão no seu tempo e o meu livro veio sobretudo desmistificar essa ideia, descascou o que era válido nos seus estudos. Ele fez cálculos geométricos com alavancas e mais, uma grande parte do seu trabalho foi roubado por contemporâneos seus sobretudo na Alemanha, que tinham uma aceitação muito maior junto das pessoas.

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